Neste sábado, 2 de novembro, Feriado de Finados, a estátua de um menino saindo de uma cadeira de rodas em direção ao céu chama atenção de quem visita o Cemitério de Maringá. Ainda mais depois que eles conhecem a história de Guilherme Amâncio da Silva. O menino morreu em junho de 2019, menos de um mês antes de completar 13 anos.
Quando Guilherme nasceu, a família e nem os médicos imaginavam que ele seria portador de três doenças graves: paralisia cerebral, hidrocefalia/meningite neonatal e síndrome de West. O bebê veio ao mundo com 38 semanas e de parto normal. Cerca de 18 horas após o nascimento, sofreu convulsões e precisou ser entubado. Foi aí que a família recebeu a notícia de que ele tinha as três doenças graves.
As sequelas impuseram várias limitações a Guilherme. Segundo a mãe, Tatiana Amâncio, ele não podia andar, nem falar e aos sete anos não conseguia comer.
“Ele passou por mais de dez procedimentos só para operar a cabeça. Foram muitas cirurgias, pneumonias. Apesar de tudo isso, ele sempre estava sorridente, entrava no centro cirúrgico sorrindo, sempre foi forte e guerreiro”, lembra a mãe.
Em 2019, as doenças evoluíram e os cuidados médicos precisaram se intensificar. Depois de uma febre intensa, Guilherme foi levado ao hospital e precisou ficar internado por 14 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Metropolitano de Sarandi, mas não resistiu após uma parada cardiorrespiratória.
Despedida em família
Guilherme morreu no dia 21 de junho daquele ano. Deixou a mãe, o pai e uma irmã, Gabrielle, hoje com 11 anos. “Ela sentiu muita falta, passou por psicólogo. Ela conviveu com ele diariamente. Viu muito amor, mas também presenciou muito sofrimento. Hoje ela está bem, sente saudades e fala muito dele”, diz Tatiana.
Foram 13 anos de muita luta, lidando com cerca de 20 convulsões diariamente em razão das doenças. A despedida de Guilherme, no entanto, foi recebendo todo o carinho de sua família.
“No dia antes dele falecer ele sorriu bastante, interagiu comigo e com o pai. No fim da tarde foi entubado. Em um sonho que tive, ele pedia para ver os avós, primos, queria todos por perto. E eu consegui que todos fossem vê-lo”, recorda Tatiana.
Tatiana detalha um dos últimos momentos que teve com o filho. Na UTI, pediu aos médicos para que pudesse segurá-lo no colo. Apesar dele estar todo entubado, com drenos e sondas, técnicos e médicos se esforçaram para atender o pedido da mãe.
“Eu tive meu filho nos meus braços. Conversei, abracei, beijei. Até então eu sempre tinha pedido para Deus deixar ele comigo, independente de como ele ficasse. Mas foi naquele momento que entreguei ele para Deus com todo meu coração e alma. Mesmo com dor, com meu coração sangrando dilacerado eu entreguei ele para Deus. Mesmo entubado, ele deu vários suspiros profundos em meu colo”, lembra Tatiana.
O símbolo da liberdade
Se inspirando em algo parecido visto na internet, os pais de Guilherme tiveram a ideia da estátua como forma de homenageá-lo. E para deixar a vida do filho ainda mais marcada no monumento, decidiram utilizar a primeira cadeira de rodas que ele usou durante a vida.
“O Gui faleceu em junho e eu queria fazer algo diferente no seu túmulo, algo que marcasse. Queria muito homenagear meu filho, porque ele foi um guerreiro e vitorioso nessa terra e um mês depois eu vi essa estátua na internet. Foi a inspiração para fazer uma com a primeira cadeira de rodas que eu tinha do meu filho”, explica a mãe.
Depois da ideia, era preciso encontrar alguém que a executasse. Em meio às pesquisas, Tatiana encontrou o artista plástico Lucas Fioresi, de Astorga, responsável pelas esculturas do Parque Aquático Pôr do Sol, na cidade de Pitangueiras (PR).
Lucas conta que se sensibilizou com a situação da família e aceitou fazer o “projeto ousado”, pois nunca tinha feito algo parecido antes. A obra de arte pesa em torno de 90 quilos, é feita em estrutura metálica e cimento, e conta com 1,7 metros de altura, da base até a ponta dos dedos de Guilherme. Além disso, os moldes das mãos, braços e pés da estátua são de pessoas reais.
A obra simboliza a liberdade do menino que viveu ‘preso’ a uma cadeira de rodas. A mão apontada para o céu foi o único pedido da mãe Tatiana para Lucas.
Um dos túmulos mais visitados do Cemitério de Maringá
Desde que foi anexada ao túmulo, em outubro de 2019, a sepultura de Guilherme segue sendo uma das mais visitadas do Cemitério de Maringá. A sepultura está localizada na quadra 42.
“Fico muito feliz pelas pessoas estarem passando lá e conhecerem um pouco do meu filho”, diz a mãe.
No entanto, Tatiana quase não conseguiu colocar a estátua na sepultura, pois a administração do cemitério temia por possíveis estragos e acidentes no local.
“Eles não queriam não, daí depois de muita conversa [deu certo]. Mas o túmulo foi reforçado para receber ela. Ela é presa no túmulo, sem risco de quedas. A preocupação era alguém se pendurar nela, alguma criança. A responsável pela estátua é a família, se precisar enterrar alguém nós temos que removê-la”, explica Tatiana.
Um dos argumentos da família foi a presença de uma estátua em outra sepultura do cemitério, ainda maior que a de Guilherme e aparentemente mais pesada. O monumento em questão é de um santo, presente em um túmulo feito em pedra.
Por conta disso, Lucas Fioresi contou que a obra para Guilherme precisou ser bem planejada, sendo o maior desafio para o artista. Era preciso fixá-la bem ao túmulo, além da dificuldade de anexá-la à cadeira de rodas do menino.
Felizmente, não houveram incidentes até hoje com a estátua. Ao contrário, o túmulo recebe diversos “presentes”, como brinquedos, balões e rosários, além de vários pedidos de oração, segundo Tatiana.
A obra de arte, além de agraciar os visitantes do cemitério, também ajudou Lucas Fioresi em seu trabalho. Com a repercussão, outras famílias buscaram o artista para fazer um trabalho semelhante, e agora esculturas de Lucas estão presentes em outras cidades, como Astorga, Avaré (SP) e Bodoquena (MS).
Dia de Finados para a família Amâncio
Tatiana conta que vai ao cemitério durante toda a semana que antecede o Feriado de Finados. Este ano, a mãe de Guilherme pintou o chão que chega ao túmulo do filho, desde a calçada,
“Sempre coloco bastante flores e vou de manhã e à tarde no Cemitério. Fico realizada de ver as pessoas irem visitar o túmulo dele e acender uma vela. Esse é o motivo dele ser lembrado, das pessoas conhecerem a história de vida, de dor e de muitas vitórias”, finaliza a mãe.
Outra lembrança presente neste dia para Guilherme é um desenho feito por Gabrielle, que sente saudades do irmão. Ela não gosta mais de ir ao cemitério, como fazia antes, mas marcou sua presença.
Lucas Fioresi
O artista plástico começou seus trabalhos em esculturas em 2017, no Parque Aquático Pôr do Sol. Com o grande fluxo de pessoas no parque, suas obras ganharam visibilidade e muitas pessoas passaram a procurá-lo, e Lucas também passou a divulgar mais seu trabalho.
Em esculturas mais elaboradas, Lucas costuma trabalhar em conjunto com pedreiros, para que as obras tenham boas estruturas.
A técnica mais utilizada por ele é o cimento armado, com armação metálica, tela, cimento e detalhes esculpidos à mão, assim como a obra de Guilherme Amâncio. Ele também faz obras em resina, fibra de vidro e outros materiais.
Para Fioresi, seu trabalho mais desafiador foi no Parque da Redenção, em Apucarana. O local faz parte de uma rota turística religiosa, e conta com 60 peças em tamanho real, além de uma gruta, que retratam a Via Sacra.