Aulas no hospital: mais de 170 estudantes internados estudaram no HU de Maringá em 2025

Enquanto se recupera de uma alergia, Ana Laura Zanardi Castilho, de 11 anos, faz os exercícios das aulas de português sobre a cama do Hospital Universitário de Maringá. A menina deu entrada no último sábado, 28, depois de ser furada, por acidente, durante uma brincadeira, por uma seringa que um amigo da escola achou na rua.
Após fazer alguns exames e tomar vacinas, os médicos decidiram deixar a paciente em observação e ela acabou tendo uma reação alérgica a um medicamento. O acompanhamento da evolução do quadro se estendeu pela semana, e para não perder aulas, ela foi convidada a continuar estudando durante a internação. “É legal, interessante, divertido e diferente, porque aqui eu tenho um professor só para mim”, diz Ana, que também teve aulas de matemática, geografia e história.

As aulas são oferecidas pelo Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (Sareh), coordenado pela Secretaria de Estado da Educação (Seed), para garantir o direito constitucional à educação das crianças e adolescentes. Nos primeiros seis meses de 2025, 176 alunos internados no Hospital Universitário de Maringá foram atendidos. Em todo o Estado, os atendimentos são sempre feitos por uma equipe composta por pedagogo e professores. Além de pacientes esporádicos, o atendimento também é oferecido àqueles que fazem tratamentos contínuos.
O atendimento do Sareh acontece por meio de um termo de parceria assinado entre a Seed e a instituição que atende o estudante durante o tratamento de saúde. Em Maringá e região, apenas o HU oferece o serviço. Mais do que apenas o aprendizado, as aulas, que são adaptadas caso a caso, são uma distração para as crianças e adolescentes, de 4 a 18 anos, que passam pela internação, respeitando o momento de cada paciente física e emocionalmente.
A professora Janaína Freitas faz parte da equipe que atende os alunos no hospital há quase 10 anos e diz que o atendimento ali é bem diferente do dia a dia escolar. “Na escola a gente tem um componente curricular. Quem trabalha matemática fica só com a matemática, quem trabalha ciências fica só com ciências. O atendimento no hospital é por área do conhecimento. No caso, eu trabalho na área de exatas. Atendo as disciplinas de ciências, matemática, química e física. O professor, para estar nesse atendimento, precisa ter um certo domínio para transitar entre essas diferentes disciplinas e conseguir atender o aluno fazendo muitas adaptações. Porque o aluno está numa condição de doença, uma condição que muitas vezes impede ele de escrever, de se locomover. Então ele precisa estar fazendo essas adaptações, tanto na execução da atividade como na própria atividade. Porque vai ter que priorizar o essencial do essencial naqueles espaços da rotina do hospital”, explica.

Entre os alunos recorrentes, que têm doenças crônicas e passam longos períodos internados, alguns acabam passando boa parte do ano letivo ali. O atendimento é no leito hospitalar. Não existe uma sala de aula para isso. Mesmo com todos os desafios, a professora diz que a missão é gratificante. “É um atendimento bem próximo, como um professor particular. Eu me lembro de uma aluna que era da cidade Cianorte e ela não sabia a tabuada e reclamava dizendo ‘eu não sei, eu não decoro’. E eu falei: ‘mas não tem a necessidade de você decorar a tabuada. Toda vez que você precisar e você não tiver uma tabuada, você constrói ela, você faz’. Ensinei certinho pra ela como que ela podia fazer. E ela aprendeu ali a tabuada do dois, do três, do quatro… Fui ensinando os passos e dizendo ‘você consegue’. E fui embora. No outro dia, quando eu voltei no quarto dela, ela tinha feito tabuada em todos os papéis possíveis que ela encontrou no quarto, porque ela tinha conseguido perceber que ela era capaz. Isso e emocionou profundamente”, relembra, citando um atendimento feito cinco anos atrás.
Para um aluno recorrente, que foi perdendo a visão gradativamente, a professora começou a trabalhar cálculos mentais. “Pensando na possibilidade de uma cegueira total, o cálculo mental era o que teria de funcionalidade na vida daquele indivíduo, daquele aluno. Ele tinha toda aquela dificuldade de tentar construir na cabeça a continha de matemática, somar número por número, e ao final do processo ele já conseguia fazer muitos cálculos mentalmente”, conta.
As aulas são oferecidas após uma ronda diária feita pela pedagoga responsável. “Todo dia tem entrada de paciente e saída de paciente. Eu passo de manhã nos quartos, eu verifico em qual setor que eles estão, porque são várias clínicas, faço a apresentação do programa com a família. A família, concordando com o atendimento, eu faço o cadastro dessas crianças, uma ficha que a gente chama de ficha inicial, com os dados da criança, nome da escola, de qual cidade está vindo, porque o hospital é regional, e além de atender pedagogicamente de acordo com a série que está matriculada, é feito relatório de cada professor que atendeu esse aluno. No final da internação, quando recebe alta, é fechado esse relatório e eu levo para o Núcleo de Educação, que vai fazer essa distribuição para as escolas de origem. Geralmente, a gente atende mais de 300 crianças por ano. Grande parte dos alunos recebem bem esse atendimento e os pais também”, explica a pedagoga Ione Maria Ananias.
Para Ione, o olhar pedagógico diferenciado ajuda até mesmo na recuperação do paciente. “A gente olha para o indivíduo, a gente olha para a pessoa e não para a doença que ele tem. Então ele se sente novamente como pessoa, ele se sente valorizado, a autoestima melhora, evita muito a questão da depressão nas longas fases de internação. O aluno vai ficando triste mesmo de ficar ali deitado. Vem um, cutuca, vem outro, mexe pra lá, mexe pra cá, e remédio e soro, processo cirúrgico… A gente sabe que o ambiente hospitalar é um ambiente ríspido. Ninguém quer estar dentro de um hospital. A criança também não, o adolescente também não. Quando tem esse atendimento, ele esquece um pouco que está com problema de saúde”, afirma.
Ela cita o caso de um paciente que fraturou os dois braços em um acidente de bicicleta e sentia que não podia fazer nada. “A gente faz a adaptação curricular, o atendimento, continua fazendo ele pensar, trazendo informações para ele, então ele se sente valorizado e vê que aquele processo não é permanente, é um processo temporário. Ele vê que, apesar da dificuldade, ele consegue fazer alguma coisa. Ele se sente útil e isso melhora o estado emocional e ajuda até na recuperação”, finaliza a pedagoga.
