A história de Sueli, única sepultadora mulher de Maringá


Por Felippe Gabriel
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Sueli, a única sepultadora mulher de Maringá | Foto: Felippe Gabriel

Uma sepultadora é a pessoa responsável por serviços funerários em cemitérios, auxiliando na construção e manutenção de sepulturas, além da preparação dos funerais, um trabalho que exige estar constantemente em contato com a morte e a tristeza, mas que também pode ser motivo de orgulho.

É o caso de Sueli Fernanda de Assis Almeida, de 43 anos, a única sepultadora mulher do Cemitério Municipal de Maringá: “É uma das coisas que eu mais gosto, é muito gratificante”, diz.

Nascida em Maringá e moradora de Sarandi, Sueli trabalha no Cemitério desde 2015. Com muitos anos como servidora pública, antes prestava serviços de gari ‘Margarida’ (Margaridas são mulheres que atuam como profissionais de limpeza urbana), além de já ter trabalhado como empregada doméstica.

Os rumos de Sueli cruzaram com a profissão de sepultadora quando ela fazia hora extra no Cemitério, varrendo as vias, até ser convidada para o trabalho. A funcionária pública explica que o salário de uma sepultadora é superior a um salário de uma gari, o que a levou a considerar o convite em busca de melhores condições financeiras, mesmo tendo receio de como poderia ser este emprego inusitado.

“Na época tava bem difícil, as crianças eram pequenas, mas eu falei ‘Deus vai na frente e me ajuda aqui’. A minha família é uma família muito humilde, ? A gente sempre teve que lutar pra conquistar as coisas da gente”, conta Sueli, que tem uma filha, de 24 anos, e um filho, de 16, além de dois netos.

A profissão de sepultador implica muitos desafios de insalubridade, além de frequentemente resultar em tarefas fora do horário habitual. No Cemitério Municipal, os sepultadores abrem as sepulturas, tiram pedras e concreto, fazem a exumação dos sepultados e limpam os túmulos.

[É preciso] deixar tudo limpinho até chegar o horário do sepultamento. A gente vai estar aguardando a família chegar pra estar tudo preparado, pra eles chegarem e não ter nenhum constrangimento”, afirma Sueli.

Durante os funerais, os sepultadores são responsáveis por colocar os caixões nas sepulturas e fechá-las novamente.

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Sepultura já preparada para um funeral no Cemitério Municipal de Maringá | Foto: Felippe Gabriel.

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Uma profissão desafiadora, mas gratificante

Sueli relata que a mudança de profissão foi surpreendente, pois ao invés de só representar um trabalho pesado, se transformou em uma oportunidade de confortar famílias.

“Foi uma nova jornada, porque eu sempre trabalhei com limpeza. De repente, você vai mexer com o sentimento das pessoas, que é bem profundo mexer com isso. Hoje, eu falo pra você que é uma das coisas que eu mais gosto, é muito gratificante você poder, naquele momento de dor, dar um conforto pra família, atender ela da melhor maneira possível, se colocar no lugar dela, porque a gente também tem família que se vai, . Essa é a maneira que eu vejo hoje”.

Para Sueli, quem trabalha nessa profissão precisa ser forte para enfrentar os momentos de dor de outras pessoas.

“Se todo mundo chorar, não vamos trabalhar, ? Então vira um trabalho. Com muito respeito, mas é um trabalho, ? A gente muitas vezes chora com a família quando é uma perda de uma criança, uma coisa muito trágica”.

Contando sobre momentos marcantes em que viveu durante os quase dez anos de trabalho no Cemitério, a servidora pública relembrou como eram os funerais na época da pandemia de Covid-19, nos quais as famílias não podiam chegar perto do ente querido. Ela conta que chorava junto, mas precisava segurar a emoção.

Outro caso que a marcou foi o funeral de uma menina. Sueli presenciou a mãe dela em desespero, não querendo se despedir da filha. Nesses episódios, ela conta que os sepultadores precisam respeitar o momento, apesar de precisar concluir o trabalho.

“Essa mãe não deixava ela, a gente não conseguia também fechar, porque era o momento dela, ela queria entrar dentro da sepultura. Ela chegou a entrar e abraçar o caixão”.

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No cemitério não existe assombração

No imaginário popular, trabalhar em um cemitério, principalmente durante a noite, é sinônimo de se deparar com histórias assustadoras de terror. Sueli, no entanto, conta que o trabalho é mais seguro do que parece e brinca com a situação.

“Não acontece, não acontece. Até quando eu entrei, um amigo meu falou pra mim assim: ‘Você presta bastante atenção, quando você ouvir um barulho no cemitério, ou é gente ou é um bichinho’. Sobrenatural não é (risos)”.

A sepultadora ainda explicou a diferença entre a profissão dela e a de um coveiro. Segundo ela, coveiros precisam cavar a terra para preparar a sepultura, trabalho que não é feito no Cemitério Municipal. Lá, os sepultadores apenas preparam a sepultura que já está “pronta”.

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Cemitério Municipal de Maringá | Foto: Felippe Gabriel

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‘A mulher pode estar em qualquer lugar

Em relação aos desafios de se inserir na profissão sendo mulher, algo pouco comum, Sueli tem orgulho de sua trajetória, e diz que as mulheres podem estar em todos os lugares.

Atualmente, ela trabalha com mais dez homens no Cemitério Municipal, mas conta que os problemas não passam de contratempos puramente profissionais. E quando foi convidada para o emprego, Sueli disse que seu perfil mais rígido foi benéfico para a relação com os demais.

“Na minha família, mulher sempre só nasceu pra ficar ali limpando. E até meus filhos ficam bastante orgulhosos [de mim]. Porque eu sozinha, são dez homens, só eu de mulher no meio, não é fácil, mas a gente vai impondo respeito, vai se colocando e mostra que a mulher pode estar em qualquer lugar, onde ela quiser. [Antes de mim] Teve uma moça, e por isso que eles me chamaram, porque ela estava sendo bem ‘pisoteada’. Mas daí o pessoal falou ‘você é meio rígida assim, meio bruta né, de repente os meninos vão ver que mulher também tem a mesma capacidade de um homem’. Se ela [a mulher] quiser trabalhar, ela trabalha, faz o serviço dela bem feito e às vezes até melhor [que o homem], né?”

A servidora pública explica que nunca teve problemas no trabalho simplesmente por ser mulher, e que debate com os demais colegas de ‘igualdade para igualdade’.

Para o gerente do Cemitério Municipal de Maringá, Carlos Parolin, Sueli é uma excelente funcionária, que não deixa nada a desejar em relação aos sepultadores homens.

“A Sueli hoje é considerada junto com os rapazes aí no mesmo nível. Se eu tivesse mais pessoas como ela para trazer eu traria, porque ela é ‘pau para toda obra’. Ela é convocada e trabalha sábado, domingo, feriado, o que precisar ela vem. É uma servidora muito boa, porque o próprio contribuinte, ou as próprias pessoas que precisam do serviço que ela executa, elogiam muito ela”, afirma Carlos.

Carlos também analisa a situação da contratação de Sueli como uma questão de prestígio às mulheres, na medida em que se faz uma inclusão necessária no mercado de trabalho.

O gerente da época acatou [a contratação de Sueli] porque tinha saído uma [sepultadora], então deram a oportunidade, até por uma questão de prestigiar as mulheres da Prefeitura. Eu acho que é uma questão de inclusão. Não é só homem, não é um serviço só de homem mesmo, ? Não precisa ser. E a gente está muito contente com ela, porque ela é realmente é uma ‘baita’ servidora”.

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