Refugiados: histórias de quem escolheu Maringá para recomeçar; ‘me sinto abençoada por chegar a esta cidade’

Deixar seu país de origem pode ser um sonho para muita gente. Mas para os refugiados, é apenas uma saída para ter seus direitos assegurados – direito a viver dignamente, à segurança, a buscar viver em paz.
O Dia Mundial do Refugiado é celebrado em 20 de junho e tem como objetivo homenagear a força e a coragem das pessoas que foram forçadas a deixar seus países de origem devido a conflitos, perseguições ou violações de direitos. Até o final de 2024, 123,2 milhões de pessoas de todo o planeta foram forçadas a se deslocar devido a perseguições, conflitos, guerras, violência urbana, violações de direitos humanos e eventos que de alguma forma perturbaram a normalidade e a ordem social em seus países. É o que mostra o relatório “Refúgio em Números”, divulgado pela ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados.
O documento aponta ainda que, no período de 2015 a 2024, o número de pessoas que se tornaram refugiadas praticamente dobrou em comparação ao levantamento anterior. Nesse mesmo período, o Brasil recebeu 454.165 pedidos de reconhecimento de condição de refugiados. As principais nacionalidades que solicitam asilo no Brasil são venezuelanos (266.862), cubanos (52.488), haitianos (37.283) e angolanos (18.435). Essas quatro nacionalidades correspondem por 82,6% do total de solicitações registradas no país na última década, mas elas não são as únicas.
A médica Fatima Darman, 34, se viu obrigada a deixar o Afeganistão com o marido e os dois filhos em 2022, buscando refúgio devido à situação política e de segurança agravada após a retomada do poder pelo Talibã. A família seguiu para o Paquistão, onde permaneceu por cinco meses, até conseguirem um visto humanitário e seguirem para o Brasil. A escolha do país se deu por conta de uma colega de trabalho de Fatima, uma psicóloga brasileira que atuava na mesma clínica e indicou que a refugiada viesse para Maringá, onde alguns amigos podiam ajudar a família nesse recomeço. A primeira barreira a ser vencida foi a língua. “Foi muito difícil, mas graças a Deus deu certo, nós conseguimos aprender”, conta.
Na cidade há quase três anos, a médica e o marido, que é cirurgião pediátrico, entraram no mestrado na Universidade Estadual de Maringá e, para complementar a renda, somando à bolsa que recebem, atuam como tradutores. O próximo desafio é passar pelos processos necessários para regularizarem a documentação e poderem exercer a medicina. Os dois já passaram pela primeira etapa do Revalida, o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos, e se preparam para a segunda parte da prova. “Queremos agradecer ao governo do Brasil, ao povo do Brasil, que são muito acolhedores. Nós estamos muito felizes e gratos a todas essas pessoas que abrem portas para nós, acolhem a gente com o coração, deram essa luz para nós conseguirmos atingir todos os nossos objetivos e conquistas maiores”, diz a médica afegã.

UEM oferece suporte a refugiados
O diretor do Escritório de Cooperação Internacional da Universidade Estadual de Maringá, professor Marcio Cassandre, cita o casal de médicos como uma das muitas ações da UEM voltada aos refugiados. “Desde o ano passado nós fazemos parte do grupo de 42 universidades brasileiras, instituições de ensino superior, que fazem parte da cátedra Sérgio Vieira de Mello. A cátedra está vinculada ao alto comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), e ela foi criada em 2023, como uma iniciativa da ONU para promover educação, pesquisa e extensão acadêmica voltadas à população refugiada no Brasil. As universidades vão garantir o acesso a direitos e serviços por meio de parcerias com essas instituições universitárias. O nosso protocolo de intenção foi assinado em 2025 e mostra a nossa preocupação com especificamente essa população de refugiados. É um problema humanitário que exige de nós soluções para que essas pessoas tenham os seus direitos”.
Cassandre frisa que a região sul é a terceira em número de solicitações de refúgio no Brasil. “Há uma divulgação de que a região sul é uma região com postos de trabalho, é um local próspero. E de fato, conforme algumas demandas do próprio estado do Paraná, há falta de mão de obra na indústria e essas pessoas poderiam ser qualificadas para esses postos de trabalho. Na cidade de Maringá nós temos então o CORMA, que é o Conselho Municipal de Refugiados, Migrantes e Apátricas, que converge várias instituições, por exemplo, as ONGs, que cuidam das pessoas que estão em situação de migração, nós, da Universidade de Estadual de Maringá, também o Conselho Regional de Psicologia, o Conselho Regional do Serviço Social, são entes que participam das discussões da cidade. Nós temos um edital específico, que é um edital para refugiados e imigrantes em situação de vulnerabilidade e são vagas remanescentes da universidade. Temos um processo simplificado, com um número bem reduzido de documentações, haja vistas situações de que alguns refugiados não possuem nem mesmo o passaporte. Então nós precisamos levar em consideração todas essas limitações”, diz.
O trabalho do município junto aos migrantes
Sandra Franchini, que está à frente da Secretaria de Juventude, Cidadania e Migrantes de Maringá, diz que a pasta auxilia em toda a documentação dos refugiados em parceria com a Polícia Federal e os auxilia na inserção no mercado de trabalho e no aprendizado da língua, com entidades que oferecem aulas de português. “Nós temos vários mutirões de empregabilidade para auxiliar esse migrante e temos também o Centro de Referência de Atendimento ao Migrante, em que nós acolhemos famílias que chegam em situação emergencial. Essa casa tem um regimento interno próprio, onde a família pode ficar por três meses, podendo se estender mais dois, e ela tem a alimentação e a estadia. E neste período, ela vai procurar um emprego e nós vamos acompanhá-los. Nós temos psicólogas, assistentes sociais que acompanham eles na escola, no trabalho, para daí ele sair dali e poder alugar sua casa, os filhos estarem encaminhados na vida escolar. É um atendimento muito organizado”, afirma a secretária.
ONGs auxiliam no acolhimento
A instabilidade no país de origem também foi o que moveu a venezuelana Silvia Prado em direção à Maringá, onde encontrou acolhimento. Em 2002, a Venezuela enfrentou uma tentativa de golpe de estado que resultou na deposição temporária do então presidente Hugo Chávez. Embora o golpe tenha falhado e Chávez tenha sido restaurado ao poder, o evento contribuiu para a instabilidade política e social que, posteriormente, impulsionou o êxodo de venezuelanos do país.
“Eu tinha loja, trabalhava como professora. O pai do meu filho trabalhava na indústria petroleira, tinha um bom salário. A gente tinha uma vida boa. Uma vida que dava para fazer coisas, comprar, passear. Não era rico, mas tinha uma vida boa. Depois de 2002, que aconteceu aquela desgraça, que foram demitidos 20 mil trabalhadores da indústria petroleira, mandaram ele embora, não pagaram um tostão. Eu fui vendendo minhas coisas e chegou um momento que eu tive que fechar a loja porque não conseguia levar mercadorias. Aí chegou uma época de muita crise lá no país. Não tinha produtos, não tinha remédio. A gente não conseguia comprar as coisas. Os serviços não funcionavam, o transporte público era uma calamidade”, relembra. Dois dos filhos dela vieram primeiro e um deles comprou a passagem para a mãe.

“Estou aqui em Maringá desde 3 de setembro de 2019. Foi um momento muito triste para mim sair do meu país, deixando uma parte da minha família lá, meus pais, irmãos, minha filha e meus três netos. Tinha medos, mas sempre com um otimismo de me adaptar. Posso falar que me sinto abençoada por chegar a esta cidade aqui e conhecer tantas pessoas maravilhosas”, afirma.
“Me sinto abençoada por chegar a esta cidade”
Ao chegar em terras maringaenses, Silvia recebeu ajuda do Instituto Sendas, uma ONG que ajuda a promover a integração de migrantes em Maringá e região. “É minha segunda casa desde que eu cheguei aqui”. A instituição a ajudou a transformar um hobby em profissão.
“Eu gostava da costura e o Instituto Sendas tinha umas máquinas bem antigas e o Erick [Pérez Ortuño, diretor do instituto] um dia arrumou e deu para mim. Também comecei a fazer um curso de costura no Instituto Isis Bruder. Aí fui convidada para uma fábrica de costura, trabalhei uns meses até que chegou a pandemia e aí virei desempregada de novo”.
Silvia começou a costurar máscaras de tecido durante a pandemia da Covid-19, se aperfeiçoou na costura e hoje vive dela no próprio ateliê. “É minha fonte de renda agora. Tenho minhas máquinas, faço roupas do zero, sob medida, consertos”, conta.

A ucraniana Halyna Yakovenko, de 24 anos, também refez a vida em Maringá após deixar a terra natal há três anos, com um projeto encabeçado por igrejas evangélicas, fugindo da guerra contra a Rússia, que não tem previsão de término. Estima-se que cerca de 6,8 milhões de ucranianos estejam refugiados em outros países. A jovem veio ao Brasil com os dois irmãos pequenos, deixando os pais na Ucrânia. Os homens adultos não podem sair do país e a mãe dela decidiu ficar com o marido, sabendo que os filhos estariam em segurança. “Os ataques estão em todo lugar, não tem lugar seguro”, diz.
As crianças se acostumaram facilmente com o Brasil e fizeram amigos. Já Halyna sofreu com a adaptação, inclusive alimentar. “Eu não como arroz todos os dias e para mim é super estranho, porque na Ucrânia tem muito mais opções de cereais que você cozinha, escolhe. Isso aqui foi estranho”, se diverte.
Muitas das famílias ucranianas que chegaram a Maringá com a jovem decidiram voltar para casa. Os irmãos dela partiram para a Alemanha quando a mãe decidiu procurar abrigo no país europeu depois de perceber que a guerra não cessaria tão cedo. Mas Halyna decidiu ficar no Brasil. “Eu senti que não vou voltar para Ucrânia. Me apaixonei pelo país ou algo assim, eu senti que tenho que ficar aqui no Brasil. Acredito que foi Deus que falou”.

A jovem ucraniana era barista no país de origem e foi este o primeiro trabalho que conseguiu na Cidade Canção. “É uma coisa que eu sei fazer e não preciso do idioma”, conta. Mas hoje, tendo o português como idioma principal e já fluente na língua, se tornou professora e dá aulas online de ucraniano e russo para brasileiros e de português para quem fala esses dois idiomas. Por meio de uma bolsa de estudos da UniCV, ela faz faculdade de psicopedagogia.

Apesar de toda a adaptação, a saudade e a preocupação com a família são constantes. “É difícil porque eu tenho uma irmã mais velha e ela tem filho pequeno, de seis meses. Meu pai assim ‘ah, eu tô tranquilo, o importante é que vocês estão bem’, mas eu gostaria que ele ficasse aqui comigo, num lugar seguro. Gostaria muito que eles estivessem aqui, só que não estão”.