Por conta da aplicação de um preenchimento na boca, a balconista de farmácia Mariana Michelini, de 35 anos, teve os lábios removidos. Para tentar retirar as aplicações feitas nos glúteos, a funkeira Leticia Minacapelly, de 29 anos, já foi seis vezes ao centro cirúrgico. Já a estudante de biomedicina Jaqueline Chaves, de 48 anos, entrou em depressão profunda e tentou o suicídio por conta das deformações que o preenchimento deixou em seu rosto.
Todas essas mulheres são vítimas de aplicações de PMMA, mas nenhuma delas sabia que a substância estava sendo injetada em seus corpos.
As histórias delas são comuns às de centenas de brasileiros, a maioria mulheres, que fizeram preenchimentos estéticos para ter uma aparência mais bonita e acabaram com deformações irreversíveis, músculos necrosados ou insuficiência dos rins — tudo em reações do organismo à presença do polimetilmetacrilato, o PMMA.
O PMMA é uma substância plástica que não pode ser absorvida pelo organismo. Por isso, a aplicação desse tipo de preenchimento não é recomendada pela Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas (SBPC) para fins estéticos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que o gel seja usado apenas em pessoas que sofreram deformações corporais decorrentes de doenças como a poliomielite e a aids, e com limites de aplicação muito claros.
No entanto, muitos profissionais começaram a fazer uso estético da substância exatamente por ela não ser absorvida pelo corpo, o que ocorre com outros preenchedores, como o ácido hialurônico. Os aplicadores passaram a oferecer “resultados definitivos” sem informar que a substância pode ter efeitos tão graves quanto o uso de silicone industrial.
PMMA quase tirou a visão de Jaqueline
Os pacientes muitas vezes nem são informados de que a substância aplicada neles é PMMA. Foi o caso de Jaqueline Chaves, do Rio de Janeiro. Ela sempre foi uma mulher vaidosa e encontrou um médico que achava ser de confiança para fazer uma série de procedimentos estéticos. O profissional conseguiu enganá-la por anos fazendo aplicações em seu rosto inteiro.
“Ele colocou PMMA na minha cara inteira e nunca disse que substância era aquela. Ele aplicava no meu rosto como quem coloca um botox, dentro do consultório. Foram mais de 20 aplicações que encheram meu rosto com esse gel e eu só fui para o centro cirúrgico duas vezes, quando ele disse que fez uma rinoplastia. Quando fiz os exames, porém, vi que meu nariz é praticamente só produto e pele, não tenho mais cartilagem”, conta.
O preenchedor se infiltrou no rosto de Jaqueline de forma grave. Penetrou nos ossos do maxilar e quase a fez perder todos os dentes, obrigando-a a fazer vários tratamentos de canal. A infiltração ocorreu também nos olhos: ela precisou colocar lentes intraoculares para preservar a visão e fazer a drenagem do produto que estava afetando o globo ocular em uma cirurgia que custou mais de R$ 20 mil.
Com toda a saga para mitigar os problemas causados pelo PMMA, a saúde mental de Jaqueline foi muito afetada, a um ponto que ela não queria mais estar viva.
“Entrei em depressão profunda por conta dos resultados. Até hoje é muito difícil sair do meu quarto e mostrar meu rosto em público. Por meses, só saí para ir ao médico. Meus problemas emocionais se tornaram tão graves quanto os físicos”, diz.
Quais os riscos do PMMA?
A cirurgiã plástica Maria Roberta Martins, representante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), explica que existem várias formas de o PMMA prejudicar o organismo quando aplicado e pode até causar a morte do paciente.
“Existem várias considerações negativas bem documentadas sobre o uso do PMMA. Ele pode causar a formação de nódulos, inflamações, infecções e comprometer o sistema vascular, tudo em resultados indesejados e irreversíveis. Também podem ocorrer complicações mais graves, como a insuficiência renal e até o óbito pelo uso do produto”, detalha a especialista.
Além dos riscos potenciais, o preenchedor tem uma complicação extra: não é fácil removê-lo uma vez que ele se integra ao tecido do paciente. É preciso cirurgia para retirar o PMMA, mas raras vezes o produto é removido por inteiro, pois pode causar deformações ainda mais graves. “É um procedimento complexo em que temos que fazer remoções parciais para minimizar os danos”, indica a cirurgiã.
Como a equação de quanto produto retirar e quanto manter é complicada, muitas vezes o paciente precisa voltar diversas vezes ao centro cirúrgico para fazer novas retiradas do PMMA ou para tratar inflamações e infecções causadas pelo gel.
É o caso da cantora Letícia Minacapelly, de São Paulo, que passou por seis cirurgias para lidar com complicações do PMMA injetado em suas nádegas.
Seis cirurgias de retirada (e contando)
Em 2019, Mc Princesa, o nome artístico de Letícia, colocou próteses de silicone nos glúteos. O procedimento, porém, não teve bom resultado: a prótese colocada por cima do músculo não cicatrizava e continuou sangrando dias após a cirurgia. A artista foi levada para o centro cirúrgico, mas sofreu uma infecção. Por todos os problemas, a funkeira decidiu retirar definitivamente o produto.
O cirurgião, porém, ofereceu a ela aplicações de preenchimento nos glúteos, já que a pele tinha ficado flácida das cirurgias anteriores. “O médico me disse que aplicaria ácido hialurônico, mas eu comecei a ter infecção de novo. Quando levei uma amostra para análise, o exame logo de cara apontou que ele tinha aplicado PMMA em mim. Já fiz seis cirurgias para a remoção do produto e sei que nunca sairá 100%. Sigo tendo infecções periódicas desde então e farei a sétima cirurgia em breve. Passei a existir para lutar pela minha vida”, afirma Letícia.
Número de vítimas é desconhecido
Um dos problemas para lidar com a situação do PMMA é que não se sabe exatamente quantas vítimas existem. A vergonha faz com que muitas mulheres não falem publicamente sobre as complicações dos procedimentos estéticos que fizeram.
O Metrópoles conversou com duas mulheres que explicaram seus casos, mas tiveram medo de revelar suas identidades, uma em Joinville (SC) e outra em Goiânia (GO). Os relatos são todos muito parecidos.
Para quebrar a resistência em falar sobre o tema, vítimas dos procedimentos estéticos se juntam em perfis e grupos das redes sociais para receber apoio mútuo. A ativista Simone Alves foi uma das criadoras do perfil Vítimas da Bioplastia, que reúne mais de 200 mil pessoas.
Não se sabe exatamente quantas mulheres que seguem o perfil tiveram aplicações de PMMA, mas Simone afirma que tem percebido um aumento nos depoimentos de vítimas de aplicações da substância. “Temos recebido mais casos de PMMA do que de qualquer outro preenchedor. Hoje não se usa mais hidrogel e o silicone industrial é menos comum — com isso, o polímero se tornou nossa maior preocupação”, afirma.
A própria Simone é uma destas vítimas. Ela tem PMMA aplicado em seu rosto e silicone industrial nos glúteos. “Acredito que é um ato criminoso o dos médicos e outros profissionais da saúde que fazem esse tipo de procedimento. Como muitas vezes eles têm boas condições econômicas, ainda acossam as pacientes para que elas não denunciem”, lamenta. Muitas são, inclusive, processadas por difamação ao divulgar seus casos.
Além do medo da denúncia, determinar se o problema tem origem no uso do PMMA também é difícil. Existem poucas possibilidades para determinar exatamente qual produto foi utilizado no corpo de alguém. É possível realizar análises laboratoriais, caso o material tenha sido extraído, e em exames de imagem como raio-x e ressonância é preciso um olho muito treinado para identificar com precisão o PMMA.
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