País deve aproveitar novo momento mundial, dizem empresários e setor público
O movimento de “desglobalização” com o aumento do protecionismo em todo o mundo se tornou uma questão importante entre os empresários brasileiros. No entanto, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, disse não acreditar no fim do globalismo como conhecemos hoje.
“Desafios fundamentais, que afetam toda a humanidade, necessitam de soluções globais e da cooperação entre os países para que possamos nos proteger como civilização. Por exemplo, no caso de pandemias, que se tornam cada vez mais frequentes. Sem cooperação global, é impossível que um país, por mais poderoso que seja, consiga se proteger sozinho”, afirmou.
Josué falou na abertura do Fórum Estadão Think – Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global, realizado nesta terça-feira, 12,, na sede da Fiesp, em São Paulo. O evento discutiu com especialistas quais caminhos o setor industrial brasileiro deve tomar para uma maior inserção no mercado internacional.
Josué lembrou ainda que pautas atuais, como as mudanças climáticas e os eventos naturais extremos, podem fortalecer a indústria nacional. “O globalismo é fundamental para o Brasil, pois o País oferece soluções que contribuem decisivamente para problemas globais, como a questão climática e a transição energética, não apenas nosso território, mas todo o planeta. É impossível que um país, isoladamente, possa combater esses eventos”, afirmou.
O que exportar
Para Rafael Cervone, presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), um fator fundamental para ampliar o protagonismo internacional do Brasil é aumentar a participação dos produtos industriais na pauta exportadora.
“Esse avanço fortaleceria nossa posição econômica, reduziria a dependência tecnológica e ampliaria o superávit na balança comercial. O potencial é grande, pois nosso parque manufatureiro é avançado e diversificado, mas carece de investimentos para a transição à quarta revolução industrial, exigindo uma atenção mais intensa de políticas públicas do que foi observado nas últimas décadas”, afirmou.
Cervone destacou que o setor industrial, assim como os demais, enfrenta gargalos que limitam sua inserção global, especialmente relacionados ao chamado “custo Brasil”.
“Entre os principais obstáculos estão carga tributária elevada, juros altos, insegurança jurídica, encargos trabalhistas excessivos e instabilidade cambial. Esses fatores dificultam a competitividade da indústria brasileira, sobretudo em um cenário de acirrada concorrência global”, disse.
O presidente do Ciesp ainda destacou que o mercado interno brasileiro desperta o interesse de nações exportadoras, especialmente aquelas com limitações comerciais devido a conflitos. “No entanto, o Brasil enfrenta desvantagens competitivas em relação aos países asiáticos, que frequentemente contam com subsídios e incentivos governamentais significativos. Nesse contexto, a concorrência é menos entre empresas e mais entre países”, disse.
Segundo ele, para superar esses desafios, o País precisa focar em alguns pontos importantes. “O aumento da produtividade, a incorporação de novas tecnologias e a inovação são essenciais, assim como a exploração do potencial de produtos industriais verdes e sustentáveis”, disse.
Desafios
A professora Lia Valls Pereira, da UERJ e da FGV/Ibre, aponta mais desafios para o comércio global. Segundo ela, se tudo o que foi prometido pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, for realmente implementado, a onda de protecionismo pelo mundo tende a crescer. “E o resultado, neste caso, é sabido: haverá uma desaceleração do comércio mundial”, disse a pesquisadora.
Um dos antídotos, segundo Lia, é conhecido há décadas. “O comércio exterior não muda do dia para noite. Tem de haver persistência. É preciso ser feita uma política de Estado, e não de governo. Voltada para a melhoria da infraestrutura, da mão de obra, da digitalização. Temos de olhar para as nossas prioridades.”
Oportunidades
Por mais que o protecionismo anunciado pelo novo governo americano passe a vigorar exacerbando, por exemplo, os conflitos comerciais com a China, oportunidades também vão se abrir, segundo Aloizio Mercadante, presidente do BNDES.
“Não há dúvida de que teremos uma nova onda de protecionismo. O governo Trump, eleito pelo voto popular de forma legítima, tem a maioria no Senado, na Câmara, na Suprema Corte e nos Estados, com os governadores. Mas, mesmo assim, sou otimista”, disse.
Para Mercadante, várias janelas vão se abrir principalmente se o Brasil continuar tratando a China como um parceiro estratégico importante. “Somos complementares. Os chineses, por exemplo, estão interessados em investir aqui na área de energia e ferrovias.”
Raciocínio semelhante, explicou o presidente do BNDES, pode ser aplicado à Alemanha. “Vamos anunciar em breve um projeto importante com um grupo alemão em pesquisa e desenvolvimento. Temos grandes oportunidades. Há muitos desafios e riscos, mas precisamos ter mais ousadia no Brasil, principalmente em termos de políticas verdes. E, com o (eventual) grau de investimento, então, haverá uma mudança no padrão de crescimento.”
Mercado interno
No âmbito interno, até para que o Brasil tenha o que ofertar aos seus parceiros comerciais no exterior, avançar em questões de infraestrutura e logística passa a ser decisivo, segundo Mercadante. “Nesse sentido, a descarbonização dos setores de aviação e marítimo está dada. Por isso, o Brasil tem grandes oportunidades com o desenvolvimento dos combustíveis limpos para esses setores”, disse.
Segundo o presidente do BNDES, as cadeias de produção dos dois tipos de combustível se apoiam na produção de biocombustíveis e é dominada pelo Brasil há décadas. Para Mercadante, o Brasil tem todas as chances de liderar esses primeiros passos da transição do setor aéreo.
Sustentabilidade
As credenciais de sustentabilidade, quando se junta política comercial com ambiental, é um ativo brasileiro que deve ser mais bem apresentado nas mesas de negociação internacionais, afirma Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
Outro ativo importante para o País, segundo a representante do MDIC, é o fato de o Brasil estar distante dos focos de conflitos no mundo. “O ressurgimento das políticas industriais mundo afora é algo nítido. E também estamos com esse foco de reconhecer a importância da indústria. Precisamos, sim, abraçar com muita força a questão do ecoprotecionismo. É uma agenda que veio para ficar e vai gerar muitas oportunidades para o Brasil”, disse.
Ambiente
Para Welber Barral, consultor em comércio internacional, uma das principais oportunidades para o Brasil está no avanço da agenda de descarbonização. “A mudança na plataforma de energia mundial exige que o Brasil avance em sua própria transição energética. Também é preciso estabelecer um marco regulatório global de incentivos ao SAF (Combustível Sustentável de Aviação, na sigla em inglês), biodiesel e hidrogênio. Embora algumas dessas normas tenham sido aprovadas pelo Congresso este ano, espera-se que o marco completo seja implementado até o próximo ano, possibilitando que o Brasil tenha uma legislação atualizada e alinhada com o desenvolvimento sustentável”, disse.
Além disso, Barral destacou a posição do Brasil na produção de alimentos, um setor em que poucos países conseguem competir. “Com o crescimento global na demanda por proteínas, o Brasil tem uma grande oportunidade de expandir sua participação no mercado, agregando mais valor às suas exportações e aproveitando essa demanda crescente”, afirmou.
Ao mesmo tempo, o consultor afirma que um dos principais entraves para grandes projetos industriais no País é a taxa de juros alta. “O custo de capital no Brasil é particularmente prejudicial para projetos de médio e longo prazos. Setores como o de energia e infraestrutura, que apresentam um bom potencial de retorno, acabam sendo afetados por essa taxa de juros elevada, que é alta até mesmo em comparação com outros países em desenvolvimento”, disse.
Investimento mais caro
Yi Shin Tang, professor livre-docente no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, acredita que há uma grande probabilidade de aumento no custo de capital devido às recentes eleições nos Estados Unidos, mas isso deverá ser acompanhado por praticamente todos os países.
“No entanto, acredito que esse aumento não afetará necessariamente as políticas de expansão das exportações no Brasil. Por quê? Embora o custo de capital mais alto encareça os investimentos no País em geral, as políticas brasileiras de liberdade de acesso comercial, abertura de mercados e a desvalorização cambial ainda permitem que o Brasil mantenha setores econômicos bastante competitivos para exportação”, disse.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.