Poucos escapam daquela dúvida existencial “quando foi que eu me tornei isso”, mas a forma como são encarados os dilemas varia bastante. E, em Shirley Valentine, espetáculo que estreia nesta sexta-feira, 20, no Teatro Vivo, Susana Vieira divide com a plateia suas angústias e dilemas de maneira leve e bem-humorada.
A atriz dá vida a uma mulher casada, mãe de dois filhos e que sente um vazio. Mesmo que viva acompanhada, a solidão existe. E o monólogo convida o público a refletir sobre isso. “A solidão é tratada na peça como uma coisa geral, não é algo somente sobre a solidão da mulher, ou maltrato da mulher, ou o casamento que não deu certo porque o homem que é o vilão”, diz a atriz.
O espetáculo foi escrito pelo britânico Willy Russell e tem direção de Tadeu Aguiar e versão brasileira de Miguel Falabella, com quem Susana tem parceria há mais de 30 anos. “Talvez para mim tenha sido maravilhoso viver esse momento de solidão com a peça do Miguel, porque eu estou acompanhada por 400, 500, 600, mil pessoas que estão respirando o texto”, pondera Susana que, mesmo aos 80 anos e com uma carreira consolidada, ainda se diz insegura na hora de subir ao palco.
“Eu não gosto de me apresentar sozinha. Primeiro porque, como qualquer ator que chega aos 60 anos de carreira, eu sou insegura. Tenho medo de não encher o teatro. Então eu tinha medo de fazer o monólogo e não ter público”, revela. “Mas eu ajo com intenção de sobrevivência naquele palco, porque ali é tudo. É minha vida, minha carreira, meu trabalho, meu dinheiro que está entrando, a continuidade da vida que eu consegui prolongar até os 80 anos. Não estou ali nem para brincar, nem para passar o tempo. Quando estou em cena, tenho de aproveitar até a última gota da garrafa de vinho que tenho para tomar.”
Carreira
No ano passado, em 23 de agosto, Susana Vieira completou 80 anos de vida e 60 de carreira. No período, tornou-se uma das principais atrizes brasileiras, mas essa experiência toda é relativa, segundo ela argumenta.
“Eu não tinha ideia de como era chegar aos 80. Chegar aos 80 significa ser exatamente igual aos 20 por dentro, com picuinhas, ciúmes, egoísmo. Você não entende nada, você não ficou sábio, você não sabe a verdade. Se o telefone não toca, você fica louca, fica esperando o homem ligar para você e atender. Você não aprendeu nada”, considera a artista.
Já em seu “ofício” – palavra que prefere usar quando o assunto é o seu trabalho como atriz -, Susana Vieira diz que melhorou, ainda que não saiba exatamente em quê. “O nervosismo e a insegurança são os mesmos, mas eu vejo umas reprises de novelas minhas no Canal Viva… Em Bambolê, de 1987, eu tinha 45 anos, e estava muito bem como atriz. Eu já dava as pausas, o olhar, o sentimento. Eu tenho uma mágica com a câmera de televisão, eu adoro. Eu sei tudo de luz, sei tudo de direção. Só não sou uma diretora, que é o que eu gostaria, porque há muito machismo ainda em relação a uma mulher no comando em qualquer situação.”
Mesmo com a popularização das séries, Susana segue sendo uma defensora ferrenha das novelas – e, de preferência, que elas sejam vistas pela televisão, diariamente, com hora marcada. Não por streaming. “Esse hábito eu não mudei”, garante.
Reprises
Apesar disso, ela vê com bons olhos a iniciativa de reprisar novelas na TV a cabo ou em plataformas pela internet. “Porque a pessoa escolheu assistir a uma novela de 30 anos atrás sem o menor preconceito, e a amar e a adorar. Você vê novelas do Lauro César Muniz, Janete Clair, e de autores que estão até hoje”, lembra. “O público brasileiro adora aquele elenco que foi formado em 1970. É Tony Ramos, Tarcísio e Glória Menezes, Renata Sorrah, Beth Faria… É muita gente que fez a TV Globo.”
Sobre essa geração de estrelas, a atriz considera um equívoco encerrar contratos de décadas que a empresa detinha com alguns artistas – o dela sempre teve duração de cinco anos. “Eu acredito que tenha sido mais uma questão econômica do que artística”, avalia Susana Vieira.
“Nós tivemos uma pessoa muito importante na nossa casa, que era o Boni. Esse homem foi um grande diretor de televisão, esse homem fez o que fez com todos nós. Ele acertava nos elencos, nas escalações, nas novelas. Ele contratava maestros, ele não fazia isso de ‘coloca um disquinho aí’. Ele preparava um produto brasileiro e rico de histórias”, observa, citando José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. “Acho que não deram muito valor ao que eles mesmo fizeram. Eles se desfizeram da riqueza deles antes do tempo.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.