James Cameron: ‘Eu uso a ficção científica para falar dos humanos’


Por Agência Estado

James Cameron vinha de um pequeno sucesso chamado Titanic – bilheteria mundial de US$ 1,8 bilhão (ou R$ 9,2 bilhões), 11 Oscars – quando lançou Avatar, em 2009. Mesmo assim, muita gente não botava fé no projeto que usava a captura de movimentos e outras tecnologias para contar a história do povo nativo de um planeta ameaçado.

Mas Cameron se tornou rei do mundo novamente ao ver seu ambicioso Avatar arrecadar mais de US$ 2,8 bilhões (cerca de R$ 14,4 bilhões hoje). Desde aquela época, o cineasta está preparando quatro continuações, com a primeira, Avatar: O Caminho da Água, prevista para estrear em 15 de dezembro. Para refrescar a memória do público, o Avatar original chega hoje aos cinemas brasileiros, em versão remasterizada 4K HDR. Da Nova Zelândia, onde trabalha na pós-produção de O Caminho da Água, Cameron, de 68 anos, participou de uma mesa-redonda por videoconferência, com a participação do Estadão. A seguir, trechos da conversa:

O panorama do mercado mudou desde 2009. Hoje, é dominado por filmes de super-heróis. Como vê o relançamento de Avatar e a estreia da sequência nesse cenário?

Você não acha que vai ser um sopro de ar fresco ter um blockbuster com todos esses valores de produção, 3D, etc., que não é um filme de super-herói? Eu gosto de produções de super-heróis, mas é como bolo de aniversário: eu amo, mas não quero comer em todas as refeições. Avatar é um tipo diferente de filme, não há nada parecido. É muito difícil apresentar uma nova propriedade intelectual hoje em dia, mas Avatar já está estabelecido. Ao mesmo tempo, parece novidade, porque não vimos outros na última década.

E quanto você mudou nesses quase 13 anos desde o lançamento do original?

Eu criei meus filhos, que já saíram todos de casa. Só um deles ainda mora comigo. Eu fui testemunha de sua angústia adolescente, e isso me influenciou muito nos novos filmes, tanto em O Caminho da Água como nas próximas sequências. Vemos Jake (personagem de Sam Worthington) meio que entregando a história para a nova geração. Há um paralelo interessante com a nova geração de fãs de cinema que talvez não conheçam Avatar, ou que não o tenham visto nos cinemas. Por isso, achamos importante trazer de volta o original, para que as pessoas entendam como é essa experiência.

A ida ao cinema foi extremamente prejudicada pela pandemia, com raros sucessos desde então. Preocupa-se com isso?

Eu acho que Avatar e Avatar: O Caminho da Água podem ajudar, porque são filmes que praticamente exigem ser vistos no cinema. São experiências. Quando as pessoas assistiram a Avatar, seus queixos caíram. Elas nem conseguiam explicar a experiência, era preciso assistir. E voltavam várias vezes. Estou com os dedos cruzados para que esse efeito se repita. Porque o relançamento tem imagens e som mais claros e os cinemas estão bem melhores. Mesmo quem o viu em 2009 vai assistir a algo melhorado. E para os mais jovens, que só viram no Blu-Ray ou no streaming, vai ser como passar do preto e branco para as cores.

Por que acha que o filme fez tanto sucesso?

Acredito que pela apreciação da beleza. Era uma sensação que as pessoas não conseguiam descrever, quase funcionava em um nível subconsciente, como sonhar acordado, quando você se sente em um mundo do qual não quer partir. É parecido com a sensação de ser criança, com o mundo ser grande, aberto, bonito. As crianças se relacionam com a natureza. E as pessoas gostaram de sair do trabalho ou da faculdade e ir viver nesse mundo. Eu uso ficção científica e fantasia para falar da experiência humana. Avatar não trata de pessoas azuis em outro planeta, mas de nós mesmos.

O filme fala de assuntos como a luta dos povos originários e a importância da natureza. Algo mudou desde então?

O filme era minha resposta a muitos desses assuntos. Obviamente, a luta dos povos originários não melhorou nada, ao contrário. Em 2010, logo depois do lançamento, eu fui pela primeira vez à Amazônia brasileira me encontrar com lideranças indígenas e ver se eu podia ajudar em algo, porque seus territórios estavam sendo destruídos pela usina de Belo Monte. Desde então, fiz várias viagens. Eu acho que hoje estamos mais conscientes dessas questões globalmente. Mas elas já existiam.

O filme também trata dos males da colonização.

Sim, é uma história de invasão. Os navi chamam os humanos de alienígenas, pois é uma história de invasão alienígena, só que não estamos sendo invadidos aqui na Terra por lagartos gigantes. Somos nós os invasores alienígenas. E vemos a história sob o ponto de vista dos invadidos, dos povos indígenas. Estava tentando fazer as pessoas acordarem para a luta dos povos originários da Índia, da África, do Brasil, da Austrália. Eu acredito que muita gente tem mais consciência disso hoje, então espero que a ressonância seja maior.

Não teria sido melhor lançar O Caminho da Água logo depois do primeiro Avatar?

Acho que muitas vezes uma sequência parece algo feito só para ganhar dinheiro. O espectador sente isso. Mas provavelmente teria sido melhor lançar um pouco antes do que estamos estreando. Só que eu estava vivendo minha vida. Estava explorando o oceano, criando meus filhos. E acabou levando 13 anos. A vantagem é que vai parecer original. O lançamento do trailer me deixou seguro de que as pessoas ainda se lembram de Avatar e estão curiosas, porque ele teve 148 milhões de visualizações. E o teaser deixou claro que não vai ser o Avatar dos seus pais, mas algo completamente diferente.

Foi um desafio tentar manter o nível de Avatar em O Caminho da Água?

Sim, o primeiro estabeleceu um padrão muito alto, e a expectativa é grande para as produções subsequentes. Foi um desafio para a gente, ao criar nossas sequências, de fazer jus a essa espera. Há cerca de mil pessoas trabalhando neste momento em O Caminho da Água, e muitas delas são bastante jovens. Pedi muito que voltassem ao original, que observassem os detalhes, mesmo que muita coisa ali tenha sido feita à mão. Agora temos mais ferramentas para facilitar nossas ambições. Visualmente, acredito que cumprimos a promessa. Em relação à história, é outro papo. Será que as pessoas vão estar interessadas? Espero que sim. Posso dizer com segurança que será surpreendente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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