Jéssica May, da área de rural de Paranacity à celebridade na Turquia
Os brasileiros mais famosos na Turquia são jogadores da Süper Lig, especialmente nos clubes Galatasaray, Fenerbahçe e Beşiktaş. Alex de Souza, Felipe Melo, Roberto Carlos e até Taffarel já disputaram o campeonato turco. Nesse contexto de celebridades no país, há outro nome tupiniquim, mas fora dos gramados: a atriz Jéssica May, presente em telenovelas, conhecidas como dizi — que hoje são produtos de exportação — e filmes.

A menina que saiu da área rural de Paranacity para ganhar o mundo, hoje com 31 anos, sustentou e realizou o sonho de se tornar modelo e, posteriormente, atriz. A Turquia a abraçou. Nesta jornada, ela diz que a leitura, a escola e o incentivo de professores e familiares lhe deram a força necessária para seguir esse caminho.
Muita gente desdenhou das aspirações de Jéssica, que morava em um sítio a cerca de 7 km do perímetro urbano e ia à escola de ônibus. Em um desses percursos diários, aos 12 anos, surgiu a primeira crise de ansiedade — ela foi diagnosticada com transtorno do pânico — quando foi deixada pelo motorista em um canavial sob uma tempestade, a 1 km de casa. “Eu caí na lama, escorreguei, uma chuva superforte. Quando cheguei em casa, tive a minha primeira crise e não sabia o que era”, contou.
Os desafios não frearam o sonho da então adolescente. “A cidade inteira sabia que eu queria ser modelo”, disse a atriz. Ela usava uma câmera para gravar seus desfiles em casa e conferia as filmagens para corrigir posturas e técnicas. “Eu me gravava para ver minha passarela, para aperfeiçoar meu desfile.”
Na sala de aula, a professora Maria Cristina Xavier, de Língua Portuguesa, repreendia alunos que zombavam do sonho da menina. “Eu falava logo para ficarem quietos”, disse a docente. Por outro lado, Jéssica conta que a professora e outras pessoas de seu convívio, principalmente os pais, foram suas maiores incentivadoras. Com Maria Cristina, ela escreveu e atuou em uma peça de teatro na escola. “Ela foi muito importante para mim.”
Uma edição do Festival de Arte da Rede Estudantil (Fera), em Paranavaí, está bem viva na memória da atriz. Alunas e professoras se juntaram para fazer um book de fotos de Jéssica. “Levaram uma câmera, me maquiaram. Fizeram toda uma produção para me ajudar a mandar aquelas fotos para algum lugar.”
Ao completar 16 anos, Jéssica foi para São Paulo, onde terminou o ensino médio e chegou a se matricular na faculdade, para trabalhar como modelo fotográfica. Foi por meio de pesquisa no primeiro computador adquirido pela família que encontrou uma agência de modelos interessada nela. Tratava-se do início do sonho de uma menina que, desde pequena, gostava de usar os saltos altos e as roupas da avó e das tias para desfilar em casa.
Ela não tinha altura suficiente para ser modelo de passarela. Fez alguns desfiles, mas não era muito requisitada. Então, a fotografia foi o caminho natural. “Eles queriam meninas de 1,75 m para cima. Eu, na época, tinha 1,72 m. Depois, cresci mais um pouco.”
Após cerca de um ano e meio com alguns desfiles e fotos para revistas e catálogos, surgiu a oportunidade de trabalho na Turquia. Ela quase foi para a China. Uma agência do país a escolheu. Já estava com a viagem marcada quando o contrato foi interrompido por conta do desastre nuclear de Fukushima, no Japão, em março de 2011. “Estava com as malas prontas e tudo”, recorda-se Jéssica.
Jéssica prosseguiu trabalhando em São Paulo e, na mesma semana, uma agência da Turquia a convidou para trabalhar. Tornou-se modelo fotográfica em um país diferente. Passou a fazer comerciais na tevê. A partir dali, nasceu a pretensão de atuar. Ela retornou ao Brasil e disse ao empresário: “Se aparecer alguma coisa, beleza! Senão, fico no Brasil de vez.”
Algumas semanas depois, veio a notícia de um teste para uma novela. A produção buscava uma atriz estrangeira, com sotaque quebrado, para ser protagonista. Jéssica foi aprovada e rumou para as telas.

Atuação
A primeira novela de Jéssica foi Yeni Gelin (A Nova Noiva, em tradução livre), que lhe rendeu premiações no papel de Bella, protagonista. Lançada em 2017, a produção ficou no ar por dois anos. São 63 episódios, e ela contracenou com Tolga Mendi, personalidade da tevê turca.
Depois, atuou no filme Dert Bende (2019) e na novela Maria ile Mustafa (2020), interpretando a colombiana Maria. Para o papel, fez aulas de salsa. Já em 2022, participou da série Yalnız Kurt, sobre a história recente da Turquia, e da série de filmes Katakulli. Em 2024, gravou Harman Yeri, para a plataforma digital Tabii, com 10 episódios. Também tem a missérie Kapi e os filmes Ulug’ Amir va Donna Mariya e Aşkın Dünkü Çocukları.
Uma vida levada com simplicidade
Antes de São Paulo, suas viagens limitavam-se à região de Paranacity. A rotina não se enquadrava no esquema adolescente eternizado pela música “Eduardo e Mônica”, da Legião Urbana, “escola, cinema, clube, televisão”. “Era assim: escola, casa, casa, escola, trabalhos escolares. A minha vida era bem simples”, afirmou a atriz.
As descobertas do mundo vieram, então, por meio dos livros. Ela frequentava a biblioteca municipal de Paranacity. Levava livros para casa. Ou pedia para que a mãe, sempre que ia à cidade, pegasse qualquer obra para ela ler. E lia muitas revistas de fotonovela. “Com a leitura, eu fui criando um mundo imaginário muito vasto. E aí, eu acho que eu ficava viajando nas leituras, nas histórias. Eu queria viver coisas diferentes”, contou.
Jéssica se casou em 2017 no cartório e, no ano seguinte, em ceremimônia religiosa em uma igreja de uma propriedade rural em Cruzeiro do Sul. O fotógrafo turco Hüseyin Kara, é seu primeiro namorado. “No dia seguinte que cheguei a Turquia, eu conheci ele no trabalho, no estúdio que eu estava gravando”, afirmou.
As amigas da escola indagavam porque ela não tinha namorado, já que era tão bonita. “Na época eu me interessava muito mais pelos estudos do que para esse tipo de coisa. Quando viu Kara pela primeira vez diz ter sentido algo que nem compreendeu no momento. “Perguntei para a minha mãe o que era aquilo que eu estava sentindo.”
Visitas
Há pitadas da simplicidade de Jessica em seu perfil no Instagram. Imagens suas durante suas estadias no sítio dos pais em Paranacity mostram a atriz dirigindo trator, cuidando dos animais, andando a cavalo e até no trabalho braçal, de ajudar a descarregar a colheita de colorau da carroceria do trator.
O gosto da vida no campo é compartilhada com o marido. “Ele ama o Brasil. É mais brasileiro que eu”, diz. Jessica relata os lugares luxuosos já frequentados em Istambul e que já viajou pra vários países da Europa. No entanto, esse prazeres não mudaram sua essência. “Pra mim, são coisas mundanas, coisas materiais que ficam aqui. Eu prefiro a simplicidade.”