Conheça Chris Cornell, o cão policial de Maringá com mais de 3 mil operações no currículo


Por Felippe Gabriel

O uso de cães em operações policiais tem uma longa história e é uma prática que tem se mostrado bastante eficaz em diversas situações. Esses animais desempenham papéis cruciais em várias áreas da aplicação da lei, proporcionando benefícios significativos para as forças de segurança em todo o mundo. Em Maringá, o cão policial da Polícia Civil do Paraná (PCPR) já trabalhou em mais de três mil operações e tem nome de cantor: o pastor alemão Chris Cornell.

Chris Cornel e Marcos Vinicius Shinnae| Foto: Felippe Gabriel

Conduzido pelo agente Marcos Vinicius Shinnae, do Núcleo de Operações com Cães da Divisão Estadual de Narcóticos da PCPR, Chris já contribuiu com a apreensão de mais de 11 toneladas de maconha, mais de 1 tonelada de cocaína, aproximadamente 15 mil unidades de drogas sintéticas, 102 armas e 700 munições de arma de fogo. Aos cinco anos de idade, o agente canino trabalha como poucos.

“Se nós compararmos a carreira dele com outro servidor qualquer, o Chris trabalhou quase todos os dias do ano até agora, e com muitas operações no mesmo dia. Então a gente costuma falar que hoje o cão policial trabalha mais que qualquer outro policial humano”, diz o agente Shinnae.

Chegada

Chris Cornell chegou à Maringá antes mesmo da unidade de operações com cães existir na cidade, há cerca de quatro anos. Dessa maneira, o trabalho do pastor alemão, juntamente com seu condutor, foi essencial para que o projeto saísse do papel, após os vários sucessos do cão farejador em operações.

Mas até que a unidade do Núcleo de Operações com Cães ganhasse sua estrutura física, Chris precisou ficar no apartamento do agente Shinnae, o que trouxe desafios para sua rotina de treinamentos.

“Ele ficou por aproximadamente um ano no meu apartamento, na caixa de transporte. A gente tem toda uma doutrina [de treinamentos]: ele não pode ser tratado como pet, ele tem os horários dele. Então o carinho ele vai receber num horário específico, a brincadeira somente após o treinamento, e a gente seguiu a doutrina. No apartamento com a minha outra cadela aposentada, a Cristal, eles não tinham contato um com o outro. Tinha contato após o treinamento dele, eu acabava colocando os dois pra brincarem juntos. Mas carinho gratuito ele não tinha”, conta o condutor.

Esse tratamento na formação de Chris como um agente policial é crucial para o seu desenvolvimento, que necessita de treinamentos diários, afastando qualquer possibilidade de se tornar um pet. A vida como um cachorro “normal” só é conquistada após a aposentadoria, que acontece por volta dos nove anos do cão. E quem já desfruta disso é Cristal, a antiga companheira de Shinnae nas operações policiais e que foi adotada pelo agente quando se aposentou.

A ex-agente Cristal, da raça pastor belga malinois | Foto: Arquivo pessoal

Aprendiz

Chris Cornell não é o único agente canino da PCPR de Maringá. Kim, outro pastor alemão, também já auxilia os policiais no combate ao crime há cerca de um ano e já trabalhou em mais de 200 operações. Mais novo, agora com dois anos e três meses de idade, Kim foi selecionado para a organização para ser o substituto de Chris.

A ideia é ter um cão experiente no momento em que Chris se aposentar, para fazer a substituição dos agentes sem que a polícia perca sua qualidade.

Kim e Chris participam de operações todos os dias. O Núcleo de Operações com Cães da Polícia Civil do Paraná está distribuído em Maringá, Londrina, Foz do Iguaçu, Cascavel, Pato Branco e Curitiba. A unidade de Maringá atua em todo o DDD de número 44, de Maringá até Guaíra, e presta apoio à todas as unidades da PCPR, além de outros órgãos, como Polícia Federal e Governo Federal.

Kim, o cão policial mais novo da PCPR de Maringá | Foto: Felippe Gabriel

Conheça a carreira de um cão policial

Os cães são escolhidos através de uma seleção rigorosa, observando o comportamento dos animais para que atendam as características necessárias para desempenhar as atividades policiais. Eles precisam ser cães destemidos, adeptos aos treinos, interessados na “grande brincadeira” que o trabalho representa para eles.

Atualmente, as corporações possuem parcerias com empresas especializadas em seleção e treinamento de cães, que são estimulados diariamente desde o nascimento até serem incorporados às unidades policiais. Esses criadouros fornecem cães à toda a segurança pública do país, condicionando os animais mais suscetíveis à atividade policial com um pré-treinamento, como o entendimento dos odores dos entorpecentes. A partir disso, as corporações realizam os treinamentos táticos e operacionais dos caninos.

A maioria dos agentes de quatro patas pertencem a uma linhagem cães do esporte, que se destacam em campeonatos de adestramento e competições. Dessa forma, alguns animais são selecionados por olheiros profissionais, que identificam as características essenciais de um cão policial.

Uma nova doutrina da Polícia Civil do Paraná

Diferentemente de abordagens mais antigas e de outros órgãos de segurança no Brasil, a PCPR passou a utilizar uma nova doutrina na seleção dos agentes caninos, segundo o condutor Shinnae. Ao invés de selecionar filhotes, o método atual é iniciar os treinamentos em cães adolescentes e adultos.

“Com o passar dos anos foi verificado que, assim como no trabalho pedagógico humano, é muito mais fácil você selecionar um adolescente, que tem habilidades em um determinado esporte, treinar e aperfeiçoar o treinamento dele. Ele terá muito mais chance de ser um atleta profissional do que você pegar uma criancinha no berçário que gosta de bola. Isso garante que lá na frente ela vai ser um bom jogador de futebol, um bom atleta? Então, a partir desse princípio, a gente começou a pegar cães jovens ou adultos, a partir de 7 meses, até um ano e meio de idade. Porque ali você já consegue testar todas as habilidades do cão”, explica Shinnae. 

Logicamente, os cães adolescentes selecionados são condicionados a treinamentos desde os primeiros dias de vida nos criadouros especializados, tendo seus impulsos comportamentais de caça e segurança testados desde o princípio. Contudo, a mudança na doutrina de seleção da PCPR partiu, além da análise do trabalho pedagógico, de uma análise financeira das operações.

“Em termos de custo, você tem que arriscar, [selecionando] dois ou três cães filhotes. Você vai ter que deixar um servidor disponível para o treinamento desse cão praticamente 24 horas por dia. Daqui somente um ano você vai começar a colher os resultados. Em termos financeiros, vai ter o custo do cão, de ração, de tratamento, medicamento e o custo do servidor. Hoje, um cão apto ao trabalho já vem pronto”, diz o agente.

Os testes dos impulsos

Existem quatro requisitos básicos para a seleção de um cão para as atividades policiais. O primeiro consiste no impulso de caça, que é testado com o uso de bolas. O cão precisa querer buscar o brinquedo, mas não só isso. “Ele não pode gostar de buscar a bola, ele precisa ser ‘maluco’ pela bola”.

O segundo impulso testado é a insistência, a permanência na busca. “Muitas operações demoram. Você jogou o brinquedinho dele, ele procurou por cinco minutinhos e desanimou, perdeu a graça. Então, a brincadeira não vai ser legal pra ele. Se ele for insistente e continuar na busca, já tá no segundo requisito”, explica.

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Depois, a segurança dos animais é posta à prova. Os cães são levados a ambientes movimentados e com muitos barulhos, como rodoviárias, avenidas com grande circulação de pessoas, locais de construção civil e aeroportos, muitas vezes ao lado de aviões com turbinas ligadas. Se os animais não estranharem e se comportarem com indiferença, estão aprovados.

O teste de segurança também é aplicado na presença de outros cães, na qual os agentes caninos precisam demonstrar confiança e “não colocar o rabo entre as pernas”.

Por fim, o requisito da saúde. Os cães são submetidos a exames de checagem de formação estrutural e análise histórico familiar de deformações, como a displasia coxofemoral, doença genética comum em cães de grande porte, que afeta a estabilidade das articulações do quadril.

Raças selecionáveis

As principais raças de cães selecionadas para o trabalho policial são a pastor belga malinois, pastor alemão e rottweiler, justamente pelos cuidados adotados pelos criadouros na criação dessas espécies. Outro tipo de raça que tem entrado com bastante força no trabalho policial é o border collie.

Especialização dos condutores

Os agentes policiais especializados no manejo de cães são os chamados condutores, que precisam cursar cinotecnia policial para operar com os agentes caninos. A cinotecnia é um ramo da zootecnia especializada em cães e, nas corporações de segurança, consiste em uma especialização em tempo integral, com duração de aproximadamente 45 dias, para habilitar agentes na condução dos cães em operações.

Ao serem habilitados, os condutores passam a testar alguns cães para encontrar o que mais combina com o seu perfil.

“O Núcleo de Operações com Cães da Polícia Civil do Paraná é diretamente subordinado à divisão Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos). Então, a delegada fica em Curitiba e de lá ela faz toda a gestão. Os servidores que fazem a pré-seleção do cães já conhecem todos os policiais. Eles traçam o perfil do cão conforme o perfil do policial. Tanto o operador quanto o cão precisam ter uma conexão. Não adianta ser um cão muito agitado com um operador muito calmo. Tem que ter uma equação entre os dois”, explica o condutor de Chris Cornell.

Treinamento

Os agentes caninos, também conhecidos por “K9” no meio policial, termo referente à palavra “canine” no idioma inglês, são frequentemente treinados para detectar substâncias e objetos ilícitos, como drogas, armas de fogo, explosivos, entre outros. Seu olfato aguçado e capacidade de rastreamento os tornam valiosos aliados nestas buscas e apreensões. Esta habilidade é particularmente útil em aeroportos, portos, rodoviárias, vias públicas, edificações e também nos estabelecimentos prisionais.

O tratamento humanitário e respeitoso desses animais é fundamental para garantir que eles desempenhem suas funções de maneira eficiente, enquanto mantêm um padrão elevado de bem-estar animal. Depois das escolhas pelos animais que possuem o perfil para atuar nas atividades policiais, é necessário adestrá-lo para o melhor comportamento e desempenho durante estas ações.

“Esta parte do treinamento é realizada durante a janela social e se encerra aproximadamente aos 120 dias de vida do cão, podendo variar de acordo com a raça. A partir de então, inicia-se a modelagem do comportamento canino através de reforços positivos ou negativos, nos quais o condutor passa a recompensar o cão por comportamentos desejados, ignorando os indesejados, realizando o manejo de forma a direcionar o cão para o auxílio da atividade policial. Cada condutor é responsável pelo adestramento de seu cão. Em média, o treinamento dura aproximadamente 14 meses para os cães direcionados para atuar como farejadores e 24 meses para os cães que atuam na função de proteção”, detalha o policial penal da equipe K9 do Setor de Operações Especiais (SOE) de Maringá, Rodrigo Nieri da Costa. 

O cão se torna um estagiário

Para o agente Shinnae, os cães são incorporados à polícia com os conhecimentos básicos, mas não sabem fazer o trabalho. “Assim como qualquer profissional de qualquer área, ele entra como estagiário. Ele sabe o que ele tem que fazer, mas até pegar a dinâmica, os macetes, essa é a parte que a gente vai ensinar do cão. Então, tudo isso é a experiência ao longo do tempo que ele vai adquirindo com o treinamento e com as operações reais”, conta.

Além de muita dedicação, o treinamento requer que o cão permaneça em “estado primitivo”. É essencial que ele tenha o instinto da caça e que não seja humanizado, se tornando um pet. “Conforme você humaniza o demais do cão, ele vai perdendo os instintos básicos, os instintos primitivos dele. Por que ele vai farejar se tudo vem na mão dele?”.

Nesse sentido, a rotina de treinamentos de um cão policial é rigorosa, com horários bem definidos, limitações e sessões todos os dias, de manhã e de tarde, caso não haja operações em curso.

“O treinamento deles é uma brincadeira”, explica Shinnae. Os chamados pareamentos, para os cães, parecem ser encarados como uma diversão, mas que condicionam o comportamento canino e o entendimento de padrões.

“A gente vai começar a esconder o brinquedinho dele, e ele vai caçar esse brinquedo. Conforme ele vai achando e vai tendo a recompensa da comemoração, a gente vai fazendo o pareamento do brinquedo, escondendo o odor específico que ele tem que buscar. Aos poucos, a gente vai retirando o brinquedo e ele vai só atrás do odor. A partir do momento que ele começa a achar o odor, a gente joga o brinquedo”, conta. Durante os procedimentos, ao caninos são apresentados a diversos odores, na medida em que novos entorpecentes vão sendo criados.

Rotina

Além dos treinamentos diários, existe um cuidado para que os cães policiais tenham seus momentos de lazer. Normalmente, eles são levados a outros ambientes para se divertir, como nadar em rios e caminhadas no mato, sempre com a companhia da bolinha. Vale destacar, porém, que a diversão vem apenas depois do treinamento e em quantidades limitadas.

“Eles querem brincar 24 horas. Mas a gente procura sempre limitar essa brincadeira, porque ele tem que querer muito brincar. Então, se ele tiver tudo de graça, vai chegar uma hora que ele não vai querer. Então, a gente faz na base da recompensa”, explica Shinnae.

1/4 O nome Chris Cornell, em alusão ao cantor e guitarrista da banda Audioslave, foi escolhido pelos criadores de Chris | Foto: Felippe Gabriel
2/4 A unidade do Núcleo de Operações com Cães da PCPR em Maringá | Foto: Felippe Gabriel
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Nas unidades policiais, os cães ficam em suas baias, recebendo tratamentos e alimento. Três vezes por dia eles são soltos na área de soltura, que possui gramado e árvores, para ficarem relaxando. Posteriormente ao trabalho, eles voltam para a baia.

Subgrupos

Os cães policiais são divididos basicamente em três subgrupos, sendo cães de faro, cães de proteção e cães de busca e captura de pessoas. Os farejadores desempenham a função de busca por entorpecentes, armas de fogo e munições, além de inspeções a qualquer objeto ou ambiente.

Já os de proteção são aqueles que realizam a segurança da equipe policial em operações. Por fim, os cães de busca e captura são utilizados na procura por fugitivos, pessoas desaparecidas ou cadáveres, quando é apresentado ao cão o odor da pessoa a ser encontrada e o animal auxilia fazendo o seu rastro.

“Cada função é uma especialização. A detecção, em geral – droga, arma, munição – entra numa só. A de explosivo já entra numa outra especialidade, porque o cão tem que ter alguns cuidados, o treinamento tem que ser diferenciado, justamente porque é algo mais sensível. O de cadáver é um trabalho mais longo, cansativo, porque, normalmente, vai ser em ambientes abertos. E o de busca de resgate, também são cães que têm que ter uma grande resistência”, diz o agente.

O condutor de Chris Cornell também explica que cada especialização pode contar com raças de cães específicas, mas que o pastor belga malinois e o pastor alemão são universais, podendo desempenhar todas as funções. “Por exemplo, os bombeiros gostam muito de usar labradores para a busca de cadáver”, conta.

Os traumas da profissão

Trabalhar em operações policiais, embora sejam encaradas como brincadeiras para os cães, sujeitam todos os envolvidos a perigos e traumas. O agente Shinnae conta que determinadas situações podem ser irreversíveis para a atividade canina.

“Um cão que estava em uma operação policial levou um tiro. Ele traumatizou. Ele até opera em determinados ambientes, mas não é como antes. Então, a gente tem que tomar muito cuidado, nós operadores, no emprego do cão. A gente faz uma varredura do ambiente, justamente para ver se não tem algo que vai machucar o cão, porque, às vezes, esse machucado pode gerar um trauma. E, às vezes, esse trauma é irreversível”.

Um episódio dessa natureza aconteceu com Chris, que tomou um choque após encostar o focinho molhado em uma geladeira. Felizmente, tudo foi contornado e hoje ele trabalha normalmente. “A gente acaba trabalhando no momento em que ocorre o acidente, trabalhando o problema, justamente pra ele não carregar isso posteriormente”, explica o condutor.

Outros incidentes comuns são quedas de telhados ou forros que contém drogas. Na ânsia de buscar o entorpecente, os cães acabam não percebendo o perigo. Um telhado já desabou em cima de Chris e Shinnae, por exemplo, mas não o traumatizou.

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Outro caso que pode afastar os cães de suas operações é a insegurança genética. “Um dos cães que nós tivemos operava até um ano e meio de idade, estava perfeito, só que ele tinha um problema de insegurança genética. Todos os irmãos deles, que também estavam trabalhando em outras unidades policiais, apresentaram o mesmo problema. Com um ano e meio, quase dois anos, eles começaram a ter medo de tudo. Então, em determinados ambientes, a gente não conseguia trabalhar com ele. Esse foi um caso de ter que baixar o cachorro, aposentar”.

Aposentadoria

O cão policial se aposenta geralmente entre os 8 e 9 anos de idade, dependendo do seu rendimento e condição física ou de saúde. Se antes dessa idade for observada qualquer alteração que o impeça de continuar trabalhando, opta-se pela sua aposentadoria.

A prioridade é ter cães sadios nas equipes, sobretudo proporcionando bem estar aos mesmos, além de garantir uma vida pet aos animais, que vivem cerca de 14 anos.

Os condutores dos cães aposentados possuem a prioridade para adotá-los, o que geralmente ocorre devido ao laço de amor criado entre eles. “Normalmente se abre a adoção primeiro para os condutores, depois para os policiais da instituição. Se não houver interesse de nenhum, aí é aberto ao público externo”, finaliza Shinnae.

Com informações da Polícia Penal do Paraná.

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