Para analistas, gelo na asa pode ser a causa; FAB diz que voo não informou falha


Por Agência Estado
image
Foto: Reprodução

As condições climáticas estão entre as hipóteses mais fortes para explicar a queda do avião em Vinhedo, no interior de São Paulo nesta sexta-feira, 9. Imagens do acidente mostram a aeronave caindo em um giro vertical, posição chamada no meio da aviação de “parafuso chato”, o que é apontado como principal indicativo de que o acidente ocorreu em razão de uma perda de sustentação, o “estol”. Segundo especialistas, a perda de sustentação pode estar associada à formação de gelo nas asas do avião. O voo não reportou emergência, de acordo com o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa).

“Toda vez que cai assim é porque a asa perdeu a sustentação. Se os comandos não estivessem travados pelo gelo, ele poderia recuperar. Mas, mesmo assim, em uma queda nessa posição e dependendo do acúmulo de gelo, talvez até um piloto com muita experiência em acrobacia teria dificuldade em sair”, afirmou o diretor do Instituto Brasileiro de Segurança na Aviação, Laert Gouvêa.

Gouvêa disse ainda que o modelo ATR-72 voa em um nível intermediário de altura, o que facilita a formação de gelo sobretudo quando há frentes frias. De acordo com o especialista, a formação de gelo ocorre, em média, a uma altura entre 14 mil pés e 24 mil pés.

“Já houve outros acidentes por causa de gelo com esse modelo de avião. Esse tipo de avião voa num nível mais propenso à formação de gelo. São níveis intermediários (de altura). Nesse nível, tem grãos de gelo muito grandes, isso tanto pode danificar o avião como pode formar um gelo que gruda na aeronave”, afirmou Gouvêa.

De acordo com o especialista, quando o gelo “gruda” no perfil da asa, ela perde a sustentação. Também pode grudar na hélice e fazer com que ela perca rendimento. Conforme Gouvêa, o controle de voo estava alertando os pilotos ontem sobre a possibilidade. “(Ontem) Era um dia atípico com muita formação de gelo em função dessa frente fria de inverno, que é pior”, disse.

Gouvêa destacou que os aviões têm um sistema para fazer um degelo quando há condições adversas, mas em alguns casos a formação é tão grande que o sistema pode não dar conta. Uma das opções é o piloto alterar o nível de altura em que trafega para evitar exposição a essas massas polares.

O diretor do Instituto Brasileiro de Segurança na Aviação afirmou que é preciso esperar a conclusão das investigações para que a causa da queda seja determinada. Caso a hipótese se confirme, as autoridades devem emitir algum tipo de recomendação a respeito.

Velocidade

Segundo dados do site Flightradar24, o transponder do voo reportou uma velocidade vertical de 2,4 mil metros por minuto. Às 12h23, o site mostra que o avião subiu até atingir 5 mil metros de altitude, permanecendo nesta altura até 13h21. A partir desse horário, é registrada uma perda de altitude da aeronave. A queda durou cerca de um minuto e aconteceu a cerca de 4 mil metros de altura.

Na rede social X (ex-Twitter), o Flightradar24 publicou um alerta de formação de gelo severo entre 3,6 mil e 6,4 mil metros de altura. A aeronave voava a quase 5,2 mil metros pouco antes do acidente.

Consultor em segurança aérea e criador do canal do YouTube Aviões e Músicas, Lito Sousa disse que, no caso de haver gelo nas asas do avião, algumas manobras podem ser feitas pelo piloto. “Mesmo que o sistema esteja inoperante, o piloto tem que tomar algumas atitudes, como descer o avião em alta velocidade. Porque quando você desce a temperatura do ar nas camadas mais baixas aumenta e o gelo vai sair da asa. Assim como outras funções operacionais que o piloto tem que tomar.”

Sousa afirmou, porém, que é preciso aguardar as investigação. “Está sendo muito falado das condições de gelo que existiam na rota. Esse pode ser um fator contribuinte, ainda não sabemos. De qualquer maneira, somente um fator não faz um avião se acidentar.”

O investigador de acidentes aeronáuticos Maurício Franklin Pontes, que é gestor de crises da C5i Crisis Consulting, disse, por sua vez, que por enquanto não é possível “nem mesmo inferir” o que causou o acidente com o avião da Voepass. “O Cenipa é uma das melhores agências de investigação do mundo e não pode sofrer pressão para tirar conclusões. A investigação tem que começar a partir de um papel em branco.”

Investigação

Ainda ontem, o chefe do Cenipa, brigadeiro do ar Marcelo Moreno, afirmou que a aeronave não reportou qualquer emergência antes do acidente. Em entrevista coletiva no início da noite, o porta-voz do órgão da Força Aérea Brasileira (FAB) confirmou que as duas caixas-pretas do avião foram encontradas e serão enviadas a Brasília para extração de dados em perícia. “É tudo prematuro, mas o que temos até agora é que não houve, por parte da aeronave, comunicação com órgãos de controle de que haveria alguma emergência”, disse.

As duas caixas-pretas recuperadas registram informações distintas. Uma grava conversas da cabine de comando e a outra registra dados da aeronave, como velocidade e inclinação. Apesar de os dispositivos terem sido recuperados, a extração das informações dependerá das condições em que se encontram.

Segundo o chefe do Cenipa, há casos em que os dispositivos acabam danificados e parte das gravações fica prejudicada. Ainda assim, há uma série de outros elementos que precisam ser considerados para as apurações.

Na entrevista concedida em Brasília, os representantes da Aeronáutica e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) evitaram apontar linhas de investigação sobre as causas do acidente. A mensagem foi a de que o momento é de captação de informações e qualquer suspeita seria mera especulação. A Anac só informou que aeronave e tripulantes estavam com as licenças em dia.

O coronel-aviador Carlos Henrique Baldin afirmou que aeronaves como a que caiu têm capacidade de voar nas condições mencionadas e que até o momento não é possível afirmar se as condições meteorológicas causaram a queda.

“Ela é certificada para voar nessas condições. Tem sistemas de proteção para evitar a formação de gelo na superfície da aeronave e, caso se forme, tem dispositivos para eliminar esse gelo. É muito cedo para afirmar qualquer coisa nesse sentido. Precisamos coletar uma serie de informações e, no momento, não tem como afirmar se isso foi decisivo ou não para a ocorrência”, disse.

A apuração judicial, sobre eventuais responsabilidades criminais, é conduzida pela Polícia Civil ou pela Polícia Federal. A PF decidiu enviar para Vinhedo um grupo de especialistas em acidentes aeronáuticos e identificação de vítimas de desastres para auxiliar nas apurações.

Investigadores do Quarto Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa IV) foram ao local do acidente, uma área residencial do município. O comandante da Aeronáutica, Marcelo Damasceno, acompanha os trabalhos dos militares. A equipe de investigadores da Aeronáutica é composta por peritos, engenheiros, mecânicos e psicólogos.


As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Sair da versão mobile