“Depois que você é mãe, você não tem o direito de morrer”

Aos 40 anos, a empresária Gisele Evangelista tem uma certeza: ser mãe salvou a vida dela. A filha, Lina, de um ano e oito meses, é o motivo para que ela lute pela vida, encarando um tipo agressivo de câncer de mama, descoberto ao amamentar a babê.
Gisele nunca teve medo da morte, até se dar conta do quanto outra pessoa necessitava dela para viver. A mãe dela também luta contra o câncer há 15 anos e, ao ver de perto o sofrimento durante o tratamento, chegou a pensar: “se isso acontecer comigo um dia, vou morrer em casa, não vou adiar”. Mas quando o diagnóstico veio, tudo o que ela pensava era na bebê, que chegou como um milagre após tempos sombrios, e o quanto ela deseja estar por perto para ver a menina crescer.
Antes de Lina chegar, Gisele já havia se tornado mãe. A primeira filha, Alice, foi sonhada e planejada. Ela, que havia priorizado a carreira, recebeu dos médicos um alerta de que o período fértil poderia chegar ao fim nos próximos anos e decidiu pisar no freio – diminuiu viagens a trabalho e focou na gravidez, que chegou aos 36 anos, em uma gestação tranquila. Porém, na reta final, uma pré-eclâmpsia adiantou o parto. Alice nasceu prematura, com uma restrição de crescimento, e viveu apenas 15 dias.
“Foi a pior dor da minha vida. Não tem nenhum remédio que cura. A gente tinha muita esperança de que ela vivesse”, diz a mãe. A dor da perda fez Gisele mergulhar em uma depressão profunda, mas ela demorou até decidir procurar ajuda profissional. Aconselhada pelo psicólogo e psiquiatra que a acompanhavam, ela decidiu que precisava cuidar de si e estar bem antes de pensar em gerar outra vida. Iria adiar a gravidez, talvez, para depois dos quarenta anos. Mas no fundo o medo de passar por outra perda afastava o desejo de maternar.
No momento em que a vontade de engravidar estava mais distante, uma dor nos seios chamou atenção. “Da última vez que eles ficaram doloridos, eu estava grávida”, pensou. Fez um teste apenas para descartar a hipótese, mas o resultado foi positivo. A nova gestação chegou como um turbilhão, às vésperas de Gisele assumir um trabalho novo. A proposta foi mantida pela empresa, mas ela decidiu não aceitar mais a proposta. Sabia que a gravidez seria de risco e que dedicaria mais tempo a cuidados médicos.
Mesmo sob a tensão da mãe, que precisou de medicamentos para prevenir um novo quadro de pré-eclâmpsia, Lina cresceu saudável no ventre e antecipou a chegada em apenas uma semana da data prevista. Com os cabelos ruivos, como a personagem de um jogo que o pai da menina gostava e inspirou seu nome, ela chegou renovando a alegria outrora perdida e transformando o luto em festa. “Ela veio muito linda, cheia de saúde. Foi o dia mais incrível da minha vida”, relembra Gisele.
A amamentação foi um desafio. O leite empedrava, os seios formavam caroços. A mãe buscou a ajuda de uma enfermeira para poder auxiliar na amamentação da filha. Aos poucos, os caroços foram se desfazendo, mas um ficou. Gisele chegou a procurar um médico, mas foi informada de que deveria ser algo relacionado ao aleitamento. Aquele detalhe não iria tirar a paz da mãe que estava vivendo um momento tão esperado.
Não demorou muito até que um novo caroço aparecesse na axila de Gisele. A íngua debaixo do braço incomodava e ela decidiu procurar um médico novamente. Depois de um ultrassom e uma biópsia, a confirmação. Era câncer. Um tipo agressivo, triplo-negativo, em estado avançado e com metástase, uma vez que havia atingido o linfonodo.
“Não posso morrer agora, minha filha precisa de mim. Eu quero vê-la conquistando as coisas dela”, era tudo o que Gisele pensava. Foram meses de quimioterapia até que ela pôde fazer a cirurgia de retirada do tumor, no fim de 2024. Agora, em uma nova fase da quimio, Gisele segue tirando forças da maternidade para enfrentar as lutas mais difíceis na batalha contra o câncer.

“Você não se reconhece mais no espelho, porque você perde o cabelo, o cílio, a sobrancelha, toma um monte de medicação que te incha, é muito difícil você se reencontrar ali naquela pessoa. E muitas vezes você não consegue levantar da cama. E quando você tá vivendo isso, pensa assim, ‘meu Deus, não vai passar isso nunca’. Mas passa. Hoje eu valorizo muito mais os momentos. Cada momento com a minha filha é muito precioso. Com o meu marido, com a minha mãe, com os meus amigos. Eu valorizo cada momento porque eu sei da finitude da vida. Se não fosse a Lina, talvez, eu acho que eu não estaria com essa cabeça que eu tenho hoje. Hoje que eu sou mãe, que eu tenho essa responsabilidade com a Lina, e ver a evolução dela, quando ela chega e fala ‘mamãe, te amo’, eu quero congelar o meu momento, o meu mundo, naquilo, sabe? Se eu pudesse encapsular esse momento, para eu reviver ele várias e várias vezes, era isso que eu queria”, diz.

Gisele comemora o Dia das Mães desde a primeira gestação, mas hoje, para ela, a data tem um simbolismo ainda maior. O desejo de viver novamente essa comemoração, vendo a filha crescendo feliz, é o que a impulsiona. “Eu quero ver ela se formando. Esse é o meu maior sonho. Estar com ela no dia da formatura, entender que ela é uma adulta, que ela tem os valores de princípios dela e que eu pude contribuir para ela ser um ser humano bom. Eu quero viver, porque eu sei que ela vai precisar de mim”.