16 de março de 2025

João, Vinícius e a Marmitaria do Boy


Por Victor Simião Publicado 14/03/2025 às 08h40
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Toda e qualquer despedida, mesmo que momentânea, tem lá sua melancolia. Ainda me lembro da morte dos meus avós, da dos meus cachorros; até daqueles Tamagotchi, o chamado bichinho virtual – eu ficava tão triste que a única forma de aplacar aquele sentimento, no alto dos meus oito ou nove anos, era ouvir toda a discografia do Raça Negra. 

Não foi sem consternação, portanto, que vivi a noite da última sexta-feira. Foi uma despedida temporária dupla: a do João Paulo e do Vinicius, que vão passar três meses na Espanha; e a da mudança de local da “Marmitaria do Boy”, que carinhosamente chamamos ou de “Marmitaria” ou de “Boy”. 

No caso do João Paulo e do Vinícius, o sentimento foi agridoce: feliz porque eles estão indo em um projeto de estudo; triste porque as próximas sextas-feiras, sem os dois, não terão mais tanta graça. Serão dias com menos purpurina, risadas e danças. Serão dias de saudade. 

Acho que todo mundo deveria ter gente que nem o João e o Vinícius por perto. O João, colorido, batendo um leque enfeitado com neon, a barba grande, mas bem-feita, cantando e dançando como se nada mais importasse no mundo. O Vinicius, mais contido, aberto a ouvir o que você quiser falar, sempre sorridente e observador – eles formam um casal que transmite paz e alegria. 

Para mim, eles, aliás, eram os reis da “Marmitaria”. Agora, mesmo que momentaneamente, não haverá nem majestade e nem reinado, já que o bar mudará de lugar. 

A despedida dupla, portanto, foi simbólica. Para mim, o “Boy” não existiria se não fosse o João e a turma dele. É que, ao longo dos últimos anos, ele, o Vinícius, mais um time formado pelo Murílio, Mateus, Elóa, Barbosa e outras pessoas, deram uma nova cara ao karaokê maringaense. E digo isso como pesquisador do assunto – lembre-se, em criança, eu ouvia toda a discografia daquele grupo que canta “Didididididiê”. 

É que havia algo de mágico dentro daquele espaço, cuja fachada era pintada de branco, verde e vermelho. Uma coisa meio bares de Los Angeles nos anos 1980 e micareta da Daniela Mercury – a Indianara, cantora que dava show ali, é a nossa baiana.  Às sextas, depois das 20h, um por um chegava à “Marmitaria” e fazia daquele bar um palco mais animado que o Lollapalooza. Não era o término de um dia: era o início do fim de semana. 

Isso foi construído ao longo de anos. Aquela pacata esquina da Zona 08 se tornou um local tão agitado quanto o trevo do Catuaí às 18h. Também graças à simpatia da Celina, a dona, e do Boy, o dono, batalhadores tipicamente brasileiros que, apesar de tudo, não deixaram nunca a peteca cair – e nem de trazer mais uma cerveja.

Guardo com carinho o fato de que, por lá, encontrei gente que não via há muito tempo. Professores, ex-colegas de trabalho. Um amigo até reencontrou o pai dele, que não via há anos. “Para compensar a falta de pensão, ele me pagou uma Skol e uma porção de batata”, meu amigo me disse.

Estar no “Boy” era também pausar o espaço-tempo. Ali, entre uma cantoria e outra (“Vou negando as aparências/Disfarçando as evidências”), era possível esquecer, mesmo que por pouco tempo, a possibilidade de anistia para golpistas, o valor do IPVA do carro e o gol roubado do Palmeiras na semifinal do paulista 2025.

De certa forma, esse ciclo se encerrou. A “Marmitaria” vai reabrir em outro lugar, provavelmente num estabelecimento no Conjunto Ney Braga ou no Jardim dos Pássaros, e o João Paulo e o Vinícius estarão fora do Brasil até meados de junho. 

A “Marmitaria do Boy”, com João Paulo, Vinicius e companhia, portanto, foi um mundo. Meio bar, meio palco de shows. Me pego pensando que, na próxima sexta-feira, não haverá mais a “Marmitaria do Boy” em Maringá. 

Há um vazio a ser preenchido: como vai ser? Tenho pensado em curar essa tristeza ouvindo a discografia de um grupo aí…

E quanto a você, se nunca foi ao “Boy”, perdeu. Lá, como cantava Gal Costa, nós “fomos felizes e felizes fomos”. 


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Victor Simião, 30, é jornalista e sociólogo. Ele fala sobre livros na rádio CBN Maringá e pode ser encontrado ou no Instagram ou pelo e-mail victorsimiao1@gmail.com

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