Laura Cardoso: ‘Novela é uma grande ilusão, por isso que não vai acabar’
O propósito da entrevista do Estadão com a atriz Laura Cardoso era falar sobre sua personagem na telenovela Mulheres de Areia, de 1993, que voltou ao ar ontem, em edição especial na TV Globo.
No entanto, Dona Laura, como costuma ser chamada por seus colegas de profissão, é muitas personagens. Mais que isso: é a própria história da telenovela brasileira. Aos 95 anos, com inacreditáveis oito décadas de carreira, a atriz tem no currículo mais de 60 folhetins – só na TV.
Ao lado de outros pioneiros, entre os quais vale citar Lima Duarte, Yara Lins, Lolita Rodrigues, Márcia Real, Fernando Baleroni (com quem Laura foi casada) e Vida Alves, todos oriundos do rádio e do teatro, ela ajudou a dar forma ao que se tornou, ao longo do tempo, um dos principais produtos culturais de massa do País – e artigo de exportação.
Por isso, a conversa com Laura passou pelo rádio – veículo ao qual ela se referiu em vários momentos da entrevista – e por sua paixão pela profissão que escolheu ainda adolescente, aos 15 anos.
“Gosto de estar com a minha gente”, avisa, com os olhos brilhantes de uma iniciante, ao se referir aos colegas atores, técnicos, diretores e autores ao lado dos quais passou a maior parte de sua vida, em estúdios de rádio e de TV, nos palcos de teatros e nos sets de cinema.
Longe da televisão desde sua participação na novela A Dona do Pedaço (2019), Laura se divide entre o apartamento em que mora no bairro de Perdizes, pertinho do antigo prédio da TV Tupi, emissora que ela guarda nas memória com imenso carinho, e um sítio em Itu, no interior de São Paulo.
Diz mais: está pronta para uma possível próxima personagem – e continua contratada pela Globo. Enquanto isso, lê, uma de suas ocupações preferidas. “Ator tem que se saber ler! E tem muitos que não sabem!”, reclama.
Laura se espanta ao saber que o remake de Mulheres de Areia foi ao ar há 30 anos. “Tudo isso?”, pergunta. Escrita por Ivani Ribeiro, a novela foi produzida originalmente pela TV Tupi em 1973, com Eva Wilma no papel das gêmeas Ruth e Raquel. Na Globo, as gêmeas, uma boa e outra má, foram vividas por Glória Pires. Laura era Isaura, mulher do pescador Floriano (Sebastião Vasconcelos), mãe de Ruth e Raquel. Tinha preferência pela segunda, a de caráter duvidoso.
HOLOFOTES
Laura conheceu Ivani Ribeiro nos tempos da Tupi. Da autora, também participou do remake de A Viagem, no papel de Guiomar, a sogra de Raul (Miguel Falabella), atormentada pelo espírito de Alexandre (Guilherme Fontes), um de seus papéis marcantes.
A atriz diz que nunca procurou os autores que lhe deram personagens – e foram muitos, como Gilberto Braga, Manoel Carlos, Gloria Perez e Geraldo Vietri – para pedir algo ou reclamar de cenas destinadas a ela. Dentre todos que trabalhou, tem apreço especial por um: Walther Negrão. “Ele sempre me deu bons papéis.”
Um desses foi a personagem Dona Sinhá, De Negrão, em Sol Nascente (2016), uma trambiqueira que se disfarçava de vovozinha para aplicar golpes. Fez também Pão, Pão, Beijo, Beijo (1983). Nesta, vivia a Donana, uma matriarca nordestina, com um sotaque perfeito, longe de qualquer estereótipo.
Laura diz que gosta de assistir às reprises das novelas de que participou. Segundo ela, para ver onde acertou e em qual cena poderia ter ido melhor. Também fica de olho nas novas gerações.
“Às vezes, tenho medo. Será que elas vêm para melhorar, estragar ou fazer algo diferente? Representar não é decorar e dizer o texto. É preciso estudar. Fazer um estudo sobre uma pessoa. Um personagem é uma pessoa! Por isso, é importante ler. E tem ator que não sabe ler!”, reclama, entre risos.
Para novelas estrangeiras, a atriz torce um pouco o nariz – ela gosta mesmo é do produto nacional, que ajudou a criar. Sabe que o gênero ainda vai continuar em alta entre o público, mesmo em meio a tantos novos produtos audiovisuais. “A novela é uma grande ilusão. Por isso, não acaba.”
VAIDOSA
Laura confessa não ter sido uma ou outra atriz específica a sua inspiração para escolher a profissão. O que ela queria, a partir do que ouvia no rádio, assistia nos palcos de teatro e nas telas de cinema, era representar. “Sou vaidosa, embora não pareça”, diz.
Aprendeu tudo na prática, pela observação. Depois, por ser uma das pioneiras da turma que fez a transição das novelas de rádio para a televisão, tornou-se uma referência. “Sim, fizemos essa escola sobre como fazer televisão. Aprendemos com nós mesmos. A gente errou muito, mas acertou muito também.”
Filha de portugueses, Laura não enfrentou resistência do pai, um comerciante apaixonado por teatro e pelas artes, quando anunciou que gostaria de ser atriz. Já a mãe não gostou da ideia. As atrizes, naquela época, anos 1940, não tinham boa fama. “Quem fazia teatro era p… Então, eu era p… Sou p… até hoje, porque eu defendo a profissão”, compara, entre gargalhadas.
Para o suposto glamour da profissão, nunca ligou. Diz que ele não existe. Jamais se rendeu a tratamentos estéticos mais invasivos, embora alguns médicos lhe tenham oferecido cirurgias plásticas. “Essa é a minha cara. Feia ou bonita, é minha”, diz.
Na Globo desde o início dos anos 1980 – quando estreou na novela Brilhante, de Gilberto Braga -, Laura, que completará 96 anos em setembro, não pensa em parar. Se aparecer uma nova personagem, está pronta. “Gosto de estar com a minha gente. Em um estúdio, nada me cansa. Quero morrer trabalhando”, diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.