O empreendedorismo feminino é um movimento que cresce a cada ano e vem transformando as relações sociais, ajudando as mulheres a conquistar o protagonismo em suas carreiras e a independência financeira. No Paraná, 32,7% de quem empreende são mulheres. Mas para embarcar na jornada de empreender é preciso disposição para se reinventar.
Ester Schimidt é dona de uma loja especializada em produtos de limpeza e suprimentos corporativos em Maringá, mas passou por muitos desafios e reinvenções até chegar onde está. A empreendedora, formada em Letras e que já atuou como fotógrafa, tem paixão por identificar oportunidades e desde pequena, não brincava de casinha, mas de lojinha. Para conquistar e se encontrar no próprio negócio, ela começou do zero, mais de uma vez.
Caçula de uma família com sete filhos, ela nasceu quando o pai, ferroviário, se aposentou. Os irmãos já eram crescidos e a mãe vendia alguns itens de vestuário para complementar a renda da casa. A menina, acompanhava e desenvolvia, aos poucos, o tino comercial. “Eu queria vender tudo que eu tinha, até as roupinhas da boneca”, relembra.
Na adolescência, a vontade era se tornar jornalista, mas ainda não havia o curso na cidade. Para “fugir” da matemática, acabou cursando Letras na Universidade Estadual de Maringá, mas durante a graduação, seguiu outro rumo para se sustentar. “Logo no início da minha vida profissional, trabalhei sempre na área comercial. Então, fui vendedora, fui vendedora de veículos, de implementos rodoviários, que são carretas, trabalhei em livrarias. Nunca tive a intenção de ser professora. Pensava talvez em atuar na área de tradução, ou de revisão de textos, mas fui seguindo sem muito propósito com o curso em si. E quando assim que eu terminei, em 2008, eu conheci meu atual esposo e comentei com ele a gente montar alguma coisa, que eu sempre tive vontade”, diz a empresária.
A primeira tentativa de empreender foi em uma indústria de confecção, mesmo sem conhecer nada da área. “A gente pensa assim: eu sou boa em uma coisa que eu vou ser excelente em todas. Eu tinha conhecimento comercial. Mas a gente esquece que quando a gente tem a nossa empresa, tem que ser bom em várias áreas, né”. O aprendizado veio a duras penas e a empresa fechou depois de pouco mais de dois anos.
Ester voltou ao mercado de trabalho e atuou como gerente e vendedora em lojas de diferentes ramos, mas a ideia de ter o próprio negócio ainda ardia no peito. Ainda assustada por ter quebrado a primeira empresa, começou a dar aulas de Português na rede estadual para aproveitar o conhecimento adquirido na faculdade, mas queria mesmo era trabalhar para ela, ser dona de sua própria empresa. Timidamente, ela começou a dar os primeiros passos para se reinventar novamente: passou a trabalhar com uma amiga, ajudando a preparar licitações.
Em 2017, Ester fundou um escritório de assessoria em licitações para empresas de diversos segmentos. Foram quase quatro anos de sociedade atendendo aos mais diversos segmentos. Quando a sócia se mudou para outro estado, o marido de Ester, que até então trabalhava com academias da terceira idade, se tornou sócio da esposa e os dois passaram a trabalhar juntos. Porém, a pandemia da covid-19 chegou, abalando as estruturas do novo negócio. “A gente viu que todo o foco mudou. A maioria das coisas pararam de ser comercializadas e outras entraram em evidência, que eram os produtos de limpeza. Como no período da assessoria eu atendi uma indústria de produtos químicos, eu fiquei com aquilo na cabeça. Já iniciei uma parceria com eles e abrimos também outros fornecedores para vender os produtos de combate ao Covid: álcool gel, tapetes sanitizantes, tudo o que se comprava muito no comércio público, de órgãos públicos, referente ao combate ao Covid”, conta.
Depois de três anos, Ester passou a atender não apenas o setor público, mas também empresas privadas e a vender no varejo, principalmente produtos de limpeza. “Eu atendo hoje desde um escritório com três, quatro funcionários, até uma indústria com 300, 400 funcionários. Todo mundo vai precisar de papel higiênico, papel toalha, desinfetante, água sanitária. E nesse meio tempo a gente foi vendo que também essas empresas queriam outras soluções. Ela também precisava de uma caneta, precisava de uma pasta, de um papel sulfite. E a gente foi inserindo esses outros produtos na nossa carteira, para facilitar a vida dessa empresa que precisa resolver tudo de uma maneira mais rápida, mais fácil, tudo num lugar só. A vantagem é que é um tipo de venda recorrente, ou seja, a empresa comprou isso, no mês que vem ela precisa novamente”.
O segredo para crescer no mercado tem sido focar no atendimento rápido e eficiente. “Nosso objetivo é crescer cada vez mais, talvez aumentar até um pouco mais o mix de produtos, para quando a empresa precisar de alguma coisa, ter o que ela precisa da maneira mais rápida, mais eficiente e com o melhor custo-benefício para ela”. A empreendedora diz que a necessidade de ser multitarefas mostra o quanto a mulher empreendedora é forte, tanto no ambiente profissional, quanto no familiar. “Hoje vemos cada vez mais as famílias sendo lideradas por mulheres, empresas sendo lideradas por mulheres, e mulheres essas que precisam estar fortes o tempo inteiro, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Em 2023, eu fui vice-presidente da Câmara da Mulher Empreendedora de Maringá, que é um órgão da Fecomércio, juntamente com o Sistema S. Participei também de um livro colaborativo, onde várias mulheres contam suas histórias e suas realizações, que se chama Empreendendo na Vida Real, porque eu acredito fielmente na nossa união, com o objetivo de nos fortalecermos e tornar a nossa caminhada um pouco mais leve”.
Investindo para se reinventar
Patricia Santini, consultora do Sebrae ressalta que apesar do aumento no número de negócios que têm o sexo feminino à frente de sua administração, o percentual de mulheres que empreendem ainda é menor do que o percentual de homens que têm negócios. “A gente percebe que a grande maioria das mulheres que tem um negócio, foram elas que criaram esse negócio sozinhas, a grande maioria com recursos próprios, com as economias que tinham, com os recursos que tinham às vezes investidos ou empregados em algum imóvel, coisas do tipo”. A motivação principal é dar uma condição melhor de vida para a própria família e ter flexibilidade de tempo para lidar com todos os papeis que ela exerce, porém, junto dela, está o senso de propósito, a vontade de fazer a diferença no mundo
“E o Sebrae tem produtos e atuação específica para mulheres. Nós temos um programa chamado Delas, onde a gente tem várias atividades com relação ao empreendedorismo feminino. Dentro do Paraná, a gente tem trazido um reposicionamento de atuação com a empreendedora feminina”, conta a consultora.
Reinventando-se e para ajudar outras
O número de mulheres empreendedoras vem crescendo, mas não de maneira igualitária. A maioria das empreendedoras paranaenses é branca (70,8 %), sendo 24,9% parda e 3,1% preta. Solange Gil de Azevedo é nascida em Maringá, mas diz que sempre sentiu dentro de si uma inquietude e um sentimento de não pertencimento à cidade. Aos 40 anos, ela embarcou em uma jornada de autodescoberta. “Passei por um processo de entender a minha origem ancestral, me autodeclaro uma mulher negra indígena, sou descendente de povos originários, descendente de povos que foram escravizados, mas principalmente de reis e rainhas africanas. Depois de me entender, depois de um processo de racialização, de entender o porquê da minha inquietude, de não sentir pertencente, conhecendo territórios quilombolas, conhecendo aldeias indígenas no Brasil no meu ano sabático, eu entendi porque que eu, às vezes, me sentia deslocada. Querendo ou não, quando a gente está muito distante da nossa cultura, a gente às vezes sente um vazio, e esse vazio eu consegui preencher no meu ano sabático”.
Sol trabalhou em grandes empresas com carteira assinada por muitos anos e saiu depois de passar por um burnout. A busca pela saúde mental motivou a busca por se reinventar. “Saí para uma jornada de autoconhecimento, para tentar me entender que vazio era esse que eu sentia dentro de mim”. O resultado da jornada foi o nascimento do sonho de criar um negócio para mulheres negras. “Eu sei o que é ser uma mulher negra numa sociedade racista, uma sociedade machista. A mulher negra está à margem da sociedade, ocupando sempre os piores cargos”, afirma.
Sol se tornou especialista em desenvolvimento humano, tem uma empresa de consultoria e treinamento e criou o projeto Impacta Pretas, que trabalha a autoestima e a autoconfiança no empreendedorismo feminino negro. “Um dos meus talentos naturais é inspirar pessoas, identificar suas potencialidades e também impulsioná-las. Então, eu entendi que fazia sentido eu trabalhar levando conhecimento, partilhando meus saberes, tanto adquiridos nas minhas vivências, quanto também adquiridos na minha trajetória intelectual. Tenho cinco especializações, tenho um mestrado, estou no processo de ir para o doutorado também. E eu também sou fruto de projeto social”, diz, relembrando o fato de ter, quando criança, sido acolhida em um projeto de atenção às famílias carentes – o núcleo social Papa João XXIII.
Ao disseminar conhecimento por meio da nova profissão, ela ajuda outras mulheres a se reinventarem. “É possível a gente contribuir com o desenvolvimento de pessoas, contribuir com o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, equitativa, igualitária. E hoje estou aí no desafio de ser uma empresária E entendo que a gente tem muito o que avançar enquanto mulheres. Lógico que muitas coisas mudaram na nossa sociedade, mas muita coisa precisa ser mudada ainda. Estou buscando ser uma ponte e uma protagonista nesse movimento de transformação social e impactar pretas”.