Paulo Wanderley Teixeira seria o sucessor natural de Carlos Arthur Nuzman na presidência do Comitê Olímpico do Brasil (COB), mas acabou chegando ao mais alto posto do esporte olímpico brasileiro em meio a uma crise. Em 2017, assumiu o cargo após a prisão e renúncia do antecessor – acusado de suposto esquema de compra de votos para o Rio sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Com a imagem arranhada, o COB viu os repasses do Comitê Olímpico Internacional (COI) serem suspensos e teve toda sua área de governança colocada em xeque.
Cinco anos depois, com um novo estatuto e com mudanças administrativas, o comitê parece ter reencontrado seu caminho. Mas nem por isso ele se vê imune a críticas. A maior polêmica aconteceu em março, quando Paulo Wanderley decidiu demitir seu então diretor de Alto Rendimento, Jorge Bichara, que tinha muita aceitação junto aos atletas – e isso menos de um ano após o Time Brasil conseguir uma elogiada campanha nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
“Nada a ver com a pessoa, não tenho nada contra a pessoa ou contra o profissional. Ele é um ótimo profissional. Mas nós tínhamos o entendimento de que precisávamos fazer alguns ajustes na área esportiva, e na época ele não havia entendido que seria necessário”, explicou o presidente do COB. “Eu não me arrependo nem um pouco de ter feito essa mudança.”
Paulo Wanderley conversou com o Estadão diretamente de Assunção, no Paraguai, onde acompanha os Jogos Sul-Americanos com um time de mais de 400 atletas, entre eles alguns campeões olímpicos. Ele falou dos cinco anos à frente do COB, da relação com as confederações, de política nacional brasileira, de patrocínios e dos repasses financeiros para as confederações e atletas.
O senhor chegou à presidência do COB há cinco anos, em um momento muito turbulento. Havia uma crise política, o próprio COI havia interrompido repasses, foi preciso mudar o estatuto e até a estrutura de governança. Como foi assumir naquele momento?
Eu tenho uma característica: quando assumo uma entidade, as que assumi anteriormente, invariavelmente todas elas estão passando por algum tipo de turbulência – seja administrativa, seja econômica. Eu já estou calejado com essa situação. Passados esses cinco anos, podemos dizer que estamos em uma situação estabilizada, em ascensão, progredindo. Todos os índices nossos são positivos até aqui e espero que continuem.
O senhor sentia um apoio unânime de suas confederações? Ou houve dificuldades para aprovar aquelas mudanças – independentemente do que, no final, apontaram os votos?
Vejo que houve um apoio, sim, naquele momento. Todos estavam irmanados e caminhando para o mesmo objetivo, que era uma estabilização e recuperação de imagem. Conquistamos isso com o apoio das confederações e, com o passar do tempo, com o aumento da participação dos atletas em decisões de assembleias e conselhos. Cada eleição é uma eleição, é como uma nuvem no céu: você olha e está de um jeito, daqui a pouco você olha e está passando de outra forma.
Quando completou um ano à frente do comitê, o senhor afirmou numa entrevista ao Estadão que “o COB gastava muito”. Passados mais quatro anos, o senhor avalia que o comitê agora gasta pouco, gasta o suficiente, ou ainda precisa cortar gastos?
O comitê otimiza seus gastos, seus investimentos. Tudo que o COB recebe é em prol do esporte. O dado matemático: dos recursos recebidos das várias fontes (como loterias e patrocinadores), 86% são investidos nas equipes, nos atletas, nas confederações, na preparação do nosso time, na capacitação de técnicos, atletas, gestores. Os 14% restantes é a máquina funcionando para termos essa condição que temos atualmente (em 2019, as loterias renderam ao COB R$ 286 milhões).
Antes era diferente essa proporção?
Era, era diferente.
O COB desistiu de mudar de sede?
Não, em absoluto. Nós estamos caminhando, e eu gostaria de caminhar a passos mais largos, mas não foi possível. Primeiro que a operação é muito grande, realmente, e depois que tivemos praticamente dois anos de uma certa inatividade em termos de obras – que foi imposto a nós e ao mundo inteiro. Isso atrasou realmente, mas estamos firmes no propósito de mudar a sede para dentro do nosso Centro Olímpico, juntando a parte administrativa com a esportiva. No momento nós mudamos da sede onde estávamos. Continuamos na Barra da Tijuca, mas mudamos da Avenida das Américas para a Abelardo Bueno. É um espaço menor, mas que atende a todos, porque o sistema hoje é híbrido – temos funcionários trabalhando em casa e presencial. O espaço é super adequado, uma instalação nova e muito mais próxima do nosso Centro Olímpico.
Em sua gestão foram criadas gerências e conselhos específicos nas áreas de compliance e prevenção de doping. Também foram implantados programas de prevenção e combate ao assédio e ao racismo. Sua gestão considerou que o COB era frágil nesses pontos?
Não o COB especificamente, mas o esporte em geral era. O esporte em geral tinha falhas nessa questão de gestão como um todo, de governança. Naturalmente, o comitê olímpico tem a missão de ser um norte, e começamos esse processo. Hoje posso dizer que houve uma melhoria bastante acentuada em termos de governança, com a criação e implantação de várias situações, como Conselho de Administração, Conselho de Ética, temos uma área específica para a mulher no esporte, a questão da prevenção ao doping, os cursos voltados à governança como um todo, a prevenção ao abuso. A questão é a do jogo limpo como um todo. Isso é uma plataforma que o COB está aplicando, desenvolvendo e que está em constante evolução. Acho que estamos muito melhores do que antes. Mas eu quero ressaltar que isso não é novidade não, isso é o que tem que ser. Quem não caminhar nesse sentido vai ficar para trás.
A ideia é levar algo semelhante a todas as confederações?
A gente já está com essa intenção, com uma aproximação com todas as confederações. Eu não acredito em mudança por decreto. A mudança tem que ser entendida como necessária. As confederações estão entendendo isso e temos essa parceria. Posso garantir que a maioria das nossas confederações já têm esse entendimento e estão implantando também. Nosso programa específico para essa área é o Gestão, Ética e Transparência (GET), e tempos um acompanhamento mês a mês da implantação do GET nas confederações.
Até que ponto o resultado nos Jogos Sul-Americanos podem servir como espelho ou indicativo para os Jogos Olímpicos de Paris-2024?
É um parâmetro. Os Jogos Sul-Americanos têm muitas modalidades que são classificatórias para os Jogos Pan-Americanos, e a meta é a gente obter todas essas classificações. Se a gente não conseguir, é sinal que tem que ter correção. Se classificarmos todos, é sinal que estamos no caminho certo. Nosso objetivo é superar todas as marcas anteriores e voltar ao topo na América do Sul. Não pode ser diferente.
O ciclo olímpico mais curto é uma vantagem ou uma desvantagem?
Vantagem não é, mas também não chega a ser desvantagem. Por exemplo, nós tivemos atleta que, pelo adiamento do ciclo (para Tóquio), conquistou sua medalha. Estava contundido, se recuperou e conquistou sua medalha. Há o fato de que o atleta, quanto mais tempo tiver, melhor será sua performance, mas para isso também existem os cientistas do esporte, os treinadores e toda a equipe multidisciplinar para ajustar seu tempo de preparação. Acho que vamos dar conta do recado.
A saída do Jorge Bichara do alto rendimento no início do ano foi vista com surpresa, e à época gerou muitas críticas. Por que o senhor optou pela mudança?
Nada a ver com a pessoa, não tenho nada contra a pessoa ou contra o profissional. Ele é um ótimo profissional. Mas nós tínhamos o entendimento de que precisávamos fazer alguns ajustes na área esportiva, e na época ele não havia entendido que seria necessário. Esperamos um tempo e verificamos que os ajustes eram necessários. Foi aí que vimos a necessidade de mudança, que está se mostrando muito boa. Os resultados estão indo muito bem. Eu não me arrependo nem um pouco de ter feito essa mudança.
Esses ajustes eram orçamentários?
Não, nós dividimos a área… A divisão de esportes abarcava muitas áreas necessárias para o esporte, e com a divisão nós conseguimos fazer com que houvesse um foco maior tanto na área do desenvolvimento – a base, a preparação dos futuros atletas para assumirem a função principal -, quanto nos atletas do time principal. Não dá para fazer de uma forma só, são áreas com especificidades diferentes e foi implantado dessa forma. (Hoje) Nós temos a área de desenvolvimento, em que o Kenji Saito é o diretor, e temos a área de alto rendimento, em que o Ney Wilson é o diretor. Ambos são profissionais com longa carreira dentro do esporte, e comprovadamente profissionais de sucesso.
O senhor considera que com Ney Wilson os resultados em Paris-2024 poderão ser ainda mais satisfatórios do que em Tóquio?
Nosso objetivo é sempre melhorar. Já disse uma vez: para trás, nem para pegar impulso. Sempre adiante, e eu confio neles.
Como está a questão dos patrocínios?
Foi outra divisão que nós fizemos. Nós tínhamos uma diretoria de Comunicação e Marketing, e eu trouxe para dentro do comitê duas feras nas suas respectivas áreas: o Paulo Conde, na comunicação, e o Gustavo Herbetta, no marketing. Estou bem preparado para enfrentar qualquer situação através deles, mas não tenha dúvidas de que estou de olho.
Mas as empresas estão abertas a patrocínios? A gente entende que em ano de Copa do Mundo os investimentos costumam ser direcionados ao futebol e fica tudo mais difícil…
Nós trabalhamos em silêncio. É minha forma de agir, eu gosto… Quando eu comunico, é porque já está feito. Posso dizer a você que estamos bem adiantados neste item, com a prospecção acelerada. As prospecções para nossos patrocinadores começam no final de setembro, outubro. No final de outubro nós temos que estar realmente sabendo quem vem pra ajudar o esporte olímpico. Podemos ter surpresas boas.
Nos Jogos Olímpicos de Tóquio houve uma questão bem delicada envolvendo um patrocinador. O COB é patrocinado pela Peak e quando a seleção brasileira de futebol foi campeã olímpica ela subiu ao pódio com o uniforme da Nike. Como foi resolvida essa questão?
Foi resolvida do jeito que eu gosto de resolver as coisas: conversando, dialogando. Tanto a empresa que havia se sentido prejudicada entendeu a situação, quanto também a modalidade que subiu (com o outro uniforme) entendeu. Eu acredito que não teremos mais esse problema.
E os repasses via Lei das Loterias, como estão? Há alguma boa perspectiva? Na pandemia houve até um incremento…
É, o pessoal não tinha o que fazer e apostava… (risos). Esses, na verdade, são nossos grandes apoiadores: são os investidores das loterias federais. Esses são nossos verdadeiros investidores, do esporte olímpico brasileiro. Tenho acompanhado, e está num patamar que pode evoluir em relação ao ano passado. Pode mudar, são números do meio do ano, mas no momento é curva de ascensão.
O senhor classifica a loteria como principal parceiro. Numa situação hipotética, o que aconteceria com o movimento olímpico no Brasil se acabassem esses repasses?
Vamos voltar às décadas de 1990, 1980. Seriam com missões mais específicas, ou Jogos Sul-Americanos, ou Pan-Americanos, ou Olimpíada, e não mais com essa variedade de atividades que temos hoje. Eu não conto com essa possibilidade de jeito nenhum. Eu só tenho Plano A, e quando o Plano A não dá certo, eu refaço o Plano A.
Como o senhor vê políticas públicas como o Bolsa Atleta e o Bolso Pódio? Qual a importância disso?
Não tenha dúvida que são de fundamental importância aos atletas. Não seria verdade se eu dissesse de outra forma. O atleta precisa ser bem assistido, e ele é bem assistido por esse programa do governo federal. Eu espero que ele continue. É uma segurança a mais para o atleta, mas ele não vive só disso. Ele também tem seus patrocínios privados, alguns têm patrocínio das Forças Armadas, tem patrocínio do Comitê Olímpico do Brasil, sim, porque o grande investimento é o que nós fazemos no dia a dia, tem os clubes que os apoiam… Mas, como eu sempre digo, no esporte de alto rendimento nunca é suficiente, porque você vai sempre que estar melhorando, há novos equipamentos, novas tecnologias, e isso custa. Para você fazer uma boa entrega, você precisa também de profissionais, recursos humanos, que também é caro.
Na entrevista coletiva logo após a sua eleição em 2020, o senhor criticou a interferência de atores políticos – da política tradicional, partidária – naquele eleição. Ao mesmo tempo, o senhor disse que “precisamos do Congresso, dos parlamentares”. Como tem que ser essa relação de política e movimento olímpico?
Não é uma situação de troca no mau sentido. Ela tem que ser no bom sentido. O que nós fazemos é um bom trabalho, e se eles querem ver um bom trabalho, eles que nos apoiem. Nós somos agradecidos aos parlamentares que apoiam o movimento olímpico. Nessa questão de participação governamental, o que eu tenho a dizer é o seguinte: nós somos uma instituição não-governamental, privada, sem fins econômicos, e seguimos a Carta Olímpica. Não é do nosso estatuto ou do nosso objetivo estar filiado a partido ou estar apoiando explicitamente esta ou aquela pessoa ou partido. Governo eleito, estaremos aqui para ser parceiros e colaboradores em prol do movimento esportivo. Queremos cumprir nossa missão juntos, nem acima, nem abaixo, mas do mesmo lado.
Como o resultado da eleição no fim do mês pode impactar o COB? Ou não impacta?
Sempre impacta, mas como eu disse, nós não nos envolvemos. Pode ter a certeza que, quem eleito for, vai ter a parceria e o comprometimento do Comitê Olímpico do Brasil.