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06 de outubro de 2024

‘A bunda e a banha’: Atriz maringaense faz espetáculos para normalizar a arte com o corpo gordo


Por Monique Manganaro Publicado 26/06/2022 às 16h14 Atualizado 21/10/2022 às 01h51
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“Meu nome é Aline Luppi Grossi, tenho 28 anos, sou performer e ganho a vida mostrando a bunda e a banha”, assim se apresenta a atriz maringaense que trabalha com o próprio corpo para levantar debates e reivindicar os direitos de sobrevivência inerentes a todos os indivíduos. 

Formada em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Aline buscou trabalhar em um espaço ainda pouco explorado ao entender que as referências de arte a partir de um corpo gordo não são comuns. Assim, em 2019, desenvolveu um dos principais projetos da carreira, o “Banquete de Obscenidades”. “Eu entendi que eu era gorda e que eu não identificava isso e não me reconhecia nas outras coisas porque eu não tinha referências. Eu entendi que não me agradava o lugar da gorda que faz comédia e é o desvio cômico”, pontua.  

Foto: Ana Sotoriva/Reprodução/Instagram

Em cima de um palco, nua, Aline instiga o público a questionar os próprios pensamentos e preconceitos. No projeto, que começou a ser desenvolvido em 2019, ela explorou as próprias raízes e trouxe a relação da família com a comida para tratar dos debates que gostaria. “Eu trabalho muito com duplo sentido e, nesse projeto em específico, eu fui pegando todos os estereótipos de feminino, de mulher, fui fazendo a junção desses signos e fui costurando junto com o desenvolvimento de uma receita. Ao mesmo tempo em que é um espetáculo que atrai homens justamente por explorar fetiches, ele devolve, na cara, toda essa relação de abuso, preconceito, machismo. É um espetáculo que escancara os dados de feminicídio no Brasil”, detalha. 

O trabalho, segundo ela, foi desenvolvido pura e simplesmente para normalizar o que ainda é muito estigmatizado: o corpo gordo ocupando espaços diferentes. “Meu intuito não é chocar as pessoas, é justamente o contrário. É fazer com que essa visão desses corpos se torne normal. Eu não faço para chocar as pessoas, eu faço para dizer que a gente existe e para exigir as mínimas necessidades possíveis para que a gente exista. Meu trabalho envolve muitas esferas. Ele está em galerias, em teatros, mas ele também chega na minha comunidade quando eu vejo que as minhas vizinhas, mulheres na faixa dos 50, 60 anos, passam a sair de barriga de fora, uma loja de roupas passa a fornecer roupas mais modernas maiores, e isso muito me interessa para além de chocar as pessoas”, explica. 

O que para muitos pode parecer um papel interpretado, a artista destaca que não é. A performance, a expressão de arte escolhida por Aline, tem nuances diferentes de uma atuação teatral, por exemplo. “No teatro, você está ali estudando para fazer um papel. É você fazendo outra pessoa, fazendo algo. A performance, de uma maneira bem simples, é você ali realizando uma ação. Na hora da ação final é geralmente o indivíduo que está fazendo aquilo, você não está ‘por trás’ da figura de um personagem”. 

E foi a partir deste viés que a artista conseguiu encontrar espaço para provocar questionamentos sobre temas que, na prática, ainda são tabus para a sociedade. “O meu trabalho, a minha dedicação é sempre para mim. Eu brinco que é um espaço de expurgo, porque é realmente colocar essas questões que me incomodam, dar voz, cor e cara para as questões que me incomodam. As questões, para mim, com o corpo gordo, são no sentido de que eu não entendia porque eu tinha que emagrecer, ninguém nunca me perguntou se eu queria. Eu sou uma pessoa apaixonada por curvas, volume, texturas, manchas… e sempre gostei muito do meu corpo nesse sentido. E eu não conseguia entender porque as pessoas não gostavam, porque ao mesmo tempo que as pessoas não gostam, tem-se esse pavor, ninguém quer ser um corpo gordo, [existe] a relação de um corpo que é sexualizado, objetificado. Então essa dualidade foi um dos pontos principais que sempre me pegaram para explorar esse espaço”, acrescenta. 

Apesar de estar lidando com um público diverso e ataques acontecerem, Aline diz que essa não é a reação mais comum. Segundo ela, quando começou a trabalhar nua em cena, o pensamento e a preocupação principal era com o assédio. No entanto, a artista percebeu que esse não era um comportamento comum porque as pessoas não veem o corpo dela, no palco, durante o espetáculo, como desejável. 

“Claro que estamos falando de sexualidade, sensualidade, mas as pessoas enxergam no meu trabalho outras esferas e elas, automaticamente, voltam para si. Então elas vão questionar os seus posicionamentos, as suas vivências. Muitas vezes elas não estão questionando nada, só estão de boca aberta, paradas, me olhando, mas vão processar isso depois. As pessoas não sabem como lidar, porque eu devolvo para a sociedade os questionamentos dela. Eu tenho a feliz compreensão de que eu não preciso me colocar num lugar de sofrimento, não preciso reafirmar a dor que eu sinto, para que as pessoas olhem para mim e vejam: ‘Nossa, como ela sofre’. As pessoas não sabem lidar com essa relação de quando você não está se colocando para baixo, quando você está com uma autoestima definida. Já tem todas as barreiras sociais que não permitem que essas pessoas se sintam seguras de manifestar qualquer ataque”, explica. 

Após uma boa recepção do público maringaense ao Banquete de Obscenidades, agora a artista vai se dedicar a um novo projeto, o “Me Chama de Gorda”. “Ele é composto por uma exposição solo da minha trajetória. Nós vamos ter palestras em escolas e oficinas para a comunidade, e um show com a Jup do Bairro para compor esse cenário”, diz. 

A iniciativa cultural, contemplada pelo Projeto Aniceto Matti em 2020, ficará em cartaz em Maringá entre 1º e 23 de julho. De acordo com Aline, é um evento que engloba diferentes ações culturais para continuar discutindo a gordofobia e os questionamentos em torno do corpo gordo. 

Para conhecer o projeto, visite o perfil no Instagram do “Me Chama de Gorda”. 

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