Número de mortos vai a 62; empresa alega falha técnica no check-in
A tragédia na cidade de Vinhedo ficou maior neste sábado, 10, depois que a companhia aérea Voepass (antiga Passaredo) corrigiu para 62 o número de mortos na queda de sua aeronave na cidade do interior paulista, na sexta-feira, 9. No balanço feito no dia do acidente, a companhia havia reportado 61 mortos. A empresa atribuiu o erro a uma falha técnica no momento do check-in, que deixou o nome do 58.º passageiro – Constantino Thé Maia – de fora da lista de vítimas.
A Voepass alegou ontem que o nome de Constantino não apareceu inicialmente na lista de passageiros embarcados “por uma questão técnica identificada pela companhia referente às validações de check-in, validação do boarding e contagem de passageiros embarcados”. A empresa, porém, não detalhou qual foi o problema técnico que causou a divergência nas listas. “Em respeito à identidade do passageiro e de sua família, a Voepass decidiu confirmar a informação de que Constantino estava a bordo do voo 2283 somente quando não houvesse dúvidas”, disse a companhia.
No início da noite de ontem, a Defesa Civil de São Paulo confirmou que os 62 corpos da tragédia haviam sido retirados do local da queda e levados para o Instituto Médico-Legal (IML) Central, na capital paulista. Segundo o boletim oficial, 30 corpos passaram por necropsia e radiografia. Entre as vítimas já identificadas estavam o piloto Danilo Santos Romano, de 35 anos, e Humberto de Campos Alencar e Silva, de 61 anos, copiloto que acumulava mais de 5 mil horas de voo. A tripulação de quatro integrantes era composta também pelas comissárias Debora Soper Avila e Rubia Silva de Lima.
Familiares
Famílias das vítimas começaram a ser instaladas ontem em hotéis da capital para a dura tarefa de colaborar com o trabalho de reconhecimento de corpos. O governo de São Paulo realiza o atendimento aos parentes no auditório do Instituto Oscar Freire – Faculdade de Medicina, a poucos metros do IML Central, em Cerqueira Cesar.
Entre elas, estava a do último passageiro identificado, que vive agora a angústia pela liberação dos corpos. O representante comercial Ricardo Thé Maia, irmão de Constantino, conta que viajou de Natal (RN) a São Paulo – com uma passagem cedida pela própria companhia aérea — sem a confirmação da morte do Constantino, que era o do meio de uma família de cinco irmãos. Os dois trabalhavam juntos. A confirmação só veio neste sábado pela manhã.
“Nós sabíamos que a chance era pequena porque ele falou com a gente do aeroporto, mas o nome dele não estava na lista oficial”, diz o irmão que completou 46 anos exatamente ontem. “Como era meu aniversário, eu sabia que ele estaria presente. Por isso tinha poucas esperanças quando vim a São Paulo.” Ao longo do dia, Ricardo foi até o Instituto Médico Legal para a coleta de DNA, aquele exame tradicional com a coleta do material genético no céu da boca. Em seguida, participou de uma reunião com representantes da Voepass e do IML.
Ele conta que recebeu informações sobre três formas de identificação das vítimas. A primeira, mais simples e mais rápida, pode ser feita pelas impressões digitais, caso elas estejam preservadas. A segunda opção é por meio da arcada dentária, fotos de tatuagens e cirurgias – Constantino foi submetido a um procedimento de hérnia de disco. A terceira opção – mais complexa e demorada – é a análise do material genético. “O pessoal do IML disse que esse processo pode levar até 30 dias.”
Segundo o governo do Estado, o IML Central está mais equipado para atender essa emergência, pois conta com mais de 40 médicos, além de equipes de odontologia legal, antropologia e radiologia. Em 2007, agentes do órgão chegaram a trabalhar 40 horas seguidas na identificação das vítimas da tragédia da TAM. Em entrevista coletiva na porta do instituto, ontem, o tenente da Defesa Civil de São Paulo Ramatuel Silvino afirmou que corpos recebidos inicialmente estava em melhores condições de identificação porque foram mais fáceis de serem retirados da fuselagem. Em outros casos, os corpos foram mais afetados pelo fogo posterior à explosão na queda..
Dificuldades
Segundo o tenente-coronel Araújo Monteiro, chefe de gabinete da Defesa Civil do Estado de São Paulo, ainda não era possível saber quando os corpos identificados seriam liberados. Ele explicou que o trabalho de retirada em Vinhedo enfrentou dificuldades por causa da quantidade de escombros e de combustível queimado.
A tenente Olivia Perroni, porta-voz do Corpo de Bombeiros local, também falou sobre as dificuldades e descreveu o cenário encontrado no local da queda do ATR 72-500 como trágico. “É difícil encontrar palavras”, disse. “Com a violência do impacto e o incêndio, foi preciso um trabalho minucioso para retirar e preservar ao máximo a integridade desses corpos. O avião inteiro ficou muito prejudicado e a parte mais preservada é a traseira, onde não havia passageiros. A maioria dos corpos está carbonizada.”
À noite, a tenente explicou que a retirada de corpos foi concluída 29 horas após o acidente, em uma operação que reuniu representantes das polícias Militar, Civil e Federal, guarda municipal, Defesa Civil, Cenipa e mobilizou cerca de 250 pessoas, além da colaboração de moradores (mais informações na página A21).
O delegado da Polícia Federal Rodrigo Luis Sanfurgo explicou ao Estadão que o trabalho da corporação no local da queda da aeronave também foi minucioso. A prioridade, segundo ele, era remover os corpos das vítimas de forma a permitir a identificação. “É um trabalho delicado, sensível e extremamente respeitoso”, afirmou. “Bens, objetos pessoais, posição na aeronave, todos os fatores estão sendo analisados de forma minuciosa e cuidadosa para possibilitar a identificação”, disse.
Pesadelo
Ainda tentando entender o que havia acontecido, parentes que buscaram o aeroporto de Cascavel, no Paraná, na noite de sexta-feira, passaram a noite em um hotel da cidade. Eles foram cadastrados por peritos criminais da Polícia Civil e tiveram material biológico coletado, num trabalho que durou até a madrugada. Ontem, eles seguiram em voos fretados para São Paulo para iniciar os procedimentos para a liberação dos corpos.
A cidade de Cascavel decretou luto oficial de três dias e colocou um ginásio de esportes à disposição das famílias para um velório coletivo.
Em São Paulo, o capitão Roberto Farina, diretor de Comunicação da Defesa Civil do Estado, disse que os parentes da tripulação ficariam hospedados em um hotel no bairro do Tatuapé, enquanto os parentes dos passageiros seriam acomodados em um hotel no centro da cidade. Farina explicou que, nos hotéis as famílias receberiam um acolhimento inicial e, depois, apoio psicológico e jurídico. Esses profissionais também fornecem informações práticas sobre o traslado dos corpos e outras questões.
A Defensoria Pública de São Paulo afirmou ontem que estava atuando no Instituto Oscar Freire em uma força-tarefa, que envolve diversos órgãos, para prestar atendimento centralizado às famílias das vítimas. Além da Defensoria, o IML, o Serviço Funerário, o Ministério Público e outros órgãos estão presentes.
Representantes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e da Defesa Civil de São Paulo estão monitorando as iniciativas da Voepass para amparar e auxiliar as famílias das vítimas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também está sendo consultada.
Processo
Além disso, a chefe da Defensoria Pública de São Paulo Luciana Jordão afirmou que as Defensorias de São Paulo e do Paraná estão atuando de forma conjunta no acolhimento das famílias.
Quanto à possibilidade de processar a companhia aérea, Luciana Jordão esclareceu que esse assunto não está sendo abordado no momento. “Nosso primeiro foco agora é o acolhimento dessas famílias”, disse ela, acrescentando que os parentes das vítimas poderão contar com o auxílio jurídico da Defensoria quando for o momento. “As instituições trabalharão em conjunto nessa questão, mas em uma etapa posterior”, explicou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.