Quando a primeira nota do órgão da Catedral de Notre-Dame ecoar novamente pelos arcos góticos de Paris neste fim de semana, Luciana Lemes vai ouvir satisfeita. A jovem de 29 anos nascida em Lorena, no Vale do Paraíba, é uma das responsáveis pela restauração e afinação do instrumento construído por Aristide Cavaillé-Coll (1811-1899) em 1868.
A história de Luciana com os órgãos de tubos começou ainda na infância, quando participava do coro da Catedral da sua cidade natal. Foi ali que ouviu pela primeira vez a história do órgão da igreja, um órgão pequeno, construído pela mesma pessoa que tinha feito o de Notre-Dame.
Ela conta que um novo organista tinha começado a usar o instrumento e iniciado uma movimentação para que o instrumento fosse restaurado. “Tudo aquilo era muito diferente, ninguém sabia direito do que se tratava, mas todos tentavam conscientizar da importância de restaurar aquele instrumento”, lembra ela. Como o instrumento tinha ido parar na cidade, ninguém sabia bem.
O despertar da vocação
O projeto de restauro foi engavetado depois da morte do organista. Inconformada, Luciana começou a estudar o assunto, procurar pessoas, livros e documentos que pudessem ajudá-la a entender tudo. “Como podia um patrimônio assim jogado às traças?”, se questionava.
Foi estudar música e, na universidade, aos 19 anos, decidiu que o Cavaillé-Coll de Lorena seria o tema de seu trabalho de conclusão de curso. “Procurando pessoas ao redor do mundo que pudessem me ajudar, encontrei a organista Shelly Moorman, professora de uma universidade na Pensilvânia, nos EUA”, contou ao Estadão.
Aprendizado internacional
Shelly Moorman não só deu informações para a jovem Luciana, como a convidou para um estágio em uma fábrica especializada no restauro de órgãos. “Ali eu pude entender que poderia adquirir conhecimento necessário para poder ajudar o Brasil”, diz.
Depois do estágio, ela seguiu para a Virgínia, também nos EUA, onde concluiu a sua formação como tubeira, a pessoa que constrói e restaura os tubos dos órgãos, e harmonista, responsável pela afinação do instrumento. “Finalmente, tinha um currículo interessante para tentar ir à França”, conta.
O projeto Notre-Dame
No final de 2020, mandou currículo para três empresas. Em 2021, ela foi contratada pela Quoirin, empresa especializada em órgãos, como tubeira e aprendiz de harmonista. “Só não sabia que a empresa seria a responsável pela restauração do grande órgão da Notre-Dame”, lembra feliz.
O instrumento, que sobreviveu ao incêndio de 2019, precisava de reparos complexos para voltar a soar. Luciana participou de etapas decisivas do trabalho, como a retirada dos tubos danificados, a fabricação de novos componentes e a reintegração das peças restauradas ao instrumento principal.
Trabalhou também na afinação do instrumento. Foram semanas de afinação, um trabalho que envolveu duas equipes – dois organeiros afinando durante o dia e outros dois à noite. “Foi uma sensação surreal estar lá, compartilhando o dia a dia com outros operários, pintores, restauradores, carpinteiros, cordistas, etc”, conta.
Além de Lorena, as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belém, Curitiba, Campinas, Jundiaí e Itu receberam órgãos Cavaillé-Colls no Brasil. Luciana diz que agora está pronta para retornar ao País e ajudar a restaurar os Cavaillé-Colls que restam.