A escalação está na ponta da língua. O time que tinha Taffarel no gol e produziu heróis como Dunga, Ricardo Rocha, Branco, Romário, Bebeto e Mazinho, entre outros, parou o Brasil após superar a Itália nos pênaltis na final da Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 1994. Passadas três décadas, alguns de seus herdeiros se aventuraram nos campos e escreveram diferentes enredos embalados pelo sonho de brilhar no futebol. O Estadão ouviu alguns desses personagens para celebrar os 30 anos do tetra e o legado que esse título deixou.
As histórias são diversas. Ricardo Rocha Filho, por exemplo, teve de abandonar a carreira aos 27 anos por causa de uma lesão no joelho e hoje se destaca no Recife como comentarista e comunicador multimídia. Dunga, o capitão do tetra, também deixou uma semente ligada ao futebol, mas em uma função diferente. Ao invés de atuar como atleta, Bruno Verri é preparador físico e trabalha no Botafogo de Ribeirão Preto. Herói da vitória sobre a Holanda nas quartas de final da Copa de 94, Branco completa a lista com seu representante. Stephanno, de 29 anos, tenta a sorte como volante do São Caetano e busca superar uma fase difícil na carreira.
DUNGA INSPIROU FILHO COM COBRANÇA DE PÊNALTI EM 94
Com cinco anos naquele 17 de julho, o filho Bruno tem uma cena guardada em sua memória. Encarregado da quarta cobrança na disputa de pênaltis, Dunga deslocou Pagliuca e mandou a bola no canto direito do goleiro italiano.
“Aquilo não sai da minha cabeça. A forma como ele extravasa na comemoração mostra o perfil do meu pai. Um jogador que se doava pelos companheiros e representava a força e a garra dos brasileiros. Levo isso para minha vida”, disse o hoje preparador físico do Botafogo de Ribeirão Preto.
Símbolo de liderança, Dunga foi um dos pilares não só da campanha do tetra, mas de toda a trajetória iniciada ainda nas Eliminatórias de 93. Crucificado pela queda no Mundial de 90, coube a ele erguer a taça do tetra. Essa resiliência é um traço herdado pelo filho.
Após uma breve tentativa nos juvenis do Grêmio, Bruno viu na preparação física uma chance de trabalhar com o futebol. “Meu pai sempre teve uma representatividade muito grande na minha vida. Com ele, aprendi a estar em evolução para conquistar novos objetivos. Desistir, jamais”.
Profissional dedicado, ele levou novamente o sobrenome da família à seleção nacional ao ser convocado em maio para comandar a preparação física do sub-15. Como o pai, ele ficou concentrado e trabalhou duro na Granja Comary, em Teresópolis, à serviço da CBF. “Meu pai sempre foi focado nessa parte e isso despertou minha escolha”, afirmou o preparador físico de 35 anos que teve uma importante conquista na semana passada: o nascimento da filha Valentina.
RICARDO ROCHA FILHO TROCOU A BOLA PELO MICROFONE
Ele tem um estilo despojado e mostra desenvoltura. Ao melhor estilo Tadeu Schmidt, jornalista e apresentador da TV Globo, Ricardinho Rocha, como também é chamado, aposta em um jeito descontraído para tornar o “assunto” futebol mais atraente.
Filho do xerife Ricardo Rocha, Ricardinho teve como inspiração justamente a Copa dos Estados Unidos para se aventurar nos campos. Com oito anos, ele viu o pai se tornar tetracampeão do mundo. “Queria seguir os seus passos”, comentou o jogador que, no entanto, foi vítima da falta de estrutura da maioria dos clubes no Brasil.
“Cheguei a ficar três meses sem receber. E sofria calado, sem falar com meu pai. Em alguns clubes onde joguei, até a alimentação era precária. E o futebol tem muita fofoca. Isso me fez repensar a carreira”, disse o ex-jogador, que defendeu o Náutico, o Rio Claro e o Juventude, entre outros times.
Mas o golpe que definiu o fim de sua trajetória veio justamente no aniversário de 27 anos. “Operei o joelho, achando que era um problema de menisco, mas o médico disse que eu perdi muita cartilagem. Não conseguia chegar ao ápice clínico e não queria colocar uma prótese”.
O fim do sonho nos campos, no entanto, abriu uma nova porta: a comunicação. Além do programa que vai ao ar nas manhãs de segunda à sexta, na Rádio Hits, do Recife, ele ainda inova com quadros onde, em parceria com o pai, fala sobre futebol. “Gosto de fazer uma coisa com responsabilidade, mas descontraída. Posso dizer que me encontrei nessa profissão”, disse o comentarista de 38 anos.
Na entrevista, o ex-zagueiro não fugiu da pergunta quando foi questionado sobre a comparação com o pai. “Fui mais técnico, mas meu pai tinha muita liderança e uma grande inteligência para diminuir os espaços. Na verdade, queria ter sido metade do que ele foi em campo”, finalizou.
FILHO DE BRANCO BUSCA RETOMADA APÓS LESÃO
Aos 29 anos, ele carrega as cicatrizes de uma lesão no tendão de Aquiles, que causou uma interrupção dolorosa em sua trajetória. Após uma recente passagem sem oportunidades na Ponte Preta, o jogador usa o histórico vitorioso do pai para buscar uma volta por cima no São Caetano.
“O futuro a Deus pertence. Tenho sonhos e estou vendo a minha evolução. Desejo disputar a Série A, estar em um clube de ponta e demonstrar o meu potencial. É dia após dia. Estou na fase de plantar para colher. Hoje um atleta de alto nível joga até os 35, 36 anos”, afirmou Stephanno em conversa com a reportagem do Estadão.
Graças às imagens da TV e aos programas especiais sobre a Copa do Mundo dos EUA, Stephanno, que nasceu em 1995, tem na memória a comemoração do pai no gol que decretou a vitória sobre a Holanda. “Ele esteve para ser cortado. Passou o torneio fazendo tratamento. No jogo (diante dos holandeses), cavou a falta e fez aquele golaço. A comemoração, o desabafo: aquilo diz muita coisa.”
A resiliência que Stephanno demonstra agora é fruto de tudo o que o pai passou para poder disputar o seu terceiro mundial (esteve em 86, no México, e em 90, na Itália) e terminar a competição como tetracampeão.
“Venho em uma fase de superação. Há um ano atrás, tive uma lesão grave em um amistoso contra a seleção sub-20 na Granja Comary. Por coincidência, meu pai estava vendo a partida e prestou todo apoio. Quando não via mais horizonte, ele me direcionou. Meu pai é meu ídolo”, afirmou Stephanno em tom orgulhoso.