Gordofobia não é opinião, é violência; “Sou gorda, ponto”, diz ativista


Por Fernanda Bertola e Ivy Valsecchi

Hoje, 10 de setembro, é o Dia da Luta Contra a Gordofobia. Aos 29 anos, a atriz e produtora Aline Luppi Grossi, nascida em Mandaguaçu e hoje vivendo em Maringá, se define como ativista gorda, inserida na nova geração de artistas críticos e comprometida com posições subversivas.

Aline conta que vem trabalhando em construções que escapam da onda conservadora que toma conta dos tempos atuais. Especialista em grandes eventos, em produção e graduada em Licenciatura pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), ela presta serviços de produção executiva em diferentes segmentos.

Arte é meio de luta contra o preconceito. Foto: Renato Domingos

Sua vida pessoal e profissional está intimamente ligada ao combate à gordofobia. Atualmente, ela produz o documentário audiovisual “Olho Gordo” e a exposição visual “O que você anda engolindo?”. Realizou a peça “Banquete de Obscenidades”, produziu e responde pela mostra cultural “Me Chama de GORDA”, foi rainha do bloco de carnaval de Maringá “Bumbum de Ouro”… a lista de atividades é longa.

“Mentiria se não dissesse que já não passou pela minha cabeça como seria a vida com um corpo mais padrão, porém, basta uma conversa para entender que a ideia não é tão linda assim como vendem. Por isso, deixei há muito tempo de viver a vida no depois… depois que emagrecer. Sempre fui apaixonada por corpo, pele, texturas, dobras e movimentos. Nunca entendi o que as pessoas viam de tão ruim ou feio no meu corpo, por isso divido com as pessoas nos meus trabalhos a beleza e a alegria que enxergo em imagens, ao mesmo tempo em que reivindico direito de existência e denuncio violências.”

Gordofobia

Conforme a pesquisa Obesidade e Gordofobia — Percepções 2022, 85,3% das pessoas consideradas obesas no Brasil já passaram por situações de gordofobia. O levantamento foi feito pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e a Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia (SBEM), com mais de 3,5 mil pessoas.

Para Aline, ser gorda ou magra depende do comparativo que se faz entre as pessoas. Isso indica que o problema não é ser gorda. O preconceito e o julgamento vêm do medo das pessoas de serem tratadas como pessoas gordas são tratadas, e não de um incômodo em si com a aparência do outro, opina Aline. 

Projeto “Me Chama de GORDA”. Foto: Renato Domingos

“Somos condicionados a viver a reafirmação dessa violência no nosso dia a dia através dos comentários, dos medos das pessoas. Substitua o gorda por negra, por periférica, por neurodivergente, por pessoa com deficiência (PCD), teremos resultados semelhantes. Sempre foi e sempre será uma questão social, econômica e geopolítica.”

O que é imperativo para Aline é que a gordofobia não é e não pode ser tratada como opinião. “É violenta, fere os direitos do ser humano, é negligência dos direitos básicos de saúde. É falta de acessibilidade em hospitais e órgãos públicos, macas e cadeiras inadequadas para pessoas gordas. São problemas práticos que carecem de investimento”, diz.

A ativista critica ainda indústrias de vários setores que vendem a ideia de que “nada é pior que ser gorda”, com promessas milagrosas para perda de peso que mais contribuem para o estigma do que para o bem-estar das pessoas.

“Não é olhar para procedimentos e condenar tudo isso. É um direito, a exemplo da cirurgia bariátrica em casos de indicação e dos procedimentos estéticos posteriores às pessoas com comorbidades e risco de morrer. Mas isso e outras ideias muitas vezes impostas como solução não resolvem o grande problema que é achar que temos o direito de opinar sobre corpos alheios”, comenta.

“Soul Dessas”. Foto: Renato Domingos

Dever de todos

Aline frisa que a luta antigordofobia deve incorporar a ideia de que ser gordo não é questão de incompetência ou falta de vontade. Ela explica que uma pessoa gorda não tem as mesmas chances de se apresentar, porque a “imagem chega antes.”

E, após mais de uma década de estudos e pesquisas sobre o tema, reforça que o combate à gordofobia não é só para pessoas gordas. É uma iniciativa de toda a sociedade. “Pessoas não gordas precisam se informar, ler, conhecer, consumir arte gorda e não ficar esperando que toda e qualquer pessoa gorda tenha a obrigação de ensinar e ser didática consigo.”

Autoestima e expressão artística

A pressão estética muitas vezes pode ser cruel, mas Aline sempre achou o próprio corpo lindo e nunca viveu para atingir algum padrão que fuja dos seus próprios valores.

“Minha imaginação sempre foi voltada para experiências, lugares, relações, sensações. Hoje, percebo que a nossa autopercepção está diretamente relacionada com as referências que consumimos. Não que vá mudar o mundo, mas passar a ver, a olhar mesmo, os corpos que não estão no padrão imposto, me torna menos ansiosa, mais gentil comigo mesma e com as outras, justamente por entender as infinitas diversidades do existir.”

A atriz é produtora ressalta que com as percepções que têm a respeito de si, não tem a pretensão de responder qual o sucesso a autoestima e o segredo para não se deixar afetar pela gordofobia. Mas, acredita que a expressão artística por meio de seu trabalho contribua para um mundo menos hostil e injusto.

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