
Viajar sempre fez parte da rotina de Renato e Lúcia Machado. Hoje ele tem 72 anos e ela, 68.
Antes mesmo de pensarem em motorhome, o casal já cruzava estradas do Brasil e do mundo, muitas vezes alugando carros nas viagens pela Europa, levando lancheiras térmicas com compras de supermercado locais para economizar e explorando cidades por rotas alternativas. “Se eu puder ir a Nova Esperança por uma estrada e voltar por outra, eu faço isso”, brinca Renato. Mas foi em 2020, após um comentário de um neto que assistia vídeos sobre viagens de Kombi no YouTube, que a ideia virou projeto.
O casal começou a pesquisar fabricantes e descobriu em Santa Catarina um modelo de Kombi com teto alto, adaptado especialmente para motorhome. A exigência era clara: conforto mínimo e, principalmente, banheiro. “Depois dos 60 não dá para ficar agachado dentro de uma Kombi”, diz Renato, rindo.
A Kombi foi comprada, levada ao litoral catarinense e completamente transformada: ganhou fogão, geladeira, pia, chuveiro, cama de casal e um sanitário químico. Foi nela que o casal começou as primeiras viagens, pausadas apenas pela pandemia, por problemas de saúde e pela necessidade de cuidar dos pais idosos. Mesmo fazendo rotas curtas e com o espaço limitado, sempre que possível o casal maringaense aproveita a companhia dos netos nas viagens de motorhome.
Este ano, o casal decidiu dar um passo maior: vendeu a Kombi e adquiriu um motorhome mais espaçoso. A estrutura nova trouxe mais autonomia — e viagens mais longas. A última delas durou quase 30 dias.
Eles saíram de Maringá e passaram por cidades paulistas e mineiras, incluindo o Vale do Paraíba, Aparecida, Itamonte, São Francisco Xavier e Monteiro Lobato. Conheceram Alagoa (MG), conhecida como “capital do queijo artesanal” e famosa pelas premiações internacionais de seus produtores. Depois seguiram para o Rio de Janeiro, Penedo, Visconde de Mauá — onde existe um curioso detalhe: duas vilas vizinhas chamadas Maringá, uma em Minas Gerais e outra no Rio, separadas por uma ponte sobre o Rio Preto. “Fiz questão de conhecer as duas”, conta Renato.
De volta a Minas, passaram por estâncias hidrominerais como Caxambu e Cambuquira, por Três Corações — terra natal de Pelé — e seguiram para a região de Capitólio. Ali, encararam trilhas longas e pedregosas, visitaram a cachoeira Casca D’Anta, primeira grande queda do Rio São Francisco, e subiram até a nascente do “Velho Chico”, na Serra da Canastra. “Foram trilhas difíceis, mas altamente compensadoras”, descreve.
Segundo Renato, a liberdade é o maior diferencial entre as viagens que faziam antes e as que fazem de motorhome. “Você para onde quiser, a hora que quiser, sem preocupação com refeição ou hotel. No motorhome acorda, faz o café e segue viagem”, diz. O casal costuma dormir em campings, postos 24 horas e até em ruas de cidades pequenas, sempre após checar referências e segurança. O custo também diminui, já que alimentação, hospedagem e deslocamento ficam sob controle do viajante. ““Você não precisa ficar em Airbnb, não precisa pagar hotel. É uma viagem mais econômica e mais livre”, afirma.
Para criar os roteiros, a inspiração costuma vir de outros viajantes. A gente vai investigando pela internet e acompanhando os mais diferentes casais que viajam. E aí, um lugar que a gente acha interessante, já fazemos uma programação dentro da nossa disponibilidade de tempo e condições”.
Depois dos 60: coragem, saúde e parceria
Antes de se aposentarem de vez, Renato e Lúcia eram comerciantes. Agora, dizem viver a fase mais livre da vida. Mas, para embarcar nesse estilo de viagem, ele afirma que três coisas são indispensáveis: vontade, determinação e parceria.
“Se é um casal, os dois precisam gostar. No motorhome é muito ruim viajar sozinho. Eu gosto de companhia, gosto de gente”, diz. “Mas Tem mulheres que viajam sozinhas, tem muitos casais que viajam com animais, com gato, com cachorro”, completa.
Sobre os desafios da idade, ele acredita que não devem ser impeditivos. “A pessoa precisa ter saúde e estar precavida. Hoje os países da América do Sul exigem seguro de viagem, e o veículo precisa estar revisado. Mas idade não é obstáculo.” E lembra de uma inspiração familiar: o pai, que aos 88 anos decidiu viajar para a África do Sul com um primo. “Ele sempre gostou de conhecer o mundo. Acho que herdei isso”.
Planos: o sonho de Ushuaia
O grande projeto do casal está marcado para o próximo ano. O roteiro inclui atravessar a Argentina, chegar ao Chile pela região de Bariloche, percorrer toda a Carretera Austral até seu ponto final e depois descer até Ushuaia — a cidade mais ao sul do mundo. De lá, pretendem retornar pela Argentina. Um plano antigo, adiado por questões de saúde e família, mas que agora deve finalmente se concretizar.
Nas viagens, é comum o veículo adesivado com o nome “Depois dos 60 por aí” atrair curiosos. Sabendo dessa curiosidade, o casal posta alguns registros nas redes sociais, ainda despretensiosamente, mas sem negar a vontade de investir mais na produção de conteúdo de viagem, até para ajudar a arcar com as despesas na estrada, contando com algum tipo de patrocínio.
“Eu fiz alguma poupança. Tem algumas pessoas que viajam e fazem artesanatos para comercializar ao longo das viagens. Tem gente que faz quitutes, que faz salgados, doces e vende. Tem aqueles que monetizam com as redes sociais. Eu sempre fotografo e agora a gente está gravando essas viagens, a gente está colocando gradativamente no Instagram e aí eu pretendo também a gente tem já o canal no YouTube. No primeiro momento é só para documentar esses ideais, esses passeios. E aí, se houver um resultado positivo em termos de seguidores, é possível tentar monetizar também”.
A quem deseja começar a viajar, seja com um veículo simples, uma barraca ou uma casa sobre rodas, ele deixa um conselho: “Entre a vontade e a realização existe a determinação e a pessoa tem que gostar desse espírito de aventura. E normalmente é uma coisa que acaba apaixonando”, diz o viajante.