Até o dia 22 de junho, o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Estado de São Paulo registrou 178 casos de coqueluche. Em apenas seis meses deste ano, o número é três vezes maior do que o registrado no ano passado inteiro, quando 52 casos da doença foram notificados no Estado. Segundo o CVE, nenhuma morte foi registrada.
A crescente de casos em São Paulo segue a tendência de aumento na prevalência da doença no mundo e preocupa especialmente a Europa por causa da alta concentração de visitantes que o continente vai receber por causa das Olimpíadas. Dezessete países da Europa e a China tiveram aumento de infecções neste ano.
Em maio, o Centro Europeu de Controle e Prevenção das Doenças (ECDC, na sigla em inglês) alertou que o continente registrou 32 mil casos de coqueluche apenas nos três primeiros meses de 2024, superando o total de registros de 2023 inteiro, que foi de 25 mil casos. Na China, foram notificados 32.380 casos e 13 óbitos por coqueluche até fevereiro. Dessa forma, o Ministério da Saúde publicou uma nova nota técnica em junho alertando para a situação da doença no mundo, que pode se repetir no Brasil.
Causada pela bactéria Bordetella Pertussis e conhecida também como tosse comprida, a coqueluche é uma infecção respiratória que, na primeira fase da doença, tem sintomas muito semelhantes aos da gripe, o que dificulta o diagnóstico logo de início. Ela é transmitida pelo contato com secreções de uma pessoa contaminada, seja em objetos infectados ou por gotículas disseminadas na fala e na tosse.
Vale lembrar que a coqueluche é uma infecção prevenível por meio da vacinação. Com os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris se aproximando e a agência de saúde francesa Santé Publique confirmando uma situação epidêmica estabelecida da doença na França, o Ministério da Saúde brasileiro emitiu nova nota técnica orientando que atletas e delegações atualizem as vacinas necessárias antes de viajar. Entre os imunizantes destacados para adultos não vacinados anteriormente, está o DTP (difteria, tétano e pertussis ou coqueluche).
Surtos de coqueluche x cobertura vacinal
A infecção nunca foi erradicada e, em momentos de maior vulnerabilidade da população, ela reaparece. O último surto no Brasil foi em 2014, quando o País registrou 8.614 casos e o Estado de São Paulo teve 2.216 casos confirmados.
Segundo Raquel Stucchi, infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os surtos acontecem quando há baixa cobertura vacinal.
A vacinação contra a coqueluche é feita com o imunizante pentavalente, com aplicação gratuita pelo SUS aos 2, 4 e 6 meses de idade, com intervalo de 60 dias entre as doses. Segundo a Secretaria da Saúde de SP, a cobertura vacinal da pentavalente neste ano alcançou 71,2%, abaixo da meta de 95%. Os
Além da queda na cobertura vacinal, a alta transmissibilidade da doença também contribui com a facilidade da coqueluche se espalhar – cada pessoa contaminada pode contaminar cerca de 10 a 15 outros indivíduos, segundo Raquel. Junto a esses fatores, está também a confusão dos sintomas de tosse comprida e outras infecções respiratórias, como a gripe e a covid-19.
“Algumas pessoas podem ter um quadro menos típico, não tão grave da coqueluche. São pessoas que ficam tossindo muito tempo, muitas vezes mais de duas semanas. Não percebem, não sabem o diagnóstico, mas elas ficam transmitindo”, explica a infectologista.
Bebês são grupo de risco
Nesse cenário, há grupos que estão mais vulneráveis a manifestações graves se forem contaminados pela bactéria da coqueluche: os bebês são o público de maior risco, mas idosos, gestantes e pessoas com comorbidades também são vulneráveis a quadros mais graves.
No geral, bebês com menos de um ano, especialmente aqueles com até seis meses. podem apresentar complicações como desidratação, pneumonia, convulsões e lesão cerebral. Nesse público, a coqueluche pode levar à morte.
Sintomas em três fases
O quadro típico da coqueluche pode ser dividido em três fases. Na primeira, chamada de fase catarral, a pessoa apresenta tosse leve e bastante coriza. Nessa etapa, o paciente também pode ter febre e mal-estar. Como todos esses sinais são muito semelhantes aos da gripe, o diagnóstico nessa fase é difícil até mesmo para profissionais da saúde.
Ao mesmo tempo, a fase catarral é especialmente transmissível. Por isso, Raquel aconselha o uso de máscara caso uma pessoa perceba qualquer sintoma respiratório. “Não importa se eu acho que é de alergia, se é só um resfriado. Use máscara. Se eu tiver com alguma dessas doenças, a máscara impede que eu transmita”, alerta. Esse cuidado deve ser redobrado em ambientes fechados e em contato com crianças, idosos, gestantes e pessoas com comorbidades.
A segunda fase da coqueluche é marcada por tosse persistente e seca, que dura mais de dez dias. Ao identificar esse padrão, é preciso buscar atendimento médico para confirmar o diagnóstico.
Por fim, a terceira fase da doença continua tendo a tosse como sintoma, mas dessa vez, há um diferencial. Na tosse paroxística, uma pessoa tem a necessidade súbita de tossir e faz isso diversas vezes em sequência, o que leva à falta de ar. Chamado de guincho inspiratório, há um som específico após o final da crise de tosses, que pode levar ao vômito ou engasgo.
Essas crises de tosse podem levar a complicações mesmo em adultos. Segundo Raquel, as mais comuns são acidente vascular isquêmico e danos ao pulmão. Pela falta de oxigenação no sangue, a pessoa pode ter também arritmia cardíaca. De acordo com o Ministério da Saúde, outra complicação possível são as hérnias abdominais.
Caso o diagnóstico de coqueluche se confirme, o tratamento é feito com antibióticos, que devem ser prescritos por um médico especialista.
Prevenção
A vacinação contra coqueluche é a principal maneira de prevenir a doença e proteger os grupos mais vulneráveis. Além da pentavalente, disponível no SUS para crianças, a vacina tríplice bacteriana acelular (dTpa) também garante proteção contra a coqueluche e é aplicada gratuitamente em profissionais de saúde e gestantes a partir da 20ª semana de gravidez.
“A mulher toma essa vacina a cada gestação, porque o objetivo não é só proteger a gestante, mas já passar uma proteção para o bebê, que só vai ser vacinado com dois meses de vida”, explica Raquel.
Em nota técnica publicada no início de junho, o Ministério da Saúde ampliou a vacinação com a tríplice bacteriana em caráter excepcional. Além de profissionais da saúde, parteiras tradicionais e estagiários da saúde de maternidade e UTIs neonatal, a imunização também é recomendada para trabalhadores de:
- Ginecologia e obstetrícia;
- Pediatria;
- Parto e pós-parto imediato;
- Berçários;
- Creches com crianças até 4 anos;
- Doulas
Vale lembrar que a imunidade adquirida pela vacina não é permanente. Segundo o Ministério da Saúde, após 5 a 10 anos da última dose, a proteção pode ser pouca ou inexistente. Em pessoas que já foram infectadas pela bactéria da coqueluche, acontece o mesmo.
De acordo com a infectologista da SBI, todo adulto deveria receber o reforço da tríplice bacteriana a cada 8 ou 10 anos. No entanto, essas doses ainda não estão incorporadas no calendário de vacinação para adultos.
“Se puderem, devem procurar a saúde suplementar para fazer essa vacina”, diz Raquel. Existe a recomendação, inclusive, de que pessoas que irão conviver com um bebê – pais, avós, cuidadores – tomem a tríplice bacteriana, se possível.
Além da vacinação, outras formas de evitar a transmissão da coqueluche incluem o uso de máscaras frente ao aparecimento de qualquer sintoma respiratório e a busca por atendimento médico caso a tosse persistir por mais de dez dias para início do tratamento.