Nesta edição do Pílulas, comentarei brevemente sobre 3 filmes atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros que nos apresentam mulheres fortes à frente das câmeras e no papel de protagonistas da trama. Quanto aos filmes, no entanto, nem todos são tão satisfatórios…
É impossível não se comover com a adaptação de Juliana. Jovem recém-aprovada no concurso da prefeitura de Contagem/MG, ela se muda para a cidade e passa a integrar a equipe de agentes comunitários de saúde que saem às ruas, batendo de porta em porta para fazer a fiscalização da dengue. A cada casa que visita, uma surpresa. Por menor que seja o contato, adentrar o universo particular de estranhos pode ser uma armadilha, porém o roteiro não escolhe trilhar esse caminho fácil. Em contrapartida, é Juliana que surge como uma “desconhecida” para o espectador e, aos poucos, vai abrindo frestas que nos permite conhecer sua história. Esta “inversão de papel”, muito bem delineada pelo filme, é uma das sacadas inteligentes de “Temporada”.
Bem como seus projetos anteriores, como o intimista “Ela Volta na Quinta” (2016), o cineasta André Novais Oliveira prossegue com o seu cinema de observação, sendo discreto na forma e intenso em sentimentos e significados. É muito amplo e ao mesmo tempo muito profundo o que os seus filmes conseguem alcançar, sempre dando ao espectador uma possibilidade de navegar em seus próprios pensamentos e lembranças. Uma experiência, no mínimo, de autorreflexão.
Em “Temporada”, os novos ares que vêm com a mudança – incentivados pelos efeitos da memória – vão lapidando um retrato singelo e natural sobre abraçar e receber a família que nós escolhemos e que nos acolhe. Tendo Juliana como nossa guia, a atriz Grace Passô ilumina a tela.
Veterana do cinema, Glenn Close nunca esteve tão próxima de faturar um Oscar de Melhor Atriz como agora pelo seu ótimo desempenho no drama “A Esposa”. Ela interpreta a companheira de longa data de um escritor renomado, que após diversas publicações de sucesso, foi convidado para receber o Prêmio Nobel de Literatura. Seguindo o protocolo, a esposa acompanha o marido até Estocolmo, na Suécia, para que ele receba a honraria. Durante a viagem, ela começa a ficar incomodada e ligeiramente insatisfeita com o papel que desempenha, sentindo-se sublimada à figura do homem que foi seu parceiro de toda a vida.
As inquietações da personagem são todas válidas e interessantes de serem trazidas à tona; uma pena que essas questões são induzidas por um roteiro relaxado, com uma estrutura dramatúrgica pobre e talhada em chavões e figuras clichês. Pra piorar, o diretor Björn Runge é incapaz de criar um enquadramento decente durante todo o filme, a não ser aqueles que centralizam no rosto da protagonista, e aí é Glenn Close dando o seu show. A atriz confere certa elegância a um material que dói tamanha falta de capricho.
“A Esposa” seria muito mais bem resolvido se chutasse todas as convenções do drama familiar, ignorasse os coadjuvantes, descartasse os flashbacks intrusivos e concentrasse toda a sua metragem em Close e o grande Jonathan Pryce no papel do marido lavando roupa suja em um quarto de hotel. Até há uma cena como esta, mas até chegar a ela, o espectador é infelizmente fuzilado com uma metralhadora de incompetências.
“Lizzie” narra o polêmico episódio verídico da jovem Lizzie Borden, que assassinou o pai e a madrasta em Fall River, Massachusetts, no século XIX, o que deixou todos atordoados na época pela frieza do homicídio. Esse mesmo caso já foi levado ao público em diversos formatos, seja no cinema ou na TV, direta ou indiretamente. Nesta nova tentativa, o diretor Craig William Macneill se revela pretensioso – e ousado – ao tentar abraçar o mundo e retratar o trágico massacre sob várias lentes, a começar pelo psicológico instável da personagem-título, algo que é agravado pelo ambiente opressor e machista onde ela vive, personalizado na figura de seu odioso pai. Além disso, o filme é apimentado com um romance homossexual, entrega grande parte de sua resolução como um drama de tribunal, e ainda adiciona pitadas de horror, evidenciando cenas gráficas que podem incomodar os mais sensíveis.
E com todas essas investidas, “Lizzie” poderia facilmente ser uma macarronada, mas não é. Deve-se reconhecer que Macneill soube dosar o filme, ainda que sofra algumas inconstâncias e perca o interesse em algumas escolhas do roteiro, principalmente quando enfoca na solução do mistério e não nas protagonistas. A propósito, como Lizzie, temos uma Chloë Sevigny hábil em imprimir todas as angústias da personagem e que compartilha uma boa química com Kristen Stewart no papel da criada da casa, uma jovem solitária e que lida com os seus demônios em silêncio.
Diante de tantos motivos para fugir, no fim das contas, “Lizzie” é até uma boa surpresa.