Tradicional sorveteria de Maringá fecha as portas depois de quase cinco décadas

“Leva mais, essa é a última vez que você compra sorvete com a gente”. A frase, sempre emocionada, é a mais falada por José Carlos Vieira nos últimos dias aos clientes de longa data que fazem parte dos quase 50 anos de história da sorveteria que ele administra.
Ao ouvir como resposta: “e onde é que eu vou comprar sorvete agora?”, as lágrimas vem em forma de saudade. Muitos dos fregueses frequentam o local desde a infância e, até esse fim de semana, compravam picolés e potes de sorvete para dividir com os filhos e netos.

A Bellokikos era a terceira sorveteria mais antiga de Maringá ainda em operação, atrás apenas da Sorveteria Beija-Flor, e da Espucreme. Ao findar deste mês, encerra-se também o ciclo da família a frente do negócio – ou quando o último sorvete do estoque for vendido, o que vier primeiro. Na última quarta-feira (23), um post nas redes sociais anunciava a despedida, acompanhada de uma promoção para zerar o estoque com picolés sendo vendidos a R$1,50 e potes custando de R$15 a R$30.
O fechamento anunciado é para as duas unidades, a da Avenida São Paulo, em operação desde o dia 7 de novembro de 1977, e a da Avenida Cerro Azul, que abriu as portas seis anos depois. A história começou com a vinda dos irmãos Vieira de Arapongas para Maringá quando a cidade ainda estava começando e a construção da Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Glória ainda estava pela metade. Depois de algum tempo trabalhando com bares e restaurantes, um amigo de José ofereceu a ele um maquinário próprio para fazer sorvetes dos quais estava se desfazendo. Ele apostou no novo desafio e, em sociedade com os irmãos, abriu uma sorveteria sem nunca ter feito sorvete na vida.
José Carlos e Sebastião seguiram na sociedade até hoje, tocando o negócio ao lado das esposas, abrindo de segunda a segunda. Com o tempo aprimoraram as receitas, investiram em máquinas mais modernas e chegaram a ter oito lojas em Maringá e região. A segunda unidade, na Cerro Azul, foi aberta nos anos 1980 para atender aos muitos jovens que frequentavam a avenida para passar o tempo em uma era pré shoppings centers, onde as opções de diversão eram escassas. A expansão veio em forma de franquias, mas o modelo de negócio não se sustentou e, aos poucos, as lojas foram fechando, restando apenas as duas primeiras, cada uma administrada por um irmão. Com o sustento dali criaram os filhos e com as receitas geladas criaram memórias em milhares de maringaenses.

Mas o mercado se transformou, trazendo novos concorrentes e opções como as lojas especializadas em açaí e as gelaterias. Mesmo com o investimento em reformas e ampliações, o movimento não era mais o mesmo dos tempos áureos e o pique dos donos também havia mudado. Uma proposta para passar os dois pontos adiante veio no momento decisivo e os irmãos Vieira decidiram encerrar o ciclo à frente da Bellokikos. Por questões contratuais, eles não revelam o nome dos compradores, mas em breve novos negócios funcionarão nos dois endereços ocupados pela sorveteria que fez história na cidade. Nos últimos dias de funcionamento, depoimentos saudosos ocupam os comentários dos posts nas redes e os donos relembram os sabores preferidos dos clientes de longa data que entram para fazer a última compra e se despedir: “esse gosta de ameixa, aquele prefere o de cereja…”, relembra o dono enumerando os clientes frequentes. Quando as portas baixarem pela última vez, a única certeza é que os bons momentos regados a doces colheradas vão ficar na memória de quem dedicou a vida ao negócio e de quem saboreou um bom sorvete ali.