Os melhores filmes de 2020
2020… tá aí um ano para se esquecer. Mas sabemos que isso será impossível, ainda mais para as pessoas que assistiram de perto vidas serem interrompidas por conta da Covid-19. Se o apagamento voluntário é inevitável, penso eu que este ano possa ser encarado como um período de mudanças permanentes em diversas esferas.
Como início de uma década dita promissora, 2020 chegou na intensidade de um furacão, desestabilizou a ordem das coisas e ditou medidas que dificilmente serão revogadas. Não por agora, pelo menos.
No universo cinematográfico, algumas tendências foram antecipadas e cravaram seu lugar como meio relevante de exibição. Refiro-me aos canais de streaming (Netflix, Amazon Prime, HBO Go, Telecine Play, Globo Play, Apple TV, Disney +…), que ganharam reforço e investimentos dos grandes estúdios em um momento oportuno, já que a salas de exibição se mantiveram fechadas por meses a fio.
Isso quer dizer que o cinema como o conhecemos, a telona e o balde de pipoca, estão com os dias contados? É claro que não! O streaming não substitui o cinema; ele o complementa: é uma plataforma a mais para visualização dos filmes, emprega mais profissionais do campo audiovisual e ainda permite que certas produções, as quais as distribuidoras não enxergam lucro, sejam apreciadas no conforto de casa.
Este assunto merece aprofundamento, então vou deixá-lo para uma postagem futura. Vou direto ao ponto para destacar os 10 melhores filmes de 2020.
É válido ressaltar dois critérios para a seleção:
- a lista é 100% subjetiva;
- foram consideradas produções que estrearam no Brasil em 2020, seja no cinema, streaming ou serviço Video on Demand (VoD).
Quem quiser conferir os rankings de melhores filmes dos anos anteriores (2018 e 2019), fique à vontade!
Outros filmes excelentes deste ano que merecem ser assistidos (em ordem alfabética):
High Life: Uma Nova Vida (Claire Denis) – disponível no Telecine Play, Google Play, Looke
As Mortes de Dick Johnson (Kirsten Johnson) – disponível na Netflix
Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Eliza Hittman) – disponível no Net Now, Google Play, Looke
Time (Garrett Bradley) – disponível na Amazon Prime
A Vastidão da Noite (Andrew Patterson) – disponível na Amazon Prime
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#10
THE 40-YEAR-OLD VERSION (EUA)
Direção: Radha Blank
Onde assistir: Netflix
Radha Blank é diretora, produtora, roteirista e protagonista de “The 40-Year-Old Version”. É a banda de uma mulher só, e ela arrasa em todas esses departamentos em sua estreia no cinema, conduzindo uma espécie de autoficção. Diante das respostas negativas para as suas criações artísticas no teatro, Radha – a personagem – decide enveredar pelo mundo da música aos 40 anos de idade, assumindo seu papel de rapper. O roteiro absorve por completo o espectador pelo tom debochado e pela sagacidade das inserções cômicas, que alternam entre a provocação e a leveza, em uma Nova York cheia de singularidades. “The 40-Year-Old Version” é um filme divertido e autêntico sobre as escolhas que fazemos e os caminhos que trilhamos.
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.#9
BEM-VINDO À CHECHÊNIA (EUA)
Direção: David France
Onde assistir: Google Play
O título deste documentário é claramente uma ironia. Sobretudo se você for homossexual, você não é bem-vindo na Chechênia, região pertencente à Rússia que mantém campos de tortura e extermínio da comunidade LGBTQIA+. Nas mãos do diretor David France, o filme recebe um tratamento aproximado de documentários de guerra, com câmera escondida mostrando cenas de fuga e ameaças, exemplos de violência e descaso das autoridades políticas. “Bem-vindo à Chechênia” é um trabalho ético, corajoso e uma grande denúncia sobre os níveis agravantes que a intolerância pode atingir e corromper a sociedade por dentro.
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#8
TRANSTORNO EXPLOSIVO (Alemanha)
Direção: Nora Fingscheidt
Onde assistir: Apple TV / Google Play
“Transtorno Explosivo” é o longa-metragem de estreia da alemã Nora Fingscheidt, que transcende maturidade ao lidar com um tema tão complicado. A história acompanha uma garota de 9 anos expressamente rejeitada por conta de seu comportamento patológico agressivo. Com uma verve furiosa, o filme encurrala o espectador a todo o momento enquanto evidencia o despreparo e incompetência das instituições (Estado, Igreja, família) em lidar com casos extremos, optando por virar as costas em vez de encontrar possibilidades e meios de solução. “Transtorno Explosivo” é uma experiência devastadora, engrandecida pela atuação desconcertante da atriz-mirim Helena Zengel, de quem certamente vamos ouvir falar muito no futuro. Falo mais sobre o filme aqui.
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#7
MARTIN EDEN (Itália)
Direção: Pietro Marcello
Onde assistir: Net Now
À primeira vista, o longa italiano “Martin Eden” narra uma história bem simples, sobre um jovem humilde e ambicioso que se esforça para ser reconhecido como escritor e, de quebra, ascender socialmente. No entanto, o roteiro livremente inspirado no romance de Jack London mostra a sua grandeza ao encapsular alguns dos grandes acontecimentos do século XX enquanto faz do personagem-título a trágica representação de uma era de efervescência cultural, mas indecisa do ponto de vista político. É brilhante a maneira como a trama se desenvolve e vai descarregando todas as tensões sobre a cabeça do protagonista, de cuja trajetória é impossível desviar os olhos. Também merecem créditos a linguagem subversiva emprestada pelo diretor Pietro Marcello e o desempenho esplêndido do ator Luca Marinelli.
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#6
ESTOU PENSANDO EM ACABAR COM TUDO (EUA)
Direção: Charlie Kaufman
Onde assistir: Netflix
Para a protagonista sem nome de “Estou Pensando em Acabar com Tudo”, um jantar corriqueiro na casa dos pais do namorado se transforma em uma viagem de ácido jornada psíquica, em que ela compartilha com o companheiro seus sentimentos mais obscuros. A mente criativa e perturbada do diretor/roteirista Charlie Kaufman propõe uma dinâmica extasiante, conjugando personagens e cenários em uma trama enigmática e com pinceladas generosas de surrealismo. Ao final deste quebra-cabeça, o espectador pode não ter compreendido todas as metáforas – e está tudo bem –, mas certamente não ficará indiferente uma vez que adentrar esse labirinto existencialista sobre a emoção como combustível para a passagem do tempo. A todos que já assistiram ao filme e tiverem disposição, garanto que a revisão é muito mais proveitosa.
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#5
WOLFWALKERS (Irlanda)
Direção: Tomm Moore, Ross Stewart
Onde assistir: Apple TV
“Original” não seria a palavra para definir a animação irlandesa “Wolfwalkers”. Já vimos parte de sua história sendo contada em outras produções, como “Irmão Urso” (2003), “Como Treinar o Seu Dragão” (2010) e “Valente” (2012), por exemplo. Essa semelhança, no entanto, não diminui em nada a excelência desta animação. O que deixa o espectador encantado e faz de “Wolfwalkers” uma realização tão especial é a essência genuína e emocionalmente calibrada na condução desta aventura. É um filme mágico, muito bem estruturado em todas as suas temáticas (família, amizade, ancestralidade, misticismo, origem…) e adornado com um visual belíssimo, de cair o queixo.
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#4
JOIAS BRUTAS (EUA)
Direção: Benny Safdie, Josh Safdie
Onde assistir: Netflix
Assistir a “Joias Brutas” é o equivalente a correr uma maratona; ao final, o espectador está exausto e ofegante com a caótica sinfonia da desordem que é esta obra. E para mantê-la sempre interessante e com o ritmo frenético, é preciso reconhecer a sofisticação técnica dos irmãos Benny e Josh Safdie, cuja parceria neste e em filmes anteriores os posiciona como alguns dos melhores diretores do cinema norte-americano atual. Adam Sandler está irrepreensível como o protagonista desta insanidade, no melhor papel e desempenho de sua carreira.
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#3
RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS (França)
Direção: Céline Sciamma
Onde assistir: Telecine Play / Net Now / Looke / Apple TV / Google Play
A condução refinada e apaixonante da diretora Céline Sciamma para esta história de amor proibido é um triunfo, suficiente para tombar “Retrato de uma Jovem em Chamas” como uma obra de arte do cinema contemporâneo. Trata-se de um filme sensorial, guiado pelo olhar – dentro e fora do campo – sensível e assertivo de três mulheres, em ações recíprocas capazes de deixar o público suspirando e, por vezes, sem fôlego. As duas outras mulheres a quem me refiro são as atrizes Noémie Merlant e Adèle Haenel, gloriosas em cena. Permita-me adicionar uma quarta figura feminina a esta equação: a diretora de fotografia Claire Mathon, que alcança um resultado impecável com a luz e faz realmente parecer que estamos assistindo a uma pintura em movimento.
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#2
ADORÁVEIS MULHERES (EUA)
Direção: Greta Gerwig
Onde assistir: Google Play / Looke / Apple TV
A atriz e cineasta Greta Gerwig se apossa de “Mulherzinhas”, um dos livros mais queridos da literatura norte-americana, e adapta ao cinema à sua maneira criativa, trazendo novos ares, novas cores, um exercício espetacular de metalinguagem e uma homenagem emocionante à obra canônica e à sua autora, Louisa May Alcott (1832 – 1888). Crítica completa de “Adoráveis Mulheres” aqui.
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#1
HONEYLAND (Macedônia do Norte)
Direção: Tamara Kotevska, Ljubomir Stefanov
Onde assistir: Globo Play / Net Now / Google Play / Looke / Apple TV
Em 2020, nada me emocionou mais do que a história de Hatidze, uma mulher solitária que mora com a mãe debilitada em uma região montanhosa da Macedônia do Norte, onde ela é uma apicultora informal, cria abelhas para vender o seu mel. Com a chegada de novos moradores no local, a sua rotina vai ser totalmente modificada. “Honeyland” é de uma beleza estarrecedora, narrativa e esteticamente. É um registro precioso, inundado de afeto e generosidade, para uma personagem real e cativante. “Honeyland” conseguiu a proeza inédita de ser indicado ao Oscar 2020 nas categorias Melhor Documentário e Melhor Filme Internacional. Para poucos. Falo mais sobre esta obra magnífica aqui.