05 de junho de 2025

É bom estar de volta


Por Victor Simião Publicado 27/02/2025 às 15h17
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reginaldo rossi
Reginaldo Rossi. Foto: Divulgação

Um amigo me perguntou qual seria o tema da primeira crônica após tantos anos sem escrever.

– Não sei – eu disse a ele. Há muitos assuntos passando pela minha cabeça: a permanente crise democrática no mundo, o aquecimento global, as canções do Reginaldo Rossi. Às vezes é difícil estabelecer qual é a prioridade, embora as músicas do pernambucano falem, de modo bem próprio, sobre vontade popular (“Em plena lua de mel”) e meio ambiente (“As quatro estações”).

Estávamos no Bar Apenas Bar, e ele havia pedido um xeque-mate, a bebida dos jovens que, segundo um tio meu, tem o mesmo gosto do óleo de motor que ele colocava num opala 77.

– Escrever deve ser difícil – meu amigo falou.

Eu não o rebati. Meu camarada trabalha em um abatedouro na saída para Paiçandu. Se ele acha que desossar um boi é mais tranquilo do que ter ideias e registrá-las, não sou eu quem vou negar. Ainda mais sabendo que o sujeito sempre anda com uma faca na cintura porque, de acordo com meu amigo, “nunca se sabe quando vai ser necessário fazer um corte ali. Uma paleta pode estar em qualquer esquina”.

Esse meu amigo, aliás, entre uma golada e outra, me perguntou sobre o que eu achava da bebida que ele estava tomando. Novamente me acovardei para evitar qualquer tipo de problema.

Fato é que buscar por um assunto para a crônica, após quatro anos sem escrever, foi um tanto diferente. A mão estava destreinada. Tentei usar um truque, então. O da minha sacolinha. É que uma vez eu li que um escritor de quem gosto costuma guardar ideias que vêm de repente à cabeça em uma espécie de caixa. Todas as vezes que estava sem ideias ou não sabia como seguir o texto, ele ia à caixa, tirava um papel e pimba: lá estava uma possibilidade, um caminho a seguir.

Ao longo dos anos, eu fiz algo parecido. Peguei uma sacola de supermercado e coloquei várias ideias ali. Achava isso um barato porque na estampa do material estava escrito “Amigão”, e, de certa forma, aquele saquinho era um grande amigo cheio de ideias. Ali estavam reunidas anotações em guardanapos, folhas soltas, até mesmo em comprovante fiscal. Um mar de criação que me salvaria quando eu precisasse. Que me salvaria nesta primeira semana.

O problema é que não achei a sacola. Então não tive nenhum tipo de ajuda para escrever esta crônica.

Pensei, então, que poderia escrever sobre um amigo que dormiu na rua em Paris; ou sobre aquele outro que, em acesso dramático, pensou em se jogar do sétimo andar após deixar um amigo passar a noite ao relento numa capital europeia; ou então sobre minha tese de doutorado em linguística, cuja premissa é a de que a língua mundial não foi e nem será o esperanto, mas sim o karaokê. Mas ainda não sei como abordar tudo isso. Minha analista disse, dias atrás, que eu exagero muito quando escrevo ou conto histórias.

– Você fantasia demais o mundo, Victor. Há algo que te assuste?

– As parcelas do IPVA, o preço do café, o fato de saber que o Reginaldo Rossi não está mais vivo. Isso já não é suficiente?

No fim das contas, é isso. Conto histórias, exageradas ou não. As que eu vivi, as que eu ouvi e as que eu invento.

É bom estar de volta.


victor simião

Victor Simião, 30, é jornalista e sociólogo. Ele fala sobre livros na rádio CBN Maringá e pode ser encontrado ou no Instagram ou pelo e-mail victorsimiao1@gmail.com

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