Uma caverna localizada dentro de uma reserva particular na Serra do Cadeado, em Mauá da Serra, no Paraná, e uma descoberta que entraria para a história do Brasil… não fosse por outra descoberta.
A caverna, de difícil acesso, foi esculpida sob um paredão rochoso no meio da Reserva Particular do Património Natural Monte Sinai (RPPN), no interior da Fazenda Monte Sinai – saiba mais sobre a reserva no fim da matéria.
Segundo a presidente do Instituto Monte Sinai, responsável pela gestão da Reserva, Soraya Christoffoli, quando o imóvel rural foi adquirido, na década de 80, os moradores da região relataram que a caverna havia sido utilizada como refúgio do Marechal Henrique Teixeira Lott na época da ditadura militar – entenda abaixo. Era conhecida uma escavação de aproximadamente 30 m² e a caverna ficou conhecida como caverna JK, em menção ao ex-presidente Juscelino Kubitschek.
“Em 1986, quando os meus pais adiquiriram a propriedade, encontraram lá botas do lado da caverna e ração enlatada, de comida militar. Perguntando do que poderia ser aquela escavação, que é um paredão esculpido a mão, os vizinhos comentaram que o Marechal Lott ficou refugiado lá, e essa foi a tese que durou de 1986 até o ano passado. Durante todos esses anos nós acreditávamos que era o Marechal Lott, porque encontramos uma bota militar lá, porque tinha uma lata de ração e porque os vizinhos falavam que tinha movimento lá e que era o Marechal Lott que estava refugiado. Nós só descobrimos a verdade no ano passado”, explicou Soraya ao GMC Online.
Quem foi Marechal Lott
Marechal Lott foi um Ministro de Guerra que teve um papel importante durante a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart. A história que se contava era que durante o golpe militar de 1964Lott passou a ser perseguido pelo regime e se abrigado na Fazenda Monte Sinai, que pertencia a um amigo do governador do Paraná na época, o Lupion. Quando soube que o exército iria sobrevoar a região, o Marechal e os soldados que o acompanhavam decidiram fugir para a mata, onde teriam feito as escavações na caverna para se esconder.
O achado de utensílios militares encontrados próximos à caverna em 1986, na mata ciliar, reforçaram a tese de que o lugar guardava alguma relação com a ditadura militar. Essa história, conforme contou Soraya, foi divulgada na região por vários anos, com publicações em jornais e programas televisivos – veja abaixo o registro de uma matéria públicada na Folha de Londrina em junho de 2010.
Até que surgiu uma nova descoberta. Contudo, primeiro é necessário apresentar um personagem crucial para que a caverna ficasse ainda mais conhecida como ‘um local da ditadura do Brasil’.
O ‘repórter selvagem’
Por suspeitar que a caverna tinha mais do que apenas 30m², com dois poços, um seco e outro com água, o biólogo de Apucarana, Fernando Felippe Rodrigues, conhecido como o ‘repórter selvagem’, pediu autorização para explorar o local junto com um guarda muncipal e com o biólogo responsável pelo local, Udson Mikalouski.
“Em setembro de 2022, o biólogo Felipe apresentou interesse em fazer algumas reportagens sobre a RPPN Monte Sinai. Após algumas visitas, foram gravados 8 episódios e apresentados no programa Repórter Selvagem do Canal 38, tendo como objetivo o registro de alguns projetos ambientais desenvolvidos, destacando a importância da preservação do meio ambiente (educação ambiental). Numa destas reportagens, ao visitar a caverna JK, o biólogo Felipe juntamente com o biólogo Udson e o guarda florestal José descobriram as escavações subterrâneas”, conta Soraya.
Então, em uma escavação de rapel, o biólogo descobriu mais 120 m² na caverna. “Desconfiei que havia mais do que parecia alie junto com o Udson decidi explorar o local mais a fundo, usando rapel. Encontramos novas galerias na caverna, um espaço pelo menos 3 vezes maior do que o já conhecido, de cerca de 120 m². Quando desci o poço seco achei túneis e depois esse espaço maior até então desconhecido. Também encontramos pacotes de velas, pedaços de madeira e cordas no local que teria sido usado como esconderijo por militares perseguidos pelo golpe de 64”, diz Fernando.
Veja fotos do dia em que o ‘reporter selvagem’ descobriu mais 120m² na caverna do Paraná
A reviravolta
Após a descoberta do ‘repórter selvagem’, e com a repercussão e interesse geral pelas reportagens divulgadas pelo Canal 38, Soraya Christoffoli decidiu aprofundar a investigação sobre a caverna e buscar a comprovação da estadia do Marechal Lott na propriedade. “Conversei com dois especialistas sobre a vida do Marechal Lott: Wagner William que publicou a obra “O soldado absoluto: Uma biografia do marechal Henrique Lott”, e Karla Carloni, que publicou a obra “Marechal Lott. A Opção das Esquerdas. Uma Biografia Política”. Ambos atestaram que não há indícios de que o Marechal Lott tenha se refugiado na reserva que hoje é RPPN Monte Sinai. Na sequência, conversamos com alguns geógrafos e mostrando as fotos das escavações, concluímos que a gruta foi esculpida por mineradores em busca de minérios. Ela chama caverna JK, mas foi esculpida 120 metros no subterrâneo e 30 metros no térreo para a procura de minérios”, explicou ao GMC Online.
De acordo com Soraya, acredita-se que a história sobre o Marechal Lott tenha sido divulgada para espantar interesse de curiosos, já que na realidade estava sendo explorada por mineradores na década de 70/80 e que ao não encontrarem maiores mais evidências de minérios preciosos desistiram da escavação e abandonaram a caverna.
Os mistérios que envolvem a caverna JK ainda serão desvendados, já que se pretende aprofundar estudos sobre a mesma – saiba mãos abaixo.
O que o futuro reserva?
Botas e rações não comprovam que a caverna era um refúgio de militares. Além disso, conforme destaca Soraya, a maneira pela qual o local foi construído comprova que foi para escavação de minérios.
Ainda assim, faltam respostas. Segundo Soraya, o objetivo é fazer uma pesquisa em parceria com departamento de geografia da UEM em 2024 para continuar as invesrtigações.
Saiba mais sobre a reserva onde está localizada a caverna
A Reserva Particular do Património Natural Monte Sinai é uma Unidade de Conservação de domínio privado que tem como objetivo conservar a biodiversidade, proteger os recursos hídricos, fazer o manejo de recursos naturais, desenvolver pesquisas cientificas, proporcionar atividades de ecoturismo, educação ambiental, preservando as belezas cênicas e ambientes históricos.
Com uma área de aproximadamente 310 hectares de mata nativa e em regeneração natural, a RPPN Monte Sinai está localizada na Serra do Cadeado em Mauá da Serra-PR. Sua área representa um importante remanescente de mata atlântica, com vegetação predominante do tipo Floresta Ombrófila Mista (FOM) com araucárias, que abrigam espécies raras de animais e vegetais, constituindo uma importante unidade de preservação destas espécies, várias delas ameaçadas de extinção.