As ilusões do ‘sonho americano’ em três filmes da Mostra de SP


Por Agência Estado
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Foto: Ilustrativa/Freepik

Muita gente literalmente se mata para entrar nos Estados Unidos. O país serve de modelo a outros povos, como acontece, de maneira acrítica, aqui mesmo no Brasil. No entanto, o tal “sonho americano”, qual uma ilusão coletiva, parece em crise. Ao menos é o que se deduz de alguns filmes presentes à 48ª Mostra de Cinema de São Paulo, que termina na quarta, 30.

A começar pelo badalado Anora, de Sean Baker, Palma de Ouro em Cannes, ao retratar a vida de uma garota de programa de origem russa, Ani, ou Anora (Mikey Madison), que exerce a profissão em Nova York e vive uma espécie de Uma Linda Mulher às avessas. Essa anti-Cinderela conhece um playboy russo, Ivan (Mark Eydelshteyn), desmiolado filho de um oligarca do pós-comunismo, e engata com ele um namoro que termina em casamento em Las Vegas.

Mas a história não termina aí, como poderão ver os espectadores desse filme dirigido por um cineasta que adora trabalhar com as margens da sociedade de seu país – vide os anteriores Tangerine e Projeto Flórida.

O questionamento da ilusão americana prossegue com A Cozinha, do mexicano Alonso Ruizplacios, que transforma os bastidores de um restaurante em Manhattan numa espécie de microcosmo ao retratar a vida de imigrantes hispânicos na “terra das oportunidades”.

O filme é coral, isto é, distribuído em uma série de papéis que têm sua função dramática: há o negro americano que convive com seus companheiros de origens diversas, homens e mulheres vindos de vários países. Mas, se existe um polo narrativo, este é composto pelo casal Pedro (Raúl Briones) e Julia (Rooney Mara). Ele, cozinheiro temperamental vindo do México; ela, uma loira anglo-saxã de vida problemática, ambos vivendo um tormentoso caso de amor. O sonho se rompe num caso individual que vale como reflexão coletiva sobre uma situação de alta instabilidade.

Ruizpalacios, diretor de filmes como Güeros e O Museu, retrata com agudeza essas relações de exploração entre patrões e empregados fragilizados por não terem documentação legal. Elege esse polo assimétrico – a relação entre Pedro e Julia – como estopim de todas as contradições que encontram na cozinha do restaurante seu palco privilegiado.

PÓS-GUERRA

Outro exemplo é O Brutalista, de Brady Corbet, que, em suas 3h37 de duração, traz a saga nada heroica de László Tóth (Adrien Brody), imigrante húngaro que parece ter tirado a sorte grande ao poder usar, em terra americana, seu talento de arquiteto formado pela Bauhaus. Ele chega antes, no imediato pós-guerra, e tenta trazer da Europa para os EUA sua esposa Erzsébet (Felicity Jones). Trabalha para um milionário temperamental e racista, Len Van Buren (Guy Pearce), que o contrata para erigir um monumental centro de cultura em homenagem à mãe recém-falecida.

O filme é grandioso – tanto nos acertos quanto nos vacilos -, mas, considerações estéticas à parte, é um valioso testemunho de tudo o que exige uma terra de eleição dos seus novos moradores, vindos de países empobrecidos ou destroçados por uma guerra. Como definiu uma das personagens: “Este país (os EUA) nos apodrece por dentro”.

Um quarto exemplo seria o distópico Megalópolis, de Francis Ford Coppola, que fecha a Mostra na quarta, com a presença do diretor, e estreia nos cinemas no dia seguinte. Pelo que se sabe, Coppola, autor da trilogia O Poderoso Chefão e do alucinante Apocalipse Now, compara a decadência do sonho americano à queda do império romano. É um projeto de 40 anos, que ninguém quis financiar e foi bancado pelo próprio diretor.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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