Parreira recorda pressão antes da Copa de 94 e exalta elenco: ‘Não fomos campeões por acaso’


Por Agência Estado
image
Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Trinta anos depois, Carlos Alberto Parreira lembra como se fosse ontem dos obstáculos que precisou superar com a seleção brasileira para chegar ao tetracampeonato mundial, na Copa de 1994. Em uma rara entrevista, o ex-treinador, que trata um câncer no sistema linfático, afirmou que a trajetória do Brasil nas Eliminatórias de 93 foi mais difícil do que a própria campanha no Mundial disputado nos Estados Unidos.

“De tudo, a coisa mais tranquila foi a Copa porque o time ganhou uma autoridade tão grande que a gente não passou nenhum jogo sofrido, nem a final. A gente sempre teve um domínio e um controle dos jogos. O grupo era muito bom, muito consciente. A lembrança maior é o conjunto”, disse Parreira, em entrevista à ESPN para a série “O Tetra pelo Tetra”.

Com poucos cabelos e aparência frágil, o ex-técnico concedeu a entrevista ao ex-jogador Zinho, comentarista dos canais ESPN e titular da sua seleção em 94. No bate-papo leve e bem humorado, Parreira recordou as cobranças sofridas pelo grupo e disse que até hoje considera excessiva a pressão imposta ao time nacional.

“Era pressão demais nas Eliminatórias”, afirmou. “Tem um jogo que não vou esquecer jamais, foi contra o Equador, em São Paulo. Não era o jogo em si, mas o ambiente, a imprensa, todos os jornais, rádios e televisões. Era uma pressão que eu dizia: ‘Onde nós estamos? Por que isso, naquele tamanho e naquela proporção?’ Entramos em campo e jogamos com a cabeça no lugar… Foi um jogo difícil, o torcedor estava dividido”, recordou, ao citar aquela vitória por 2 a 0.

“Eu tentava entender (os motivos da pressão) e não conseguia. E não consigo até hoje. Aquele foi o melhor teste para a seleção, emocionalmente falando. Acho que o jogo no Morumbi a tensão foi muito maior do que no último jogo das Eliminatórias, contra o Uruguai, no Maracanã porque o Maracanã é a nossa casa.”

Para Parreira, a união do grupo evitou oscilações emocionais no elenco da seleção. “Nós, comissão técnica e jogadores, tivemos que ter força para enfrentar aquilo tudo porque chegou um momento que a gente não entendia. Criticar é uma coisa, destruir é outra, pô. Os caras não queriam criticar, queriam destruir. Se não estivéssemos unidos, não teríamos superado.”

Depois daquela partida, a seleção enfrentaria o Uruguai em jogo decisivo para selar a vaga na Copa. E, para tanto, teria um reforço de peso. Romário, que vinha sendo preterido nas Eliminatórias, apesar de viver sua melhor fase da carreira, voltou a ser convocado por Parreira.

Ele explica que decidiu sozinho pelo retorno do atacante, contando com o apoio irrestrito de Zagallo, então coordenador técnico da seleção. “Existia uma pressão muito grande e a gente nunca sucumbiu. Chegou naquele jogo (contra o Uruguai), a importância daquele jogo… Eu dormi pensando naquilo e acordei de manhã decidido: ‘vou trazer o Romário’. Falei para o Zagallo: ‘Estou trazendo o Romário’. E ele: ‘Parreira, traz mesmo!’ Pronto! Foi assim”, lembrou.

“Eu conversei com o Zagallo, não teve mais ninguém envolvido nesta história. Não foi sugestão ou opinião de ninguém. Porque o Romário era o homem, né? Por razões adversas, eu não sei por que ele acabou ficando fora das Eliminatórias. Nunca houve briga comigo, nunca houve nada. E agora era a hora de ele vir (para a seleção). E ele veio com o espírito, com uma vontade, com aquele poder de decisão que ele tinha.”

O técnico do tetra negou também que tivesse planejado colocar Romário no mesmo quarto que Dunga durante a Copa. “Isso não foi pensado, mas foi uma coincidência, uma coincidência boa, bem positiva”, afirmou, entre risos.

MUDANÇA NA ESCALAÇÃO

Parreira também lembrou das decisões difíceis que precisou tomar sobre a escalação do time ao longo da Copa. A maior mudança foi a troca de Raí, capitão do time e consagrado pelos títulos com o São Paulo, por Mazinho, no meio-campo. Ao lembrar do episódio, ele culpou a transferência de Raí, do São Paulo para o Paris Saint-Germain, pela queda de rendimento do meia durante a Copa.

“O Raí era o capitão do time, um profissional e um ser humano fantásticos. Nas Eliminatórias, nos ajudou muito. A ida dele para o PSG atrapalhou muito a carreira dele, pelos treinamentos, pela mudança de hábito… até ele se adaptar. Ele veio para a Copa fora de forma. O Raí era um cara de 85kg. Se não estivesse na ponta dos cascos… Ele tinha que estar muito bem fisicamente para aguentar o ritmo de um jogo.”

A troca ajudou a melhorar o rendimento do meio-campo ainda na fase de grupos do Mundial. “Não houve nenhum problema (na hora de fazer a troca). O Raí aceitou, o nosso ambiente era muito bom. Você não ganha apenas com um grande treinador, uma grande comissão técnica, grandes jogadores. O ambiente de trabalho é muito importante.”

Parreira também defendeu o estilo de jogo daquela seleção, criticada até hoje pelo futebol considerado burocrático e defensivo. “A seleção nunca foi defensiva, era organizada”, rebateu o agora ex-treinador. “Eu aprendi com os melhores. Eu estive na Copa de 70, fui preparador físico, acompanhei desde o início. E a seleção de 70 era organizada, ganhou porque tinha jogadores excepcionais, mas também porque se organizava sem a bola.” E fez questão de destacar a qualidade dos jogadores que tinha em mãos em 94. “Não fomos campeões do mundo por acaso.”

Parreira revelou no início deste ano que passa por um tratamento quimioterápico desde o ano passado, quando descobriu um câncer. Ele recebeu o diagnóstico de Linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer que acomete o sistema linfático. A doença é curável. Em janeiro, a família do técnico do tetra informara que ele apresentava “excelente resposta” ao tratamento.

Sair da versão mobile