Pesquisadores de Maringá desenvolvem técnica inédita de ordenha e criam primeiro leite de coelha no Brasil
Pesquisadores do Departamento de Zootecnia da Universidade Estadual de Maringá (DZO/UEM) alcançaram um marco inédito para a cunicultura brasileira. Após dois anos de trabalho, a equipe consolidou o primeiro protocolo nacional de ordenha de coelhas e agora avança para a fase final de produção experimental de um leite artificial para láparos — produto inexistente no país e considerado estratégico para reduzir a mortalidade de filhotes.
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Reconhecida pelo baixo impacto ambiental e pelo alto valor nutricional de sua carne, a cunicultura enfrenta um desafio histórico: a perda significativa de animais no período de desmame. Embora uma coelha possa produzir até 12 filhotes por ninhada — chegando, em condições ideais, a cerca de 50 desmamados ao ano — a mortalidade entre 30 e 40 dias de vida atinge aproximadamente 20%. Na Fazenda Experimental de Iguatemi, onde a UEM mantém um plantel de 600 coelhos, incluindo 100 matrizes e 50 reprodutores, as perdas chamaram a atenção dos pesquisadores.
Uma das principais causas identificadas é a subnutrição, especialmente em ninhadas numerosas. “Hoje temos ninhadas com 12, 14, 16 filhotes, mas as fêmeas possuem apenas oito tetas. Existe uma limitação física que impede o fornecimento adequado de leite. A solução pode estar em uma fórmula artificial, como já existe para outras espécies”, explica Leandro Castilha, coordenador da cunicultura da UEM.
Desafio da ordenha
O desenvolvimento de um substituto lácteo exigia antes a coleta de leite natural em quantidade suficiente para análises. Mas a própria fisiologia da coelha tornou essa etapa especialmente complexa: o leite só é liberado mediante o estímulo direto do filhote, por meio de temperatura, sucção e movimentos da língua.
Métodos encontrados na literatura, massagens e tentativas com seringas falharam. A equipe então criou um protocolo inédito combinando indução hormonal, estímulo natural dos filhotes e acoplamento de um equipamento de sucção no momento exato da liberação do leite. Todo o processo foi realizado com rigor para evitar estresse na fêmea, fator que inibe completamente a lactação.
“Precisamos entender profundamente esse processo para conseguir não apenas a primeira gota, mas volumes capazes de atender às análises laboratoriais”, relata Silvio Leite, professor do DZO e autor do protocolo. Segundo ele, a dosagem hormonal exigiu cálculos precisos, com base em protocolos bovinos adaptados ao porte reduzido dos coelhos.
Com a técnica consolidada, foi possível coletar leite suficiente para análises de lactose, aminoácidos, ácidos graxos e vitaminas — dados essenciais para a formulação de um substituto equivalente ao leite materno.
Rumo ao primeiro leite artificial para coelhas no Brasil
A etapa atual do projeto consiste na formulação e nos primeiros testes do leite artificial. A expectativa é que a suplementação reduza drasticamente a mortalidade de láparos e aumente a eficiência produtiva da cadeia.
“Isso vai solucionar um problema real, traz esperança de maior lucro ao produtor e maior bem-estar aos animais, que estarão melhor alimentados. É também uma solução ética — queremos ver todos os animais nascidos desmamados, saudáveis e comercializáveis”, afirma Castilha.
Embora Europa, Estados Unidos e alguns países asiáticos já disponham de sucedâneos comerciais, o Brasil ainda não possui nenhuma formulação própria. A UEM pode inaugurar essa produção e, inclusive, patentar a tecnologia.
Impacto para a cadeia produtiva
O Paraná detém o terceiro maior plantel de coelhos do Brasil, com cerca de 33 mil animais, segundo o IBGE. A atividade, considerada um nicho em expansão, abastece desde o mercado de carne — valorizada pelo perfil nutricional e pelo baixo teor de colesterol — até a pesquisa biomédica. Coelhos fornecidos pela universidade são utilizados na produção de soros antiofídicos, vacinas veterinárias e estudos de fisiologia e transporte de tecidos.
Um sucedâneo nacional de qualidade pode fortalecer ainda mais esse setor, ampliando tanto a oferta de produtos quanto a disponibilidade de animais saudáveis para fins científicos e sanitários.
“Talvez a grande solução para o problema da mortalidade esteja justamente aqui: garantir leite em quantidade e qualidade, natural ou artificial”, reforça Castilha.
Com a fase de formulação em andamento e os testes de aceitação prestes a começar, a pesquisa conduzida pela UEM pode colocar o Brasil na rota de inovação da cunicultura mundial — unindo tecnologia, bem-estar animal e avanço científico.





