Defensoras criam protocolo para auxiliar mulheres que ‘peregrinam’ em busca do aborto legal
Em uma tentativa de padronizar protocolos e facilitar o encaminhamento de mulheres que buscam assistência para fazer o aborto legal, defensoras públicas de nove Estados criaram uma cartilha com informações e orientações para distribuir internamente. O documento sistematiza marcos legais e normativos sobre o aborto e oferece até modelos de petições que os defensores públicos podem usar nos atendimentos.
A ideia surgiu de uma necessidade prática. Com frequência, os Núcleos de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, braços das Defensorias dos Estados especializados nos direitos sexuais e reprodutivos, são acionados para responder dúvidas sobre o aborto legal. O protocolo foi pensado como um material de consulta para defensores de todo o País.
O aborto no Brasil é permitido em três situações – violência sexual, risco de morte para a gestante ou feto com anencefalia. Embora esse seja um direito previsto em lei, a criminalização do procedimento afeta inclusive os casos ressalvados na legislação.
“Há um estigma que circunda o tema, que afeta inclusive os casos de aborto legal, mas o aborto é um direito legal e reprodutivo das mulheres. Essa carga valorativa negativa dificulta que as mulheres busquem os seus direitos”, avalia a defensora pública Mariana Nunes, do Paraná, uma das profissionais envolvidas no projeto.
O trabalho da Defensoria Pública nos casos de aborto legal é, essencialmente, extrajudicial. O foco é assegurar que as mulheres tenham o direito garantido no menor tempo possível. Não há necessidade de autorização judicial para os casos previstos em lei.
O Código Penal também não prevê limite da idade gestacional para o procedimento. Com isso, os marcos temporais variam entre os Estados. A burocracia torna o trâmite demorado e, muitas vezes, os defensores se veem em uma “corrida contra o tempo”, conta Mariana. Não é raro que as pacientes sejam encaminhadas para outras cidades.
As dificuldades vão desde exigências indevidas nas unidades de saúde, como exames e boletins de ocorrência nos casos de violência sexual, até a falta de profissionais para fazer o procedimento. O resultado é uma “peregrinação” em busca do atendimento, afirma a defensora. “Muitas vezes os serviços incutem medo, culpa e dúvida nas mulheres.”
Os médicos não são obrigados a fazer o aborto, eles têm a prerrogativa de invocar a chamada “objeção de consciência”, mas os hospitais precisam assegurar o atendimento por outro profissional.
“A objeção de consciência não é um direito absoluto. Ele não está acima do direito ao atendimento digno, à vida, à saúde das pacientes. Além disso, é um direito do profissional e não dos estabelecimentos”, explica a defensora pública Lívia Almeida, da Bahia.
Os casos de estupro têm atenção especial, para evitar a revitimização da mulher. A vítima não é obrigada a procurar a polícia nem a denunciar o agressor. Esses são os atendimentos mais sensíveis, segundo Lívia. “Há uma misoginia. As mulheres são culpabilizadas pela própria violência sexual que sofreram.”
As Defensorias Públicas têm buscado aproximação com as redes de saúde para facilitar o fluxo de atendimento e dar suporte aos profissionais nos casos que encaminham. Outro esforço é para tornar as informações sobre o aborto legal mais acessíveis.
“A falta de informação sobre o direito e sobre os serviços é um gargalo grande. Muitos lugares fazem o procedimento, mas não divulgam. O nosso trabalho é de educação em direitos, de articulação com os serviços e secretarias de Saúde, para trazer segurança aos profissionais que cumprem o seu dever e assegurar o direito das mulheres.”