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18 de maio de 2024

METÁFORA DO FEMINCÍDIO


Por Elton Telles Publicado 29/02/2020 às 21h02 Atualizado 23/02/2023 às 17h07
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É artigo raro acessar qualquer portal informativo na internet e não se deparar com alguma notícia envolvendo agressão contra a mulher. Segundo o Relógios da Violência, mapeamento atrelado ao site do Instituto Maria da Penha (IMP), a estatística é de a cada 7 segundos uma mulher sofrer violência física no Brasil, e na maioria dos casos, os agressores dividem algum grau de parentesco com a vítima. Atos de feminicídio acontecem desde que o mundo é mundo e, para se ter ideia do descaso, a Lei do Feminicídio no Brasil foi sancionada somente há 5 anos, em março de 2015. Os números envolvendo o feminicídio em todo o mundo são aterradores, e o problema se coloca em evidência pela sua gravidade não só pela militância feminista como entre os defensores dos direitos humanos. 

Em “O Homem Invisível”, o diretor Leigh Whannell utiliza esta trágica realidade e lhe dá uma roupagem apropriada de filme de terror, cuja trama estabelece os abusos físicos e psicológicos advindos do parceiro com a namorada, a protagonista Cecilia. Ela foge e se esconde na casa de um amigo, até que um dia, é notificada que seu ex-namorado violento e controlador cometeu suicídio, algo que é recebido com desconfiança por ela, que passa a ser perseguida por um “peso” sem forma.

A metáfora de “O Homem Invisível” para o feminicídio já começa pelo título. Considerando a inutilidade de não conseguirmos efetivamente interromper estes casos, além da impunidade com os acusados, quantos homens não são “invisíveis” aos olhos da lei? A prática da violência também acaba por ser “invisível”, pois muitas vezes não conseguimos enxergar ou detectar o problema, nem sempre é feita em nossa frente e nos sentimos de mãos atadas por não conseguirmos ajudar, de modo a cessar as ocorrências. O significado da palavra “invisível” é aplicável ao autor e ao crime cometido, e nesta analogia, Whannell é esperto em recorrer a um conto popular para tornar patente a sua denúncia.

Adaptado do romance escrito por H.G. Wells, no clássico “O Homem Invisível” (1933), um dos títulos de monstros mais lucrativos da Universal Studios no início de suas atividades, a história é centrada em um cientista que consegue desenvolver um método para se tornar invisível. Embebido de soberba e ganância, comete diversos delitos e assassinatos em busca de fortuna. O filme foi lançado na primeira metade dos anos 1930, quando os Estados Unidos ainda enfrentavam a Grande Depressão, a maior recessão econômica de sua história. Nem o New Deal, o plano de recuperação do país, tinha sido anunciado. Se antes a preocupação dos realizadores era de veia social e econômica, para efeito de comparação, é curioso e lamentável constatar que, quase um século depois, o mesmo enredo fictício é emprestado para expor um tipo de violência contra uma minoria.

Como thriller, “O Homem Invisível” é eficiente. A condução de Whannell é acertada na ambientação das cenas, que recorrem à imprevisibilidade para surpreender o público, como as primeiras aparições do vilão ou em um momento específico de diálogo em um restaurante. O roteiro também distribui alguns jargões desnecessários em troca do susto gratuito, sendo repetitivo em determinadas passagens, principalmente a que envolve um hospital psiquiátrico, remetendo claramente a “O Exterminador do Futuro 2” (1991). Mas é outro filme lançado em 1991, “Dormindo com o Inimigo”, que este “O Homem Invisível” divide maiores similaridades. É praticamente uma versão do blockbuster protagonizado por Julia Roberts adicionado com uma dose generosa de sci-fi. É uma trama empolgante e a trilha sonora de Benjamin Wallfisch, embora não seja a descoberta da roda, mostra-se funcional para duração do clima de suspense.

Da TV para finalmente alcançar o estrelato nos cinemas, a atriz Elisabeth Moss está impecável no papel de Cecilia. Atualmente no ar, são poucas atrizes tão expressivas e que – estranho dizer isso, eu sei – “sofrem tão bem” como Moss, evidente nas temporadas de “The Handmaid’s Tale”. Certamente, Whannell é um grande fã desta série, pois não deixa passar uma oportunidade sequer de – assim como no programa de TV – colocar o rosto da atriz em close. Como julgá-lo? Eu faria o mesmo, já que Moss é incrivelmente hábil em demonstrar vulnerabilidade, e não apenas, a atriz também supera as expectativas quando exige ação e segura o filme até o final com uma atuação linear e concentrada. Grande parte do sucesso de “O Homem Invisível”, não há dúvidas, deve ser creditado ao seu desempenho.

Afinal, quanto a certos caminhos seguidos pelo roteiro, o filme nem sempre é bem sucedido. E aqui eu me refiro não apenas aos clichês e furos até perdoáveis, uma vez que são compensados com os toques de surpresa, mas principalmente à sanha de incluir um plot twist em um ponto estratégico da história. Essa decisão demole toda a imagem cultuada até a reviravolta de um terror bem definido, tradicional e saudosista. A inclusão da tal “novidade” é muito querer se igualar aos filmes de gênero contemporâneos que precisam “enganar” o espectador para se pagarem de espertinhos.

“O Homem Invisível” se rende a esta tentação pelas tantas, mas até lá, é um entretenimento acima da média que entrega o que promete, engrandecido pelo encorajamento às mulheres de fugirem dos embustes e discarem 180 sempre que for preciso.

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