Quem passa pela Avenida Brasil, no Maringá Velho, pode nem imaginar. Mas atrás de uma fachada discreta, fica o Fio de Ouro, bar mais antigo em atividade de Maringá. Quem comanda o local, atrás do balcão, é Dona Yoneko Shimabukuro, mais conhecida pelos clientes como Dona Maria. Aos 89 anos, ela conta que veio do Japão com o marido para Maringá e que o bar já existia há alguns anos, quando o comprou, em 1962. Com o falecimento do esposo, o trabalho no bar foi que garantiu o sustento da família.
“Meu marido morreu depois de 15 anos que estávamos no Brasil. Eu tinha que cuidar dos três filhos e até hoje estou no bar. Muita coisa mudou bastante desde que cheguei. Antes era tudo poeira”, disse ela, com um forte sotaque.
Com paredes pintadas a óleo, chão vermelho e balcão antigo, o bar tem clientela fiel. É o caso de Maria Cícera Bernardino, de 85 anos. “Eu frequento o bar da Dona Maria há 19 anos. Todos os dias, a partir das 16h, estou aqui e já se tornou uma rotina. Aproveito que moro perto e venho no bar para fazer companhia para Dona Maria”, disse.
Resistente ao tempo, o Bar Fio de Ouro ganhou uma placa comemorativa, que reconhece a sua importância e conta um pouco de sua história. A homenagem foi feita no último dia 4. Leia abaixo como foi esse dia, na crônica assinada por Antonio Roberto de Paula, diretor do Museu Esportivo de Maringá, que esteve no evento:
A tarde de sábado no Bar Fio de Ouro
O Bar Fio de Ouro, o mais antigo de Maringá em atividade, ganhou uma placa comemorativa graças a dois fuçadores de relíquias da cidade: José Carlos Cecílio e Cássio Marcelo de Oliveira Alves. No dia 4 de novembro, sábado, convidado que fui pela dupla, lá compareci. Fui dar um passeio no passado da Maringá de 60 anos atrás. Dona Yoneko Shimabukuro, que quase todo mundo chama de Maria, atrás do balcão, com sérios problemas na coluna, andando com dificuldades, atendendo a freguesia com cerveja, refrigerante e água; Cecílio e Cássio uniformizados com a camisa retrô do SERM, Sociedade Esportiva e Recreativa Maringá, o primeiro time da cidade, o orgulho do Maringá Velho que a modernidade sepultou; um show musical na calçada, chorinhos dos bons apresentados com alegria, emoção e talento. Lá dentro, calor, aperto e conversas. Tudo conspirando para trazer a nostalgia dos anos 1950, 60… A leveza das horas na quente Maringá. A música a nos embalar neste encontro e reencontro com a história.
Amigos antigos, amigos recentes, amizades feitas na hora, gente da história, da cultura, gente da música, gente da imprensa, gente da cidade de tempos idos, de tempos atuais. Pioneiros contando histórias de ontem e de 40, 50, 60 anos atrás tendo o Maringá Velho como tema, o povo do lugar, as casas comerciais, os causos… Às vezes me pergunto qual o percentual de verdade que vem sendo transmitido nesses encontros.
Gente chegando, se abraçando, a placa ia ser descerrada. Dona Maria, disseram, nunca sai de dentro do balcão, aceitou ir retirar o papel que cobria a placa. Seu filho Jorge, que se levantou da cadeira só pra ir ao lado dela na homenagem e logo voltou para sua cerveja, sorria como se admirasse aquele movimento extemporâneo. Cecílio agitado, o que não é comum. Cássio elétrico, absolutamente normal. Os dois estavam felizes, dona Maria parecia estar feliz por tudo o que acontecia e também porque as vendas certamente foram bem acima da média diária. Ainda que alguns não paravam de falar, Cecílio e Cássio discursaram em frente à placa e ao antigo quadro, pintura de uma plácida paisagem ribeirinha. Aplausos, vídeos, fotos. Registro pra ser histórico.
O Bar Fio de Ouro, com sua fachada preservada e seu balcão cinquentenário, atravessou décadas e precisou que dois apaixonados pela história da cidade fossem buscá-lo para apresentar às novas gerações e despertar nos antigos a importância do estabelecimento. Cecílio e Cássio são dois grandes parceiros do Museu Esportivo de Maringá, sei do amor que eles têm pela cidade, sei da preocupação deles e da indignação latente quando histórias ficam esquecidas ou mutiladas pelas demolições. A placa de homenagem simbolizou uma bandeira da resistência ao inexorável fim das pessoas e das construções que compõem a personalidade de um lugar.
A vida voltou ao normal por volta das 7h30 da noite daquele sábado, mas, para quem lá esteve, aconteceu um recorte nas atribulações diárias, nos conceitos imediatistas e pensamentos futuristas. Foi uma ilhazinha neste mundão tão acelerado que ninguém sabe exatamente o porquê dele estar assim. Quem compartilha dessas antiguidades, quem gosta de ficar puxando o fio da memória para buscar fatos da terrinha, aquele dia no Bar Fio de Ouro foi emocionante. Mais placas comemorativas, Cecílio e Cássio, mais histórias, por favor. Isso é urgente e necessário. Precisamos do contraponto. Viva o Maringá Velho, 80 anos! (sim, a gente começa a contar 1942), Viva Maringá!
Por Antonio Roberto de Paula, diretor do Museu Esportivo de Maringá,