‘Santo popular’ e padre sepultado junto ao povo: Os túmulos mais visitados do Cemitério de Maringá


Por Redação GMC Online

No dia de Finados, celebrado neste sábado, 2 de novembro, muitas pessoas vão aos cemitérios para visitar seus entes queridos que já os deixaram. Além disso, é comum que algumas sepulturas recebam visitantes que não sejam familiares, por representarem histórias e significados que permeiam a comunidade.

Em Maringá, os dois túmulos mais visitados do Cemitério Municipal possuem detalhes em comum, que envolvem religiosidade, devoção e a popularidade de seus personagens. 

De um lado, o ‘santo popular’ Clodimar Pedrosa Lô e, do outro, o ‘popular padre’ Bernard. O GMC Online conta abaixo as histórias das duas figuras históricas de Maringá. Confira!

Clodimar Pedrosa Lô

O túmulo de Clodimar Pedrosa Lô permanece como o mais visitado do Cemitério Municipal de Maringá. O adolescente nordestino foi preso, torturado e morto por policiais, na madrugada de 24 de novembro de 1967. A história virou livro, filmes, música e documentário.

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Nascido em 23 de janeiro de 1952, ele tinha 15 anos na época. Lô tinha vindo do Ceará para estudar, trabalhar e morar com o tio em Maringá. O jovem trabalhava no antigo Hotel Palace, na Avenida Brasil, quando um cliente teve dinheiro supostamente furtado. O garoto foi apontado como o autor do crime. 

Por horas, ele foi agredido e torturado pelos soldados Beneval Merêncio Bezerra e Manoel Gerson Maia, nas dependências da primeira delegacia de Maringá, onde hoje fica o Corpo de Bombeiros. Clodimar teve agulhas espetadas debaixo das unhas e nas partes íntimas, além de ter sofrido abuso sexual com um cassetete. O menino levou tantos socos e chutes, que a sola do coturno de um dos policiais ficou marcada em sua pele. 

Lotados na então 13.ª Subdivisão de Polícia de Maringá, os soldados foram indiciados pelo assassinato de Clodimar e presos um ano depois.

Imagem de 1968, quando a “Folha do Norte do Paraná” informou em primeira mão a prisão dos ex-policiais foragidos, com a chamada de capa: “Polícia Militar do Estado descobre matadores de Clodimar: Gerson e Beneval presos” | Fonte: Livro – Sala dos Suplícios: o dossiê do caso Clodimar Pedrosa Lô / Acervo Maringá Histórica

O oficial de Justiça Rafael Garcia foi o responsável por levar o corpo de Clodimar para ser autopsiado em Curitiba. “Saímos bem cedo com o carro da extinta funerária Cruzeiro. O corpo do rapaz estava sob minha responsabilidade. Foi uma coisa horrível. O garoto morreu de tanta pancada na cabeça. Não dá pra esquecer”, contou em entrevista ao Projeto Maringá Histórica.

O caso, já na época do ocorrido, tomou uma grande proporção na sociedade maringaense. Desde os jornais até os desdobramentos jurídicos, uma comoção surgiu em razão da violência praticada sobre o menino Lô. 

Sua foto mais famosa é a que está em sua lápide, onde seu rosto aparece completamente desfigurado. Nesta imagem, Clodimar Pedrosa Lô aparece em vida. É possível que essa imagem tenha sido feita meses antes de sua morte | Fonte: Contribuição de JC Cecílio / Acervo Maringá Histórica

Vingança

Em 15 de outubro de 1970, o pai de Clodimar, Sebastião Pedrosa Lô, revoltado com tamanha crueldade, veio do Ceará até Maringá com o único propósito de vingança. Dessa forma, ele assassinou a tiros o gerente do hotel que entregou seu filho aos policiais, Attílio Farris.

Depois, Sebastião entregou-se e foi preso. Julgado três vezes em júris populares, foi inocentado e obteve liberdade em 1972. 

Sebastião Pedrosa Lô no banco dos réus, em 1970/1971 | Fonte: Livro Suplicas na Sala dos Suplícios; Revista Pois É – 1987 e Blog do Rigon

‘Santo popular’

Após sua morte, Clodimar se tornou alvo de devoções da população, sendo alegado de conceder inúmeras graças e milagres a fiéis religiosos. Por isso, o menino é considerado um ‘santo popular’ não reconhecido pela Igreja Católica.

Milagres atribuídos ao jovem foram sempre rejeitados pela família. Seu tio, o pastor Oésio Pedrosa, durante anos distribuiu um pequeno folheto detalhando as circunstâncias da morte do neto e descartando casos que o associavam a fatos inexplicáveis. 

Atualmente, o túmulo de Clodimar Pedrosa Lô possui dezenas de placas que referenciam graças alcançadas pelos devotos. Ano após ano, a sepultura, localizada na quadra 33, fica repleta de flores, velas e agradecimentos. 

Foto: Felippe Gabriel/GMC Online

Monsenhor Bernard A. Cnudde

A segunda sepultura mais visitada é a do monsenhor Bernard Abel Alphonse Cnudde, um padre popular que atuou por 31 anos como pároco da Paróquia Divino Espírito Santo, na Zona 7 de Maringá. Nascido em Saint Saulve, na França, em 1939, ele veio parar na Cidade Canção após ser convidado, em 1965, quando ainda era diácono, por Dom Jaime Luiz Coelho, 1° Arcebispo de Maringá. 

Dom Jaime o encontrou em uma visita ao seminário no qual Bernard estudava e descobriu seu interesse em conhecer o Brasil. Então, o sacerdote o provocou dizendo que para conhecer o Brasil era preciso viver nele. 

Foto: Arquivo

Quando ordenado padre em 29/06/1966, podendo optar entre o Haiti e o Brasil, Bernard veio para cá. Mesmo falando pouco português, veio atuar na Diocese de Maringá, onde já havia outros sacerdotes franceses trabalhando.

Monsenhor Bernard iniciou seus trabalhos como vigário colaborador, na Paróquia Santa Maria Goretti, na Zona 7, depois auxiliou por 18 meses na Paróquia Santa Isabel do Ivaí, na Diocese de Paranavaí, até 1968.

Em 1969, retornou para a Arquidiocese de Maringá, atuando na paróquia Divino Espírito Santo. Permaneceu lá até 20 de novembro de 2000, quando veio a óbito. Ele faleceu de infarto fulminante, enquanto descansava em sua residência.

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Velório lotado

O corpo do padre foi velado na Paróquia Divino Espírito Santo, como descreve a pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Marcia Regina de Oliveira Lupion, em seu artigo “Padre Bernardo: Uma devoção contingente”, de 2021:

“[…] foi visto por fiéis de todas as idades, obrigando formar filas para evitar tumultos. No início da tarde, teve uma grande multidão que se espremia dentro do templo, enquanto milhares de pessoas permaneciam silenciosas e vigilantes do lado de fora, espalhando-se pela praça. Muitas pessoas que se aproximavam da urna funerária não se continham, chorando discretamente e beijando as mãos pálidas do morto. 

Foi celebrada uma missa em sua homenagem de quase duas horas. O cortejo foi acompanhado a pé por centenas de pessoas. O trânsito foi interrompido para a passagem do cortejo. A família do padre, em virtude da distância, não conseguiu chegar a tempo do enterro”.

Cortejo fúnebre do Monsenhor Bernard em carro de bombeiros | Foto Arquivo

Segundo a Arquidiocese de Maringá, ele tinha um desejo: “não queria ser sepultado no cemitério Rainha da Paz, que é dedicado aos religiosos da Igreja Católica. Ele queria ser enterrado com o povo”. Por isso, foi sepultado no Cemitério Municipal. O túmulo fica na quadra 7, ao lado do cruzeiro principal do cemitério.

Repercussões da morte

A população foi surpreendida com a morte repentina do Monsenhor Bernard, mas logo as especulações começaram a surgir. A comunidade tinha conhecimento de que o sacerdote era fumante e apreciava a cerveja. 

Em seu atestado de óbito, a médica responsável Leila Facum descreveu os motivos da morte como “arritmia ventricular, infarto do miocárdio e tabagismo”.

A morte do padre foi matéria de capa do jornal O Diário de Maringá por dois dias seguidos, além de diversas outras reportagens. Em uma delas, havia uma ênfase em seu apreço pelo cigarro, que dizia: “O secretário esclareceu que o padre fumava bastante e disse que o sacerdote largaria o vício depois que o médico determinasse”.

1/3 Capa jo Jornal O Diário, com a notícia da morte do padre | Foto: Arquivo
2/3 Notícia pelo segundo dia consecutivo no jornal | Foto: Arquivo
3/3 Artigo sobre a morte do padre com ênfase em seu tabagismo | Foto: Arquivo

Popularidade

Mesmo em vida, Monsenhor Bernard tinha muita popularidade pela forma que tratava os fiéis e como estes atribuíam curas e milagres a ele. Lupion retrata em seu artigo a fala da pesquisadora em religiões e religiosidades Vanda Fortuna Serafim, também da UEM, que destaca a atuação do pároco na prática do exorcismo:

“Monsenhor Bernard era o único padre da região, autorizado pelo bispo a realizar exorcismos. Era popular entre os fiéis que o procuravam quando os problemas e as dificuldades apareciam. […] Nas palavras de Dom Murilo Krieger, aos olhos de alguns, o Padre Bernard era um bondoso acolhedor, tinha o dom de, com as palavras, animar aos tristes e abatidos. Era carinhoso com as crianças e obtinha-lhes cura através de suas orações. Os leigos viam nele o humor constante e a capacidade de trazer uma palavra de conforto em meio a tantas desgraças, e os padres poderiam retratar o prazer com o qual preparava uma refeição aos seus irmãos no sacerdócio”.

Jornal de 1998 | Foto: Arquivo

Com tanto apreço pela comunidade, Monsenhor Bernard Cnudde recebeu, em 26 de agosto de 1998, o Título de Cidadão Benemérito de Maringá. A honraria foi outorgada pela Lei nº 4660 e sancionada pelo então prefeito Jairo Morais Gianoto.

Após sua morte, a praça onde fica localizada a paróquia Divino Espírito Santo foi rebatizada com seu nome | Foto: Felippe Gabriel/GMC Online

Contatos pós-morte

Outro motivo que popularizou a trajetória de Monsenhor Bernard foram as alegações de que ele manteve contatos espirituais com vivos após sua morte. O caso mais famoso é o do massoterapeuta Carlos de Souza que, em 2004, divulgou ao jornal O Diário ter tido contato com o padre durante anos. 

Segundo Carlos, ele nunca havia exposto a situação até então, pois receava os comentários que poderia suscitar, principalmente por parte das pessoas incrédulas e maliciosas. O massoterapeuta contou, na época, que as primeiras aparições do Monsenhor aconteceram em 2002, que lhe pedia para resolver questões que o padre havia deixado em aberto enquanto era vivo.

Com informações do Projeto Maringá Histórica e de “Padre Bernardo: Uma devoção contingente” (Lupion, 2021).

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