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16 de dezembro de 2025

Depois de 50 anos da Geada Negra, cafeicultura vive novo momento na região


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Foto: Acervo Jornal O Diário do Norte do Paraná/19 de julho de 1975

Na madrugada de 18 de julho de 1975, a Geada Negra, destruiu cerca de 70 % dos cafezais do Paraná. O evento climático extremo também atingiu cafezais em Mato Grosso do Sul e em São Paulo,  50 anos atrás.  Os cafeicultores viviam um daqueles momentos dramáticos que entram para a história do país.

Naquela noite o produtor rural Marcos Bruschi Neto estava com a família na propriedade rural na Gleba Pinguim, em Maringá. Marcos tinha 30 anos e dois filhos pequenos.  “Era uma noite de lua cheia e o tempo durante o dia estava nublado e depois, à tarde, ele limpou que virou um breu.  E aí o frio veio com tudo. A terra muito molhada. Para você ter uma ideia até o chão, onde tinha mais umidade, ele congelou. No outro dia a gente já percebeu que ia torrar tudo mesmo. Queimou o café, o que vamos fazer?”, relembra.

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Foto: Acervo Jornal O Diário do Norte do Paraná/19 de julho de 1975

Além do café, a geada queimou o pasto e as vacas que a família criava não tinha o que comer. O sentimento era de preocupação. “Você sabe que produtor não desanima, não. Ele pensa sempre no próximo ano.  Diz que homem não chora fácil, mas gente ficou baqueado sim,  porque com os filhos pequenos, não era fácil. Mas a gente não chora perto dos filhos. Tem que pensar que vai dar certo,  mas que é um baque, isso é”. 

O produtor rural arranjou um trator e se pôs a arrancar os pés de café. No ano seguinte, a propriedade da família Bruschi já não tinha cafezais, só trigo. Mas ainda havia o medo de uma nova geada devastadora. O medo, no entanto, não se concretizou. Alguns anos se passaram sem novas geadas e nenhuma outra veio naquela intensidade. Marcos Bruschi Neto não tinha dívidas e graças a isso a retomada após a Geada Negra foi mais fácil. Mas vizinhos sem capital para insistir na lavoura  deixaram o campo e foram atrás de emprego em outros estados.  Muitos mudaram para a cidade.

A substituição dos cafezais depois da Geada Negra

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Foto: Acervo Jornal O Diário do Norte do Paraná/19 de julho de 1975

A Geada Negra entrou para a história como o evento que dizimou os cafezais,  mas o historiador Reginaldo Dias lembra que anos antes o Governo Federal iniciou uma política para estimular a diversificação no campo,  substituindo os cafezais por outras culturas.  “Em 1961, o governo federal havia lançado um processo de racionalização para estimular a erradicação dos cafeeiros e a diversificação por outras culturas. Então o Instituto Brasileiro do Café, albergou essa política. Foi criado um grupo de erradicação da cafeicultura já antes,  mas ele começou a trabalhar mais ostensivamente a partir de 1964”.  O historiador relembra que entre os anos de 1962 e 1968 houve uma redução de 26,7 % da área cultivada. Isso equivalia a 433 mil hectares. Nos anos seguintes a área ocupada por cafezais foi reduzida de 1.187.000 hectares para 698.000 hectares. “Na primeira fase,  a substituição de atividades deu lugar à expansão da pecuária. Depois, no final da década de 1960, já houve o avanço das culturas associadas da soja e do trigo”, explica Dias.  

A expansão das outras culturas seguiu até o “golpe fatal” com a Geada Negra de 1975 e acabou até mesmo contribuindo para a diminuição da quantidade de habitantes do Paraná, como detalha Reginaldo Dias. “Já havia uma crise da cafeicultura e o governo já vinha tomando providências para a sua substituição. A geada de 1975 acelerou um processo que poderia ser mais lento de acordo com essa progressão da política do governo. E imaginar que em 1930 o governo federal chegou a comprar café,  estocar e queimar, porque tinha tanto café no mercado nacional e internacional que os preços despencaram. Desde a década de 30 o governo federal tinha uma política de diversificação e industrialização.  Durante a década de 30, o governo Vargas tinha uma quota de sacrifício, porque houve uma crise mundial e não tinha para quem vender café. Aí o governo tinha que comprar o café,  sacrificar safras inteiras. Em 15 anos houve uma quantidade absurda de sacas de café que foram sacrificadas para o restabelecimento. Então foi um processo lento, já havia uma crise do complexo cafeeiro no contexto mais geral do país.  Mas isso não impediu que o norte do Paraná se consolidasse, crescesse, tivesse economia próspera e mudasse inclusive a geografia do Paraná.  Em 1940,  o Paraná tinha 1 milhão de habitantes. Em 1960, com essa leva de expansão, tinha 4 milhões, e em 1975, 5 milhões de habitantes. Só que na década de 70, com a inversão, o Paraná passa a exportar população.  Ele começa a perder a população,  em vez de ter um polo de atração de imigrantes, como aconteceu nas três décadas anteriores. Tudo isso é consequência”, finaliza.  

Adenir Volpato era cafeicultor e estudante no Colégio Agrícola em 1975, na Geada Negra.  “Eu tinha 20 anos. Esse foi um dia muito sofrido pra mim. Eu sofria muito pelo frio que eu passei à noite. Eu estava fazendo um estágio, estava em uma pensão que tinha pouca cobertura, então passei muito frio na noite. Mas o meu sofrimento maior foi quando amanheceu o dia, porque eu morava longe da cidade, e meu pai veio cedinho trazer um agasalho para mim, porque sabia que eu ia estar com frio.  Foi uma das poucas vezes que eu vi lágrima correr do olho do meu pai. Ele chegou de manhã já falando que a formação de gelo que tinha acontecido lá no sítio e não ia sobrar a peste de café nenhum.  E realmente não sobrou. Nossa lavoura queimou tudo. Nós tivemos perda total das lavouras de café”, relembra. 

A persistência não deixou a família desistir. Aos poucos, recuperaram a lavoura. Ele continua atuando como cafeicultor. “É uma paixão. A gente sofre muito. Todos os anos, no inverno, o sofrimento é muito grande. Eu vi meu pai, quando eu era criança, sofrer muito a cada dia que esfriava, a cada geada que tinha. E hoje quem sofre sou eu.  Hoje a gente tem uma visão diferente, a gente não tem uma dependência exclusivamente da cultura do café. Naquele tempo, nós tínhamos uma propriedade. O sítio de cinco alqueires tinha no fundo, que é o lugar mais baixo, o lugar que mais geava, tinha casas, pasto, terreiro, pomar e quatro alqueires e meio era café. A única atividade nossa era aquela. Então quando queimava,  ele ficava dois, três anos sem ter receita. Essa era a nossa vida no campo.  Hoje a gente não tem só café, a gente tem outras atividades também. Então, com o dano da geada hoje a gente perde. Às vezes fica um, dois, três anos com safra zero ou próximo de zero de faturamento.  Só que a gente tem diversificação, outra atividade que nos ajuda.  A gente hoje consegue passar esse período considerando uma crise menor do que era na época”, relata. 

Um novo momento da cafeicultura

Com o passar dos anos, a crise da cafeicultura foi compensada pela diversificação de culturas e pela industrialização. Cinco décadas depois da Geada Negra, o “ouro verde” está hoje em um novo momento, com a valorização da bebida, o “boom” dos cafés especiais e os empreendimentos criativos. Mandaguari recentemente conquistou a Indicação Geográfica do café.  Em Maringá, o evento Ca Fé ON espera milhares de visitantes em agosto para resgatar a tradição da bebida. E em Cianorte, um concurso anual estimula a cafeicultura. E Adenir Volpato é um dos organizadores. “A prefeitura de Cianorte fez um projeto que destina 125 mil mudas de café por ano para os produtores do município, sendo até 5 mil mudas por produtor. Além das mudas, ele recebe também toda orientação técnica e acompanhamento técnico envolvendo a atividade”, conta.

O projeto começou em 2022. Já são três anos de lavoura instalada e de cafés sendo premiados no concurso. Dezenas de produtores da região colhem o café e levam uma amostra para fazer a classificação.  Os cinco primeiros colocados recebem o prêmio. “Nos anos anteriores, nós adquirimos a saca de café deles por um razoavelmente superior ao preço de mercado.  Este ano, nós estamos fazendo a premiação em dinheiro.  O primeiro colocado nós estamos dando um prêmio de R$ 2.500,  o segundo colocado um prêmio de R$ 2.000, o terceiro R$ 1.500, o quarto colocado R$ 1.000 e o quinto colocado R$ 500. Além da possibilidade de estar comercializando esse café junto às cafeterias por um preço diferenciado, porque realmente é um café especial”, explica Volpato. O concurso é na próxima terça-feira, dia 22.

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