05 de maio de 2025

De carrasco à Cruz: conheça o novo Jesus da Paixão de Cristo de Maringá


Por Brenda Caramaschi Publicado 18/04/2025 às 08h32
Ouvir: 10:57
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Na quarta-feira (16), Lucca Lorenzett Pastrelli estreou como Jesus, protagonizando encenação da Paixão de Cristo em Maringá; nesta sexta (18) a apresentação deve ter público ainda maior. / Foto: Giovani Camacho

Quando a Paixão de Cristo começou a ser encenada em Maringá, Lucca Lorenzett Pastrelli era apenas um bebê – e a apresentação estava longe de se tornar uma das maiores do País. A encenação era mais uma entre as muitas organizadas pelas paróquias na cidade, relembrando os últimos dias de Jesus, antes da crucificação. A dimensão do espetáculo começou a mudar quando a peça que conta a história bíblica foi apresentada pela primeira vez ao ar livre, na praça da Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Glória. A apresentação aconteceu na escadaria da igreja que é cartão-postal de Maringá e contou com 50 pessoas entre atores e equipe técnica. Naquele ano, o ator que interpretou Jesus, foi o Anselmo José, atual diretor do espetáculo. No público, cinco mil pessoas assistiam às cenas apresentadas em um pequeno palco. No ano seguinte, quem assumiu o papel principal foi Fernando Bertola, que permaneceu interpretando Jesus durante 20 anos. 

Com o passar do tempo, o espetáculo, feito por voluntários, cresceu. De dezenas de envolvidos, passaram-se a centenas e a peça passou a atrair públicos cada vez maiores, chegando ao recorde de 50 mil pessoas na Sexta-Feira Santa de 2023. A apresentação passou a receber apoio do poder público e da iniciativa privada, ser televisionado, transmitido pelas redes sociais, atrair famílias inteiras que já transformaram em tradição assistir a história de Cristo sendo contada pelos atores amadores da cidade. E as definições de amador descrevem bem o grupo: o dicionário diz que é todo aquele que se dedica a uma arte ou um ofício por gosto ou curiosidade, não por profissão; que ama. É o amor que move essas pessoas que sobem ao palco ou atuam nos bastidores, cortando isopor e madeira, fazendo cenário, tecendo figurinos, ensaiando noites adentro depois de um dia exaustivo de trabalho, para recontar a história conhecida sempre de um jeito diferente. E foi o amor que moveu Lucca a se juntar ao grupo, em 2018, quando completou 18 anos. 

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Lucca, como um dos carrascos de Cristo, ao lado de Fernando Bertola, que interpretou Jesus na peça por 20 anos. / Foto: arquivo pessoal

“Menor de idade só pode participar acompanhado de um responsável e  na minha família ninguém tinha interesse de participar. Então eu esperei a maioridade, mas eu assistia, como espectador, a Paixão de Cristo, desde quando eu era criança.  Desde criancinha os meus pais já me levavam para assistir o espetáculo. Na minha adolescência,  saída da infância, sempre me despertou muito o interesse pelo teatro. Eu sempre gostei muito de atuar, sempre gostei de fazer teatros na igreja,  nos grupos de jovens, grupos de oração que eu participava. E até queria seguir numa carreira universitária nas artes cênicas, tentar fazer alguma coisa nesse espaço, mas é por toda a realidade do nosso país, de não valorizar as artes, ser uma profissão desvalorizada, que eu não teria espaço na cidade que me garantisse uma qualidade de vida boa e teria que me mudar daqui, eu entrei num impasse. Minha mãe também me incentivou muito a fazer primeiro uma graduação que me desse uma estabilidade financeira para depois fazer as artes cênicas, né?”, relembra.

Lucca se formou em Educação Física pela UEM e se tornou professor, mas o lado ator aflora a cada Semana Santa. Na primeira edição que participou, ele atuou como guarda judeu, prendendo Jesus, e se manteve no papel de um dos carrascos de Cristo até 2023. No ano passado, o rapaz começava a peça interpretando um dos discípulos e terminava como Jesus ressuscitado, em uma breve aparição, “sobrevoando” o palco, içado por um cabo de aço, no momento ápice que encerra o espetáculo.  

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Em 2024, Lucca interpretou Jesus apenas na última cena da peça, içado por cabos de aço, representando Cristo Ressuscitado. / Foto: Arquivo pessoal

O convite para assumir o papel de protagonista só veio esse ano, embora o diretor do espetáculo estivesse dando sinais há algum tempo de que Lucca estava sendo sondado para o papel.  “O Anselmo [diretor da peça], em 2023, chegou para mim e falou assim:  ‘você já pensou em deixar o cabelo crescer?’. Porque eu já tinha uma barba cheia, não tinha muita falha, ela já era grande. Ele ‘jogou esse verde’. E daí dia 26 de janeiro daquele ano eu parei de cortar o cabelo e hoje já faz dois anos e alguns meses que eu não corto para assumir o papel de Jesus. Foi assim que eu comecei a me preparar tanto fisicamente quanto espiritualmente também. Comecei a colocar isso em oração para Deus me ajudar a conseguir cumprir esse papel e esse chamado”, diz o “novo Jesus”.

Para Lucca, viver esse momento tem sido um sonho realizado. “Quando eu assistia a Paixão de Cristo e quando eu comecei a atuar como guarda, uma coisa que eu olhava muito era alguns atores como o Anselmo, como o Júlio, que faz o Pilatos. Eu posso dizer com todas as palavras  que eu sou muito fã deles.  O Júlio é um cara extraordinário no teatro, eu acho ele uma pessoa que tem um dom, um talento incrível. E eu pensava assim, ‘nossa Deus, eu queria muito um dia poder atuar com esse cara’. Então tem algumas pessoas que eu olhava e admirava muito e falava assim ‘se Deus pudesse me dar o presente de poder atuar um dia com essas pessoas…’, e hoje eu me vejo nesse papel e tá sendo muito emocionante. Porque eu aprendo tanto com eles, com toda a bagagem que eles têm. Eles também não têm formações artísticas,  cursos, enfim, tudo que eles sabem  vem da igreja, vem de algum movimento, de alguma coisa que a vida ensinou. Eu já me peguei chorando em casa de pensar: ‘eu estou realizando um sonho de contracenar com aqueles que eu mais admirava’.Isso é muito legal”, comemora.

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Com dicas do “Jesus veterano” e muita pesquisa, o “novo Jesus” se preparou para encarar o personagem diante de dezenas de milhares de pessoas. / Foto: arquivo pessoal

A preparação para o papel, segundo Lucca, envolveu muita pesquisa e conselhos do “Jesus veterano”. “Eu e o Fernando, a gente vem conversando há muito tempo. Na paixão de Cristo do ano passado eu acompanhei ele, em todos os ensaios eu ficava bem pertinho dele, vendo cada coisa que ele fazia. Estudei todas as paixões de Cristo que tem no YouTube.  Assisti todas as de Maringá umas 30 vezes pelo menos. Assisti todas de outras cidades para ter uma referência.  Assisti A Paixão de Cristo, do Mel Gibson, para ter um parâmetro também, para saber como que é no cinema, para tentar trazer alguma coisa para o teatro de palco, enfim. Então tem sido um estudo frenético para aprender bastante e para entregar aquilo que o meu papel pede que eu entregue. O Fernando me ajudou muito. Sou muito grato ao Fernando, um grande artista também, que sustentou esse papel por 20 anos. A gente troca mensagem no WhatsApp pra ele me contar como que foi, o que eu posso fazer, o que eu não posso, que é legal de fazer, o que não é, sabe?  Sou muito grato ao legado que ele deixou de Jesus. E me vejo agora tentando deixar o sarrafo lá em cima como ele deixou,  para que Jesus seja sempre um papel muito bem feito. A gente nunca vai chegar aos pés de Jesus como ele realmente era, mas que um pouco a gente possa passar da paz, autoridade e amor que ele tem por nós”.  

O desafio de viver Cristo diante de dezenas de milhares de pessoas é grande e o ator amador sabe disso. “O maior desafio para representar Jesus, eu acredito que seja a responsabilidade de carregar esse papel. É uma responsabilidade muito grande,  é um papel que requer um testemunho de vida, acho.  Não tem como a gente representar Jesus e ter a mesma vida que a gente tem.  Eu sinto muito que eu tenho que entrar em sintonia com o meu personagem, que é o personagem da minha vida.  Eu sou muito religioso, muito católico, então Jesus pra mim é tudo. Jesus tem me fortificado muito para eu ser como ele, para eu entender como ele era e eu tô muito feliz. Eu não tô nervoso, eu tô ansioso para viver esse momento, para viver essa sensação extraordinária de representar Jesus, para fazer acontecer”.

A primeira apresentação da Paixão de Cristo em Maringá foi na quarta-feira (16) e a peça será encenada novamente nesta sexta (18), no Eurogarden, com início às 20h e expectativa de um público ainda maior.

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