O mistério dos livros

Sou um sujeito simples: acordo cedo, trabalho, jogo futebol com amigos e vou ao samba às sextas à noite. Sou organizado: guardo as coisas no mesmo lugar sempre. Vou ao médico periodicamente, faço exames (sou tão cuidadoso que, não faz muito, descobri uma pedra no rim). Tenho hábitos, portanto.
Não tenho grandes manias ou algo semelhante. Um tipo comum, é o que sou. É por isso que foi estranho o que me aconteceu dia desses. Algo fora do normal. Algo que, para um suburbano como eu, é um mistério.
Dois livros meus sumiram. Do nada.
Semanas atrás, ao preparar uma coluna para a rádio CBN Maringá sobre literatura maringaense, me lembrei dessas obras. Ao procurá-las, nada de encontrá-las. Elas deveriam estar onde sempre estiveram. E o pior: nessa busca, percebi que um terceiro também estava desaparecido.
Logo comigo.
Tão organizado.
A pedra no rim até cresceu, acho.
Era uma quinta-feira, por volta da meia-noite. Eu precisava dormir, pois acordava cedo no outro dia. E a coluna ia ao ar no outro dia, de tarde. Como faria o roteiro sem dar uma olhada novamente nesses livros?
Meu apartamento é pequeno, mas nele estão os quase 1.300 volumes que tenho. Decidi, então, que iria procurá-los naquela noite. E foi o que fiz. Coloquei Raça Negra para tocar na Alexa e, cheio de manias, fiz a busca.
Era quase uma da manhã quando achei o primeiro e único daquela madrugada. Quando passou das duas, decidi dormir. Mas sonhei com o número dois. Porque ainda me faltavam dois livros.
No outro dia, às 07h, já de pé, fiz um café forte, e, novamente, procurei, procurei e nada. Mandei mensagem para pessoas que, na minha cabeça, teriam interesse nas obras sumidas. Eu poderia tê-las emprestado, não?
Não. Todo mundo me respondeu de forma negativa.
Às 10h, na sexta, na terapia, a minha sessão foi sobre perdas e necessidade de reencontrar o que estava perdido.
– Às vezes as coisas vão embora, Victor – minha analista disse. E até fazia sentido. Mas, puxa!, livros não têm pernas. Não pode!
Por sorte, eu tinha anotações sobre os sumidos e consegui fazer a coluna sem percalços.
Mas eu queria meus livros. Me sentia a própria parábola do pastor que, sentindo a falta de uma ovelha, embora tivesse 99 no rebanho, vai atrás da centésima, que havia escapado. Só retorna feliz quando a encontra. E eu só voltaria a sorrir quando achasse os meus livros.
No meio da tarde, me lembrei, um amigo havia falado comigo sobre um dos livros. E, voalà, ao mandar mensagem ao camarada, ele me respondeu que, sim, o bendito estava na casa dele. Ufa.
Já achei dois.
Mas e o outro?
O terceiro?
Era sexta à noite – e todo mundo espera algo de sexta à noite. Por volta das 20h, decidi novamente procurar em toda minha biblioteca. Tirei livro, subi livro, desci livro, abri caixa. Nada.
Às 23h30, encerrei a busca. Tomei um banho e, triste, decidi dormir. Ao me preparar para deitar, coloquei meus óculos na estante que fica em meu quarto.
E levei um susto.
Meio de canto, espremido entre obras de Pierre Bourdieu e Roberto Schwarz, o bendito do terceiro livro estava por lá. A lombada dele parece sorrir para mim – como se dissesse que sujeito idiota eu era. “Eu estava aqui o tempo todo/ Só você não viu”, o livro poderia cantar.
Eu não sabia como reagir. Eu havia procurado tanto, tanto. Agora, assim, de repente, ele estava lá.
Acho que, em outros momentos, eu ficaria com raiva. Mas aí me lembrei. Era sexta-feira à noite, antes da meia-noite, e havia o samba.
Sorri. Troquei de roupa e fui.
É que sou um sujeito de hábitos.

Victor Simião, 30, é jornalista e sociólogo. Ele fala sobre livros na rádio CBN Maringá e pode ser encontrado ou no Instagram ou pelo e-mail victorsimiao1@gmail.com