Aulas remotas
– Oi, gente, bom dia. Vamos começar a aula de hoje falando sobre. Oi, não tão me ouvindo? Ah, desculpa. Eu tava com o microfone fechado. Ainda tô aprendendo a mexer nessas coisas, sabe como é. Olha, vou confessar, é um desafio pra mim, isso aqui. Mas, como dizem, há coisas que são inevitáveis: a morte, o especial de fim de ano do rei e o Ensino Remoto Emergencial. Ah, o rei, vocês não sabem quem é ele, né? Nossa, tô envelhecendo mesmo. O rei é o. Oi, Pedro, pode perguntar, claro. Eu só não tô te vendo. Liga a câmera pra gente te ver, Pedro. Nossa, desde o semestre passado, né, Pedro. Isso, liga. João Henrique? Não era o…? Ai, me desculpa, olha, eu me confundo com os nomes aqui na tela, sabe, ainda é difícil. Mas pode perguntar João. Sim, sim. Hoje a gente vai falar sobre o texto que eu dispo. Ah, você não recebeu? Mas eu mandei pelo. Ana, você também não? Pessoal, alguém aqui recebeu o arquivo que eu enviei? Ninguém? Mas, puxa, como pode? Deixa eu só ver aqui, um minuto. Mas é um caralho mesmo, essa bosta, nada funciona nesse inferno, Deus, me dá paciência porque eu. Ué, eles tão. Meu pai amado, Pedro, eu achei que tivesse fechado o microfone. João Henrique. Isso, desculpa. Ah, gente, olha. Bom, pelo menos vocês dois que estão com a câmera ligada deram risada, isso ajuda o nosso dia. Relevem, tá, por favor, e vocês também, viu, 20 alunos com a câmera fechada e de quem eu só vejo uma letra na tela. Oi. Oi, Afonso. Não é obrigatório ligar a câmera, mas me ajuda. Esse negócio de conversar sem ver cara do outro não funciona pra mim. É por isso, aliás, que eu nem me confesso mais. Perguntei ao padre se poderia por vídeo-chamada, mas ele disse que não. Enfim, desculpe, me alonguei. É que. Bom, eu tô em isolamento desde o início da pandemia, sabe? O meu casamento já passou por todas as fases: de muito amor, de muito ódio, de muito tesão, de muita repulsa. Como nós somos do grupo de risco, decidimos que não sairíamos de casa de jeito nenhum. Nem mesmo para mercado, que está sendo feito pelo nosso filho. Só que isso tá me enlouquecendo. Tem hora que eu tenho vontade de ficar no mais absoluto silêncio, sem ver e sem falar com ninguém. E aí eu me lembro que eu estou no mais absoluto silêncio, sem ver e sem falar com ninguém. É horrível. Mas, enfim, faz parte da vida. Desculpa o desabafo, mas é que. Bom, vamos continuar aqui. Oi, Marcela. Isso, mas é que. Eita, o que é isso passando aí atrás de você? Parece uma criança. Ah, nossa, não sabia que sua mãe era tão baixinha. Isso. Então, já que vocês não receberam o texto, eu vou falar sobre o que o autor reflete e. Pode fazer, Maria Clara. Não, não tem chamada, não. Tudo bem, eu desejo melhoras a ela. Mas a sua vó não tinha morrido no ano passado? Ah, é a outra. Entendi, mas e essa outra, ela não tinha morrido em? Ah, sim, vó de coração porque cuidou de você quando criança. Tudo bem, fique à vontade. Eu mando um e-mail depois com o texto pra você. Bom, eu vou projetar na tela pra vocês aqui alguns slides, só um minuto. Porque daí… eu acho que vai… facili. Vocês tão vendo? Não, não era para aparecer areia e nem praia, Camila. Ai, meu Deus!, são as fotos da última vez que fomos pra Balneário Camboriú. Isso, esse aí é o meu filho, ao lado dele a namorada, e ao lado dela um amigo deles que é metido a escritor e que, não sei o motivo, sempre dá um jeito de escrever crônicas dizendo que não gosta de Tiago Iorc. Em vez de procurar namorada pra não viajar atrapalhando a viagem dos outros, fica nessa missão de falar mal do artista. Enfim, bom. Ah, aquele chihuahua? É o nosso Freud! Ah, porque quando ele nasceu não queria parar de mamar na mãe dele e sempre que possível tentava matar o pai. Pois é, tô vendo. Aliás, vários deles já passaram aí atrás de você. Isso que é gostar de gatos, hein?! Não, eu já entendi, Henrique, não precisa deixar ele lamber seu nariz, não, eu já. Sim, eu vi que você. Ó Deus, ele lambeu seu. Ok, cada um, cada um. Mas, gente, atenção aqui. Oi. Sim. Eu não consigo ver seu nome, você pode dizer, por favor. Seja bem-vindo, Louridi. Você é que veio do curso de. Que legal, que legal. Eu espero que a disciplina seja proveitosa pra você. Por favor, faça, claro. Mas o seu som tá baixo, viu. Tem como aumentar o volu? Ainda tá baixo. Gente, alguém aí também tá com o microfone ligado? Tá um barulho ao fundo, um misto de Wesley Safadão com máquina lavando roupa e anúncio do carro dos ovos. Louridi, ainda não consigo. Digita, então, que é mais fácil. Daí eu leio. Aliás, seu nome me lembra o daquele vocalista do Vel. Ah, sim, Vivian, acontece. Eu não sabia que ela era dançarina, não. Tem que só tomar cuidado com o microfone, né, porque às vezes pode nos constranger e atrapalhar os colegas. Mas tudo bem, que legal, desejo a sua irmã boa sorte no concurso da paróquia. Quando eu era criança costumava ir nas quermesses também. Teve uma vez que eu. Ah, Louridi, agora sim. Mais fácil digitar, né? Sim, tem intervalo de 15 minutos. E que legal, seu pai era fã daquele disco com a banana na capa. Eu também porque. Então, Vivian, quando eu era criança. Oi, João Henrique. Ah, agora é o Pedro. Oi, Pedro. Travando? Aqui pra mim tá. Tudo. Então não sei talvez. Oi, pes. Vocês tão me? Ou ouvin? Deve ter caído, esse caral.
***
(Crônica dedicada aos estudantes e professores das turmas A e B do 1º Humanas da Etec Albert Einstein, de São Paulo. Meus mais velhos novos leitores e colegas.)
Victor Simião, 26 anos. É jornalista. O cronista está no Twitter e no Instagram. Ele também assina a coluna “Biblioteca CBN“, na rádio CBN Maringá. Leia outras crônicas do escritor.