Considerado como umas das formas mais graves de violação dos direitos humanos, o tráfico de pessoas atinge globalmente milhares de vítimas, cujos direitos fundamentais e dignidade são gravemente violados, de acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
“Trata-se de crime de alta complexidade, que envolve fatores econômicos, sociais, culturais e psicológicos e que, igualmente, demanda a atuação coordenada de diversas instituições do poder público, da sociedade civil, de organismos internacionais e até mesmo do setor privado”, afirma o ministério.
O tema ganhou notoriedade após um menino de 2 anos desaparecido em Santa Catarina, há mais de uma semana, ser localizado na segunda-feira, 8, na zona leste de São Paulo. Na sexta-feira passada, 5, um boletim de ocorrência foi registrado pela família do menor. Um homem e uma mulher foram presos em flagrante sob suspeita de tráfico de pessoas.
Apesar do caso envolvendo o bebê ter bastante apelo, o perfil de vítimas é bastante variado. Envolve mulheres, homens, crianças, assim como depende da finalidade do tráfico de pessoas.
Violação dos direitos humanos
De acordo com o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas, com base em dados entre 2017 e 2020, o tráfico de pessoas foi definido, internacionalmente, pelo Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial mulheres e crianças – conhecido como Protocolo de Palermo – adotado em dezembro de 2000.
Em seu artigo 3º, conceitua-se o tráfico de pessoas como:
“O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.”
De acordo com o levantamento, o Brasil ratificou o referido instrumento em 2004, seguindo parâmetros estabelecidos pelo Protocolo de Palermo, o que pautou em 2006 a concepção da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e, em anos posteriores, os Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Segundo o relatório desenvolvido em parceria entre o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e a Coordenação-Geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (CGETP/SENAJUS/MJSP), tradicionalmente, as mulheres estão concentradas em atividades de baixas qualificação e remuneração, por exemplo, que são condições que as deixam particularmente vulneráveis à exploração, ao trabalho forçado, à extorsão, à servidão por dívida e à violência.
“Em contextos migratórios, inclusive quando migram e residem de forma regular, essas especificidades se agravam, o que tornam as mulheres mais vulneráveis ao tráfico de pessoas.”
Tráfico de pessoas no mundo
Segundo o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, divulgado pelo UNODC em 2018, quase 25 mil vítimas foram detectadas no mundo em 2016. O levantamento revelou ainda que a maioria das vítimas são mulheres e meninas, índice que chega a 72% dos casos. Os outros 21% são homens e 7% meninos.
Em relação ao tráfico de mulheres, o relatório mostra que 83% são traficadas para a exploração sexual, 13% para trabalho forçado e 4% para outras formas de exploração. Já entre os homens, 82% são traficados para trabalhos forçados, 10% com fins de exploração sexual, 1% para remoção de órgãos e 7% para outros objetivos, de acordo com informações levantadas pelo Ministério da Justiça.
Não somente no Brasil, mas em diversos países do mundo, os traficantes se aproveitam da situação de vulnerabilidade das pessoas para colocá-las em uma situação de exploração. De acordo com o relatório global, mais da metade dos casos de tráfico no mundo tem como fator de risco a vulnerabilidade econômica.
Perfil das vítimas no Brasil
Embora existam diversas complexidades para traçar o retrato de quem sofre com esse tipo de crime, a vulnerabilidade socioeconômica das vítimas de tráfico de pessoas foi indicada como um dos principais fatores de risco ao tráfico no Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas, com base em dados entre 2017 e 2020.
O levantamento destaca a pobreza como um dos fatores de risco ao tráfico de pessoas, assim como o desemprego como circunstância de vulnerabilidade. “Essa condição social levaria muitas pessoas a aceitarem circunstâncias precárias de trabalho, que depois se mostrariam como situações de exploração.”
O relatório nacional também aborda a diferença de perfil da vítima a depender da finalidade do tráfico de pessoas.
Por meio da Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016, sancionou-se a legislação nacional específica sobre o tráfico de pessoas, que o estabelece como o processo de “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de”:
– Remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
Submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
Submetê-la a qualquer tipo de servidão;
Adoção ilegal;
Exploração sexual.
Pena: reclusão de quatro a oito anos e multa.
“Por mais que estejam dispersos os relatos e dados sobre essas modalidades em particular, é plausível afirmar que no Brasil há a ocorrência das três finalidades: adoção ilegal, remoção de órgãos e servidão”, afirma o relatório.
No que se refere à adoção ilegal, os números variaram entre os órgãos. Na época do levantamento, por exemplo, enquanto a Defensoria Pública da União (DPU) e Ligue 180 apresentaram 4%, um volume maior foi indicado pelo Disque 100 com 21% de denúncias de tráfico interno e internacional para adoção ilegal entre 2017 e 2019. Já a Polícia Federal apontou 12% no período entre 2017 e 2020.
Em relação ao tráfico para a remoção de órgãos, o último informe global sobre tráfico de pessoas apontou que menos de 1% dos casos analisados no mundo correspondia à remoção de órgãos. Igualmente, o último relatório de dados sobre tráfico de pessoas no Brasil revelou que “entre 2007 e 2016, a Polícia Federal instauraram 21 inquéritos com o objetivo de investigar a remoção de órgãos, mas não indiciou nenhum investigado, possivelmente por falta de provas.”
Em direção oposta, a Polícia Federal ressaltou que 23,4% dos inquéritos instaurados, de 2017 a 2020, se referiam à remoção de órgãos, ou seja, os casos foram crescendo no decorrer dos anos. “Uma hipótese para tal fato pode ser justamente a gradativa apropriação da nova legislação do tráfico, sancionada em 2016, o que resultou na identificação das mencionadas situações”, avalia o relatório.
Com relação a servidão, nos anos em questão, a DPU e os dois canais de denúncias (Ligue 180 e Disque 100) não reconheceram nenhum caso. Por sua vez, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou apenas um caso, em 2018. Núcleos e postos indicaram 2,6% possíveis vítimas de servidão, sendo que quase todas – 12 delas – se referiam a 2020. O único órgão que apresentou um volume maior em relação a essa finalidade, de acordo com o relatório, foi a Polícia Federal, com 12,3% dos inquéritos.
Para a exploração sexual, as principais vítimas continuam sendo mulheres e meninas e para o trabalho escravo, homens. A relação é compatível com os dados oficiais apresentados por quatro instituições: Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) e Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante (PAAHM); Defensoria Pública da União; Disque 100 e Ligue 18076.
Conforme o relatório, porém, a Polícia Federal registrou mais vítimas masculinas, pois 63,5% das vítimas de tráfico de pessoas resgatadas entre os anos de 2018 a 2020 eram homens, enquanto 20,6% eram mulheres e 16% envolviam crianças. No caso do último grupo, não se diferencia o gênero das vítimas.
Sobre o aliciamento, também pode-se dizer que ocorre, em geral, sem o uso de violência. “O aliciador se aproxima do cotidiano da vítima e o aliciamento pode se suceder em situações corriqueiras do dia a dia, por meio de um convite de alguém confiável. Assim, diferentemente de um episódio de sequestro, o aliciamento não gera de imediato uma sensação de perigo, o que dificulta o reconhecimento dessa etapa do tráfico que, provavelmente, será identificada como tal somente a posteriori”, finaliza o relatório.
Campanha Coração Azul
Segundo o MJSP, as campanhas nacionais buscam oferecer informações à sociedade sobre a questão social do tráfico de pessoas.
O dia 30 de julho foi instituído pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e como o Dia Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Em anos anteriores, foi divulgado material que alertava a população sobre alguns riscos:
Prevenção ao tráfico de pessoas:
– Duvide sempre de propostas de emprego fácil e lucrativo;
– Antes de aceitar qualquer proposta, pesquise sobre o contratante;
– Deixe endereço, telefone e/ou localização da cidade para onde está viajando.
Sinais de que a pessoa está sendo vítima:
– Passaporte ou documentos de viagem na mão de terceiros;
– Não conhecem o endereço da casa para onde vão ou do local de trabalho;
– Falam pouco ou não falam com os familiares ou amigos.
– Para fazer uma denúncia, em caso de desconfiança, a pessoa pode entrar em contato com o Disque 100 ou o Ligue 180.