A premiação considerada mais importante da indústria do cinema, o Oscar, atribuído pela a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, acabou de anunciar seus vencedores. No total, compreendendo as 24 categorias, o saldo foi de 16 produções premiadas com pelo menos 1 estatueta. O sul-coreano “Parasita” liderou o bando com 4 merecidas vitórias, incluindo Melhor Filme.
Nesta edição do Pílulas, a coluna traz resenhas de três filmes reconhecidos no Oscar 2020: “O Escândalo”, drama sobre assédio sexual em um grande conglomerado de comunicação (vencedor em Melhor Maquiagem); o épico de guerra “1917”, premiado com três carecas dourados em categorias técnicas (Melhor Fotografia, Melhores Efeitos Visuais e Melhor Mixagem de Som); e a sátira “Jojo Rabbit”, narrada em tempos sombrios do Nazismo na Alemanha (Melhor Roteiro Adaptado).
Um dos casos precursores do Me Too, movimento em que mulheres se uniram para denunciar personalidades por assédio sexual, envolve o tradicional canal de TV Fox News, de onde alguns executivos e o presidente magnata, Roger Ailes, foram condenados por estupro. O filme “O Escândalo” remonta este episódio, mostrando particularidades que antecederam a erupção do vulcão, quando a jornalista Gretchen Carlson deu a cara à tapa, abertamente fez sua acusação e abriu processo contra Ailes. Em vez de adotar um tom opressor para uma história nitidamente trágica, o roteiro de Charles Randolph opta por saídas cômicas, que, às vezes surgem inadequadas, mas em sua totalidade não suavizam a situação e sublinham o contexto desesperador da história. Essa escolha da “comédia nervosa” também permite ridicularizar o pensamento conservador dos envolvidos, dos predadores e das presas.
No entanto, além do fato de ser “muito americano”, o enredo de “O Escândalo” patina e nunca alcança o ápice de sua relevância, entregando-se a obviedades e resoluções simplificadas do que poderia ser um documento importante em prol das vítimas de assédio. A sensação é que o filme não demonstra preocupação com as mulheres usadas na trama, encaradas como meros artifícios dramatúrgicos para que o roteiro se acomode em sua mínima coesão. Para ilustrar, é lamentável a lógica da subtrama envolvendo a descartável personagem da atriz Margot Robbie: uma jovem estagiária e aspirante a âncora que topa certas condições para ascender na carreira e depois se arrepende. O despreparo com que essa linha narrativa é contada não despende empatia e beira a crueldade.
Produzido e protagonizado por uma ótima Charlize Theron, “O Escândalo” tem acertos e flashes de momentos inspirados. O filme não chega a ser um desserviço, mas percorre caminhos tortos e joga no lixo a oportunidade de ser mais valioso.
Como representar o irrepresentável? Em um cenário de guerra, é um compromisso ético reconstruir (ou desconstruir) fronts, trincheiras, esconderijos e campos de batalha para poder contar uma história. Terrence Malick, por exemplo, se apropriou de uma linguagem poética e contemplativa em “Além da Linha Vermelha” (1998); no mesmo ano, com “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), Steven Spielberg lançou um olhar mais realista sobre o confronto; já no pouco conhecido “Na Ventania” (2014), o diretor estoniano Martti Helde criou uma espécie de ensaio apenas com imagens congeladas mostrando o horror da guerra. Esses são alguns exemplos de que, independentemente da cosmética da representação, cada realizador é responsável pela roupagem emprestada à narrativa de suas produções. No caso de “1917”, em meio aos escombros da Primeira Guerra Mundial, o britânico Sam Mendes escolhe o plano-sequência para acompanhar a odisseia de dois soldados que precisam atravessar o território inimigo para entregar uma informação importante aos aliados.
O recurso dos longos planos, com cortes de cenas muitas vezes imperceptíveis, é muito bem administrado por Mendes. Antes de ser um filme de guerra, o roteiro foca no fator humano e seu dever de lealdade, o que garante imersão e densidade dramática. Entretanto, o que mais se leva de “1917” é a admiração pelos exímios atributos técnicos, desde a operação da câmera, excelente design de som com diversas camadas e o trabalho de iluminação, que é de encher os olhos. É um grande espetáculo, felizmente sem espetacularizar a guerra, não declinando ao virtuosismo gratuito para torná-la “bonita”. Utilizando o plano-sequência, Mendes consegue driblar o conceito puramente estético e usá-lo a seu favor, concebendo uma experiência com forte conexão visual e emocional.
“Jojo Rabbit” não é o primeiro filme dirigido e roteirizado por Taika Waititi centrado na infância e com abordagem fabulesca. Anteriormente, não só o cineasta já colocou essa combinação em prática, como havia demonstrado uma veia expressiva para a comédia em projetos como “Boy” (2010) e “A Incrível Aventura de Rick Baker” (2016). É um infortúnio que a sua receita não tenha sido tão bem-sucedida com este novo lançamento, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por alguma razão inexplicável. Afinal, é justamente no script que se encontram as maiores falhas de “Jojo Rabbit”, e não me refiro à (bem-vinda) ousadia de Waititi em abordar o Nazismo com humor, uma vez que tantos mestres da comédia, de Charlie Chaplin a Mel Brooks, já fizeram; o que prejudica o filme é falta de consistência em piadas pouco favorecidas, alusões pobres e sem sabor de novidade, além de uma série de escolhas simplórias, com a inclusão de uma ou duas frases de efeito engraçadinhas para empalidecer a falta de criatividade do escopo.
Definitivamente, o roteiro pastelão de “Jojo Rabbit” não colabora, mas o filme é aliviado pelo ótimo elenco, principalmente o trio de atores mirins Roman Griffin Davis (fantástico), Archie Yates (sensacional), Thomasin McKenzie, além da participação radiante de Scarlett Johansson como a mãe do personagem-título. O mesmo não se pode dizer dos demais atores, a ala de “nazistas do bem”, o que inclui o Hitler imaginário interpretado pelo próprio diretor. Essa, aliás, uma ideia bem desajeitada e que, por vezes, trunca a história de ir adiante. Tendo algumas cartas na manga para seduzir o público, como a trilha sonora incidental com Beatles e David Bowie, “Jojo Rabbit” não conseguiu fazer tão bem a diferenciação de que é possível ridicularizar sem soar ridículo. Tenho comigo que o canal Porta dos Fundos faria melhor…