Linhas entrelaçadas na Getúlio Vargas: a história do homem que faz crochê no centro de Maringá


Por Iasmim Calixto
As linhas entrelaçadas da Getúlio Vargas: a história do homem que faz crochê no centro de Maringá. Foto: Iasmim Calixto

Quem passa pelas calçadas da Avenida Brasil ou da Getúlio Vargas, no centro de Maringá, com certeza já viu Ronaldo. Ronaldo certamente virá a ser uma daquelas figuras que sempre veremos na região central, que toda vez reconheceremos por algum aspecto muito singular.

Novo, ainda, para ser uma das lendas das ruas da Cidade Canção, claro. Mas com marcas suficientes que o provam à vida.

Nasceu em 1981. Viveu no Sol Nascente. Perdeu a mãe com um ano de idade. Cresceu, foi à escola, reprovou na segunda série, onde a repetiu por quase dez anos, disse ele, enquanto crochetava em baixo de uma marquise da Getúlio.

A história de Ronaldo se confunde com a de muitos Ronaldos por aí. Trabalhou por vinte anos na empresa de um tio, onde lidava com geladeiras e freezers para bebidas. Um dia o trabalho com a família findou. Há dez anos, andando pelo centro, viu um homem gordo, grande, usando uma bombeta de crochê. Assim mesmo, do jeito que Ronaldo faz hoje. Naquele dia, diz ele, até mesmo o céu brilhou mais. Como pode um simples adereço fazer tanto a diferença na vida de alguém? Mas Ronaldo tem seus porquês.

Eu não sei, tá ligado. Eu vi esse boné [apontando para os expostos na calçada] com um carinha gordo legal usando esse. Nossa, meu Deus do céu, parece que eu tinha visto um sol bem bonito. Achei muito massa mesmo. Aí eu fui tentando, amarrando as linhas, fui inventando, inventando, até que foi dando certo.

As linhas entrelaçadas da Getúlio Vargas: a história do homem que faz crochê no centro de Maringá. Foto: Iasmim Calixto

Começou a crochetar por conta própria. É um autodidata. Olha os pontos em revistas e os reproduz como ninguém. No começo os dedos doíam. As costas doíam. A cabeça doía. Fazia uma bombeta e parava no caminho. Voltava só depois de quinze dias. Terminava. O tempo ensinou Ronaldo a paciência. Hoje, incansável, termina um boné em um ou dois dias. Depende o tempo. Depende a gente.

Enquanto sentado na calçada, curiosos param, observam o trabalho, pegam as bombetas na mão, olham, devolvem. Poucos os que levam. Mas para Ronaldo basta o pouco. Se vender um por dia, está ótimo. Garantiu o dia. Se vender dois, melhor ainda. Festa. Tem semanas que vende dez, outras, nada.

É variado, se o mundo tá feliz, eu vendo mais. Quando o mundo tá triste, a gente percebe que ninguém quer comprar nada, ai vendo menos.

Tímido, mas ao mesmo tempo espontâneo. Um sorriso amarelado. Parece gostar mesmo de falar sobre o seu trabalho ante a qualquer outro assunto. Perguntado sobre a vida, pouco ou quase nada respondeu. Mas quando falava sobre as bombetas que fazia, transmitia alegria, explicava os pontos, as cores, as agulhas e as linhas com os detalhes suficientes que só mesmo quem ama o que faz o pode fazer.

As linhas entrelaçadas da Getúlio Vargas: a história do homem que faz crochê no centro de Maringá. Foto: Iasmim Calixto

Sempre descalço, sentado com as pernas cruzadas, um pouco corcunda, seus olhos fitam as linhas se entrelaçando enquanto rapidamente espia de lado os transeuntes que vem e vão. Chama para comprar quando a pessoa parece simpática. Normalmente as mulheres de mais idade, que partilham do mesmo gosto de Ronaldo pelo crochê.

“Que lindo”, “Parabéns”, “Deus abençoe seu trabalho”, certamente são as frases que Ronaldo mais ouve. Ronaldo parece, certo disso, mais feliz a cada ponto dado. Palmeirense que é, estava a costurar uma bombeta do time da Barra Funda. Perguntado sobre um palpite para o jogo contra o Boca Juniors, válido pela semifinal da Libertadores, disse que não estava sabendo. Não é ligado em rádio, tevê ou qualquer outra coisa. Usa o celular para ouvir hinos de adoração. Diz que o que mais gosta de fazer, além de crochetar, é ir à igreja sempre que pode.

De família muito religiosa, afirma que o pai vai à igreja diariamente. A madrasta idem. Criou esse hábito desde criança.

Eu curto ir à igreja, mesmo, pelo menos uma vez na semana. Eu vou na evangélica. Sinto acolhido. Tipo assim, vem de família. Meu pai vai na igreja todo dia, entendeu. Desde ‘pequeninho’ é assim.

Ronaldo é um homem quieto. Deu poucas certezas durante a conversa. Uma delas é de que ama o que faz. Não pensa em largar o crochê, já que esse é seu trabalho. Outra coisa que gosta – ou gostava – é o Palmeiras, onde haviam três bombetas prontas para a venda. Certo de que gosta de futebol, ou ao menos do retorno que o esporte mais amado dos brasileiros dá. Crocheta as bombetas do time do coração, além do Corinthians, São Paulo, Flamengo e Santos. Garante que nunca lhe pediram ou perguntaram sobre outras equipes.

As linhas entrelaçadas da Getúlio Vargas: a história do homem que faz crochê no centro de Maringá. Foto: Iasmim Calixto

Com as mãos marcadas pelo tempo, segue entrelaçando as linhas coloridas. Ao meio dia ele recolhe suas coisas e segue outro rumo. Às vezes migra para outro ponto, às vezes vai embora para o seu canto ou para a casa de algum familiar. Descalço, mesmo, como sempre. Não gosta de usar sapatos. É um tanto nômade, um tanto disperso de qualquer vaidade. Não liga para os olhares profundos, de questionamento ou reprovação. Segue crochetando, segundo ele, até o dia que não precisar mais trabalhar.

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