‘Peladão de Marialva’ segue ignorando o frio e veste a única camisa que tem no armário: ‘não uso ela há 20 anos’


Por Evandro Mandadori

Hoje você vai ler e ver de uma perspectiva diferente da vida do homem que há mais de 20 anos resolveu não usar mais camisa e roupas pesadas, nem mesmo no período de frio mais rigoroso, daqueles que fazem as ruas ficarem vazias. Manoel Gonçalves Pereira Moreira, hoje com 79 anos, é solteiro, mora sozinho em meio a um aglomerado de árvores em Marialva e escolheu o estilo de vida “raiz” para passar a velhice sem muitos compromissos.

Se perguntar na pequena cidade da Capital da Uva Fina por Manoel Gonçalves, certamente terá dificuldade em o encontrar. Mas, se questionar onde mora o Português, onde vive o “peladão”, ou avisar que quer conhecer o “Descamisado”, os moradores já vão logo apontar a casa dele, que já é um personagem do município.

O “Peladão” é quase um patrimônio histórico da cidade. Afinal, ele mora por ali antes mesmo da emancipação política da cidade, que aconteceu em 1951.

Quem já conhece a história do Português, vai ver de maneira inédita a imagem da única camiseta que ele tem guardada há 30 anos. E não é qualquer camisa, não. Essa tem um carinho especial para ele ter guardado até hoje, já que não usa camisa há mais de duas décadas. “É uma peça que foi costurada pela mãe, olha que camisa linda. Eu guardo com muito carinho. A última vez que usei porque quis mesmo ir com ela, foi no velório do pai”, afirmou o Peladão.

Peladão de camisa?

E para quem está acostumado a ver Manoel sem camisa, uma novidade. Após uma longa conversa com ele, a reportagem convenceu o “Peladão” de Marialva a colocar a camisa e fazer um registro desse momento, digamos, diferente. Quem anda por Marialva sabe que não é nada comum Manoel vestir alguma coisa a não ser os shorts jeans, bem curto que ele usa todo santo dia.

Ou, será que Manoel ficou com frio mesmo e aproveitou colocar a roupa, já que essa semana em Marialva a temperatura era de 4.8°C? Nunca saberemos. A cena é tão atípica que outros moradores próximos aproveitaram e também tiraram fotos.


Questionado sobre a sensação de colocar a camisa, ele conta que não fica muito a vontade e que a sorte dele é que todos já se acostumaram com a opção de ele de andar por aí peladão.

“Eu vou ao mercado e não sou barrado. Já me aceitaram assim. Na maioria dos bancos também, posso entrar do jeito que sou. A não ser quando o gerente pede para eu não entrar. Eu respeito o trabalho dele, normas são normas. Daí eu busco uma camisa chego na porta eu coloco, quando saio já tiro”.

Manoel não autorizou entrarmos na residência para conhecer o estilo de vida dele dentro do lar. Porém, sabemos que ele só anda de chinelos e gosta de tomar água da chuva que coleta em baldes e deixa decantando por dias. Falando em estilo de vida peculiar, o “Descamisado” de Marialva afirma que já trabalhou muito e hoje, não gosta de seguir horários e nem compromissos. Talvez, seja daí a falta de vontade de ter que usar roupas e se vestir no “padrão” das pessoas.

“Eu já ajudei na serralharia dos meus pais, já fui caminhoneiro levando muita coisa por esse país, já trabalhei em todas as usinas que você imaginar garoto (repórter). Quem tem que usar essas roupas todas ‘grã-finas’ são vocês. Eu, não. Eu gosto é disso aqui, olha, de estar a vontade e ficar embaixo dessas sombras aqui. E essas árvores são minhas, viu!? Tenho 10 mil metros de terreno aqui e enquanto eu for vivo ninguém corta nenhum galho”, afirmou Manoel.

Terreno de 10 mil metros quadrados do Manoel de frente a residência dele em Marialva


E em relação a patrimônio, seu Manoel não é aposentado e não trabalha desde de que deixou em desuso as blusas e camisas. A renda vem de imóveis da herança dos pais, que eram pessoas de posses em Marialva e mantinham uma serralharia, exatamente onde hoje fica a casa do nosso entrevistado. O capital dele em imóveis é considerável. Mas a simplicidade do homem, assusta.

Gostos peculiares

Além de viver com o mínimo de recursos possível, o Português não conta nem com chuveiro em casa e nem mesmo celular. O banho acontece por meio de um cano “uma bica d’água” que sai na temperatura natural. Não existe internet e ele se esquivou da minha pergunta se na casa havia energia elétrica.

“Aqui não tem frio. A água tem que ser natural. De madrugada até que esfria, mas, mesmo assim, não deixo de tomar meu banho frio de manhã. Meu corpo já está adaptado. A queda da bica é uma delícia”, explica.

O “Descamisado” ainda revela o seu segredo para ter a pele sempre saudável. “Eu uso limão na pele. Faço a barba uma vez por semana, ajeito o bigode e, para tirar a seborreia do meu cabelo que é cumprido, passo limão. Também passo limão no corpo para tirar as manchas roxas porque a pele nossa não é mais de jovem, veias são sensíveis e qualquer coisa rebentam. Mas daí quando passo limão não saio no sol para não manchar”, conta.

Só que levar uma vida singular, quando se foge dos parâmetros razoáveis, pode ser perigoso em alguns aspectos. Aos 79 anos, o homem que é figura em Marialva sabe dos problemas de saúde que tem, mas não confia na ciência. Ele não vai ao médico e não faz o uso de remédios nem mesmo quando é preciso. Manoel tem uma grande hérnia que é visível, mesmo estando de shorts. Se queixou de fortes dores no joelho, que inclusive estavam inchados, só que não pretende fazer exames e nenhum procedimento médico.

“Passo só uma pasta que se usava em cavalo de corrida e passava nas articulações chama-se caminex e eu paguei caro nela. Mas deu uma melhorada. Joelho chegou a ficar até preto esses dias. Eu não sou mais um garotão”, frisou Manoel.

Família e amigos

A vizinha e amiga de bairro de Manoel, Neusa Maria, conta que ele é uma pessoa fantástica e simples. Neusa vai com frequência visita-lo e, inclusive, ajudou a nossa equipe de reportagem a convencer o Português que é “desconfiado” de tudo. Ela é uma das poucas pessoas que conseguiu entrar na casa com autorização dele.

“Estive lá para ajudar, quando ele estava com dengue. O Manoel ficou bem doente e eu fui levar algumas coisas. É um ótimo vizinho eu me preocupo com a saúde ele. Sempre quando ele sobe para a cidade, passa e me deixa algumas frutas que colhe aqui mesmo na no terreno”, afirmou a vizinha.

O marialvense tem um casal de filhos que moram do estado e que não mantém muito contato. Ele conta que teve 6 mulheres ao longo da vida, mas a partir do momento em que elas começaram a “encher muito” a cabeça dele, não deu mais certo.

“Eu já tive 6 amantes (namoradas) uma delas eu tive meus filhos. Chega um ponto que elas começam a implicar e daí é melhor cada um viver sua vida e foi isso que aconteceu. Eu sou feliz assim, tenho amigos que são igual família para mim. Tem muita gente que não tem o que eu tenho e eu escolhi viver assim”, ressalta Português.



Sair da versão mobile