
A união das artes e da psicologia tem sido usada para ajudar sentimentos e pensamentos a ganhar forma, principalmente quando as palavras não são suficientes. A arteterapia é uma ferramenta para facilitar a comunicação quando o que se vive internamente é difícil de verbalizar.
Através da criação artística, emoções e experiências internas se tornam visíveis, inclusive problemas que estavam guardados por parecerem não ter solução. Traumas e dificuldades emocionais conscientes e inconscientes que afetam a saúde mental causando ansiedade, estresse, melancolia e bloqueios podem, muitas vezes, ser acessados e tratados de maneira mais eficaz e profunda por meio da criação de arte, seja em grupos de apoio ou em atendimentos individuais, permitindo que o paciente explore seus sentimentos e dificuldades de forma mais personalizada. O processo da Arteterapia reconhece que as percepções, os sentimentos e as intuições fundamentais do ser humano encontram sua expressão maior em imagens simbólicas e nas criações poéticas – e não é preciso ter habilidades artísticas para isso.

Nesse método terapêutico o objetivo não é a perfeição técnica, mas o processo criativo em si e o que ele revela sobre cada um. O arteterapeuta é quem guia esse processo, adaptando-o às preferências e necessidades do paciente. Paula Cardoso se especializou na área há 15 anos e trouxe a formação para Maringá. Mais recentemente, passou a oferecer cursos pela internet, com alunos em outras partes do Brasil. Para ela, a uma das vantagens do método é ajudar a identificar as verdadeiras causas do sofrimento emocional,.
“Às vezes a pessoa acha que o problema dela é X, mas no fundo o problema dela é Y, e é ali nas imagens, nas atividades que nós fazemos, que isso aparece para ela”, diz a psicóloga, que conta que, a partir de que a questão central é tratada, novas questões aparecem, porque o paciente começa a se abrir. “É um processo terapêutico, assim como é a psicologia, é como se fosse uma plantinha”. Os processos terapêuticos ajudam na construção da autoimagem e na melhora dos conflitos e a arteterapia é procurada, segundo a profissional, por pessoas de todas as idades que preferem um processo mais leve e criativo do que a terapia tradicional. Mas os resultados mais rápidos costumam vir para as crianças.
“A criança apresenta negatividade, não quer estudar, não tira boas notas, porque tem uma parte social que precisa ser trabalhada e a parte da comunicação também. Ela está expressando o sentimento dela com esses comportamentos ruins e aqui nas oficinas nós tratamos essas emoções e assim mudamos o comportamento. Nosso trabalho é curar as emoções”. Relatos dos pais demonstram melhora na empatia, paciência e ciúme entre irmãos, por exemplo, além de diminuição de timidez e no medo nas crianças vítimas de bullying”.
Como funciona a arteterapia
As linguagens artísticas utilizadas são muitas: desenho, pintura, música, dança, teatro… A prática da arteterapia tem sido utilizada como uma ferramenta complementar no cuidado em saúde mental também no serviço público de saúde.
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Maringá oferece atendimentos do tipo, tanto individuais quanto em grupo, conduzidos por profissionais especializados, que ajudam a reduzir o estresse e a ansiedade, a aumentar a percepção que o paciente tem de si mesmo e a ter mais confiança em suas habilidades e a explorar novas formas de pensar e agir, melhorando também a comunicação e a expressão, especialmente para aqueles que têm dificuldade em verbalizar suas experiências. Araceles Frasson, diretora do CAPS III, que oferece atendimento a pessoas com intenso sofrimento psíquico, explica que o conceito de arteterapia é mais atual embora a atividade terapêutica por meio da arte seja milenar. “Ela vem muito paralelo à atuação profissional com o lúdico na psicanálise, na abordagem com crianças, mas observou-se que ela também trazia benefícios para o adulto, porque põe o adulto em contato com seus processos mais profundos de forma projetiva. Nem sempre o sujeito é capaz de falar com palavras, mas a possibilidade de comunicação pela veia artística é muito válida. Dentro da área da psicopatologia, quando começaram a perceber a necessidade de atuar com os pacientes de uma forma mais humanizada, que não entendessem a loucura como algo demoníaco ou como uma falta de disciplina e que sim como um transtorno de saúde mental, os desenhos, a pintura, a argila foram técnicas já empregadas, inclusive dentro de asilos psiquiátricos”, detalha, citando a psiquiatra Nise da Silveira e o Museu do Inconsciente, no Rio de Janeiro.
No CAPS III existem 54 grupos terapêuticos e 12 deles trabalham com formas de arte. Há inclusive a venda de alguns produtos de artesanato feitos ali em feirinhas promovidas pela Universidade Estadual de Maringá. “São atividades que visam o que a gente chama de contratualidade de território, para fortalecer o protagonismo, para redução de danos, para favorecer o empoderamento, a inserção, a aceitação. Então, a gente leva os pacientes para apresentar a dança, apresentar a música, nós temos uma banda. E, dentro dos artesanatos, eles estão produzindo e vendendo esses materiais, o dinheiro é deles. Eles que produzem, a gente só trabalha oferecendo suporte, ferramentas para que eles possam se desenvolver. Tudo que é do histórico deles, eles vão projetando nesses desenhos, eles vão trabalhando, a gente vai tendo acesso a isso. Eles usam muito da criatividade própria, a gente não interfere tentando melhorar, tentando dar um contorno mais supostamente bonito de acordo com aquilo que a gente entende como mais adequado. A produção dele é livre, então é da forma como ele faz, dentro da possibilidade que ele traz”, explica a diretora do CAPS, que frisa que grupos terapêuticos que usam dessa abordagem estão sendo organizados também nas Unidades Básicas de Saúde de Maringá.
“A arte comunica. Se tiver alguém que consegue acolher essa fala, que consegue interpretar o sofrimento que o sujeito traz ali, ou o conflito que ele está expressando, ou até a alegria, os afetos que eles estão trazendo ali, é uma forma de fazê-los também terem consciência desses próprios afetos. E com isso, eles poderem também serem atuantes na escolha das coisas que eles querem, que eles desejam. São pessoas que a sociedade não escuta, não consegue ver para além do estereótipo da saúde mental. E são pessoas com potencial, são pessoas que são afetuosas, que não são só o transtorno. Elas têm muito a oferecer, muito a contribuir, partilhar com os demais”, diz Araceles.
A psicóloga Luani Akemi, que atende no CAPS, ressalta ainda que a arteterapia pode ser utilizada também como uma forma de prevenção do cuidado mental e ao agravo de doenças. “Ela é uma forma de expressão artística do viver, da vida. Por meio da arte é possível simbolizar, expressar sentimentos, é possível expressar o que eu estou sendo nesse momento da minha vida. Porque a gente não é algo fixo, a gente não é, a gente está sempre nesse espaço de transformação”, explica.
“A arteterapia pode proporcionar um cuidado do humor, desde tristeza até situações de estresse. Pode proporcionar interações sociais por meio de vínculos e do pertencimento a um grupo. Pode auxiliar no controle da ansiedade, pode ajudar no desenvolvimento de processos criativos, pode auxiliar em crises emergenciais de saúde. Tem uma usuária do serviço que participa de uma oficina de crochê e ela utilizou o crochê como recurso para situações de crise. Ela leva o crochê na bolsa dela e carrega pra qualquer lugar que vai, porque ela sabe que quando começa com algum sintoma de crise, de ansiedade, de situações de pânico, ela faz o crochê”, exemplifica a psicóloga.