Fios de Esperança: projeto em Marialva arrecada cabelo para perucas

Criado em 2023 no Centro de Apoio a Doação de Sangue e Equipamentos Hospitalares (CADEM) de Marialva, o projeto Fios de Esperança, que teve uma pausa no ano de 2024, está de volta. A iniciativa arrecada doações de cabelo para a confecção de perucas que são doadas ou emprestadas a pacientes em tratamento contra o câncer.
A proposta nasceu a partir da necessidade de oferecer suporte humanizado a pessoas que vivenciam o processo de perda capilar durante tratamentos médicos e a motivação para a criação do programa foi Daiane Aparecida Ferreira. Em 2021, ela começou a ter dores e no ano seguinte recebeu o diagnóstico: um câncer maligno, agressivo, na região da pélvica, que acabou se espalhando pela bexiga, colo do útero, reto e pela artéria ilíaca. “Quando a gente descobriu, os médicos acreditaram que ela tinha muita chance de sobrevivência, mas a minha irmã também já vinha de alguns outros problemas já crônicos, que já tinham nascido com ela, o que acabava deixando a imunidade dela muito baixa”, relembra a irmã dela, Rayane, que trabalha no CADEM.

Daiane iniciou o tratamento, passou por cirurgia, mas o câncer já havia se alastrado. Não havia mais o que fazer a não ser oferecer cuidados paliativos. “A única coisa que poderíamos fazer era dar todo o conforto do mundo pra ela”, conta a irmã. Em outubro de 2022, o tio com quem Daiane era mais apegada iria se casar.
“Ela estava careca, já não tinha mais os cabelos. Raspar a cabecinha foi até uma decisão dela, mas querendo ou não, uma das partes da vaidade da mulher são os cabelos”, diz Rayane. Com o casamento se aproximando, Daiane estava triste e dizia que não queria ir do jeito que estava. “Ao mesmo tempo que era o casamento do tio que ela mais considerava, ela também não queria participar por conta dos cabelos”, conta a irmã, emocionada. Rayane desabafou sobre a situação com Ana Paula Reginaldo, uma colega de trabalho no CADEM e contou que, apesar de querer muito ir ao casamento, a autoestima da irmã estava baixa por estar sem cabelos.
Rayane começou a procurar perucas para que a irmã se sentisse bem e viu que os preços eram altos demais e não cabiam no bolso. “Eu não tive condições de comprar uma peruca mesmo para ela. A gente conseguiu comprar mechas de cabelo e fomos colocando com um tique-taque na cabeça dela e a gente colocou tipo uma bandana por cima, e ela se sentiu bem. Só que ali a gente viu uma dificuldade para as pessoas que já estão fragilizadas tanto como o tratamento do câncer ou até mesmo aquelas que já sabem que entraram em um estado paliativo, pelo sofrimento que é passar pelo câncer, as dores. Porque a quimioterapia te deixa muito debilitado, então você não consegue se alimentar, você tem vários episódios de vômito, então você já passa por uma fragilidade sofrimento, sem comer, sem dormir e ainda ter que passar pela fragilidade da sua vaidade também não estar de acordo com o que você queria. Você se olha no espelho e, de fato, vê uma pessoa doente, porque não tem tanta acessibilidade”, relata a irmã de Daiane.

Ao vivenciar o drama da colega e da família, Ana Paula teve a ideia de criar uma maneira de oferecer perucas para empréstimo a quem não poderia comprar, a exemplo do que o CADEM faz com equipamentos médicos e hospitalares, que são oferecidos gratuitamente à população, enquanto o uso é necessário. Daiane morreu em 2023, antes de ver o projeto Fios de Esperança ganhar forma. Naquele mesmo ano, três perucas foram confeccionadas para empréstimo a partir da doação de pessoas que cortaram o cabelo e entregaram para o projeto. A ideia, com a retomada, é confeccionar mais unidades que possam ser emprestadas e também fazer doações diretas no Hospital do Câncer. “Eu tenho certeza que vai ter muita gente por aí muito feliz, com autoestima muito elevada. É uma pena a minha irmã não ter conseguido ver o projeto concluído. É um projeto muito bonito, com muita empatia com o próximo que está sofrendo com o tratamento de câncer”, diz a irmã daquela que inspirou a ação.
Uma das primeiras perucas confeccionadas foi emprestada para a merendeira Anunciata de Jesus Carrasco, 57. Em 2023, ano em que o Fios de Esperança começou, ela foi diagnosticada com câncer de mama. O diagnóstico a entristeceu e a deixou abalada, assim como a perda dos cabelos durante o tratamento. Foi uma agente de saúde que, durante uma visita à moradora do distrito de Aquidaban, perguntou se ela gostaria de uma peruca. Anunciata conheceu Ana Paula e levou uma peruca para casa. “Quando eu coloquei, na frente do espelho, parece que eu me transformei em outra pessoa. Eu colocava dentro de casa, ficava com ela. É uma ajuda para a autoestima da gente. Hoje eu encontrei com a Ana Paula e falei que Deus abençoe ela com esse projeto que ajuda tanto. Se as pessoas sentirem o que eu senti quando eu recebi, é gratidão a ela se dispor a ajudar as pessoas assim e também às pessoas que se dedicam a fazer doação do cabelo, cortar os cabelos e doar para fazer a peruca”, se emociona Anunciata, ao contar que nesta sexta-feira (15), ao finalizar o tratamento, devolveu a peruca para que possa ser usada por outra pessoa.

O projeto recebeu apoio de cabeleireiras da cidade que, quando sabem que o corte de cabelo é para doação, dão desconto aos clientes e já separam para levar ao CADEM. Eunice da Silva é uma delas. “De alguma forma eu queria ajudar. Eu acho um projeto muito importante, que eleva a autoestima da mulher em um momento tão difícil que ela está passando. Faço um preço diferenciado para quem aceita que eu corte e deixe o cabelo no salão para doar”, conta. No CADEM, o cabelo doado é separado e enviado para a confecção das perucas em Mandaguari, também a um custo reduzido – cada uma sai por R$ 100. Para fazer uma peruca, geralmente, são necessários de dois a três cortes de cabelo. Não há restrição para cabelos sem tintura ou coloridos, apenas para o comprimento, que precisa ser de, no mínimo, 15 centímetros. “A gente já incentiva até a pessoa a cortar um pouquinho mais, quando a pessoa não tem muito apego ao cabelo, para poder dar os 15 centímetros e já doar”, diz a cabeleireira.
Com a quantidade já arrecadada, a previsão é confeccionar entre 15 e 20 perucas. “Serão doadas pelo menos umas 10 ao Hospital do Câncer e vamos tirar outras para empréstimo, para deixar aqui, se alguém precisar”, afirma a idealizadora do projeto.
O CADEM fica na Rua Nossa Senhora do Rossio, 1205, no Centro de Marialva.
