O bilhete que o padre Júlio Lancellotti recebeu com ameaças no domingo, 27, expressa o ódio às pessoas em situação de rua, segmento historicamente defendido pelo religioso de 72 anos. A interpretação foi feita pelo próprio padre nesta terça-feira ao Estadão.
“É um sintoma de um ódio contra a população de rua, como diz o próprio bilhete. Eles olham para mim e veem isso. Não é o ódio por ser um padre. É o ódio por ser um padre comprometido com a população de rua. Eles sempre citam isso, falam dos direitos humanos, para me ofender”, disse. “O que me causa impacto é alguém fazer deliberadamente maldade para o outro e tentar ferir o outro”.
A mensagem, deixada na porta da Paróquia São Miguel Arcanjo, na zona leste, no domingo de manhã, dizia “seu dia de reinado vai acabar, pode esperar”. O texto diz ainda que o padre é um “defensor dos direitos dos bandidos” e que ele “usa o povo” para se “favorecer”, além de chamá-lo de “petista vagabundo”.
De acordo com a polícia, um idoso de 72 anos confessou ser o autor do bilhete e foi encaminhado ao 8º Distrito Policial, no Brás. Durante depoimento, ele alegou que conhecia o padre e que “não pretendia fazer, efetivamente, mal a ele”. O caso foi registrado na delegacia como injúria e ameaça.
O religioso conta que apenas se entristeceu ao ler o bilhete. “Eu li, dobrei e não falei nada para ninguém. Meu primeiro sentimento foi de tristeza de ver alguém que senta, pega um papel, uma caneta, escreve, dobra, caminha até a igreja e deixa lá. Não é uma coisa impulsiva. É algo do qual você se arrepender e voltar para trás. Você pode escrever e rasgar. Pode desistir”.
Depois da mensagem, o domingo foi difícil. Mas o padre conseguiu rezar todas as missas. Foi apenas nas cerimônias de batismo das 16h que ele se emocionou.
“Às quatro da tarde, eu tinha de batizar algumas crianças. E a polícia já estava lá. Eu estava muito emocionado. Tive dificuldades. Foi o carinho das pessoas que me fez ir para a frente. Na última missa, eu já sabia quem era. Nós rezamos por ele para amainar a cultura de ódio”.
Júlio Lancellotti é conhecido há décadas por seu trabalho de assistência a pessoas em situação de rua. Nas redes sociais, ele denuncia casos de violência policial e de construções que restringem o uso do espaço público. A lei que proíbe esse tipo de estrutura hostil leva seu nome.
Esta não é a primeira vez que o padre é ameaçado. Em 2018, entidades de Direitos Humanos entraram com uma representação no Ministério Público depois que o padre recebeu ameaças de morte.
Homenagem
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu a Ordem do Mérito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no grau de Grã-Cruz, ao padre Júlio Lancellotti. Essa homenagem é agraciada a pessoas que tiveram atuações de destaque que envolvem a pasta. A medida foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta terça-feira, 29, e carrega a assinatura do presidente e do ministro da Justiça, Flávio Dino.