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18 de maio de 2024

Você é da academia ou do mercado?


Por João Ricardo Tonin Publicado 16/02/2024 às 13h44
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Você é da academia ou do mercado? Quando alguém faz essa pergunta, o sentimento transmitido é de que as áreas são antagônicas…

Working in office
Você é da academia ou do mercado? Quando alguém faz essa pergunta, o sentimento transmitido é de que as áreas são antagônicas. Será? Foto: Freepik

Na minha visão, acredito que as áreas são vizinhas no mesmo bairro, quiçá até dividem o muro, no entanto nenhuma das duas atividades possuem muito incentivo, público pelo menos, de olhar para a grama do vizinho e ver como ela está crescendo e quais as estratégias que estão sendo utilizadas para deixá-la mais verde.
Há várias premissas e regras nas duas áreas, como por exemplo:

  • Na academia, a produção científica possui regras rígidas em termos de prazos de submissão e de qualidade da pesquisa. Caso esses critérios não sejam seguidos, os pareceristas da revista ou do congresso não aprovarão a publicação.
  • Já no mercado privado, há regras muito rígidas em termos de prazos e de como a entrega deverá ser realizada também, pois cliente insatisfeito não gera resultado para a empresa.

Então, sobre o conceito de prazo e entrega estamos de acordo?

Vamos agora avaliar o produto que é ofertado nas duas esferas. No entanto, para ter uma definição mais clara é necessário entender primeiro quem são os clientes da academia e do mercado.

No mercado privado, cliente é aquele que está disposto a gastar um determinado valor para adquirir um produto e/ou serviço que gere utilidade e/ou satisfação.

E na academia, quem são os clientes? Como eles remuneram a pesquisa?

Se o projeto for financiado, o cliente é a instituição ou empresa que está financiando (resultado direto entre a academia e cliente).

Exemplo, a Petrobrás precisa melhorar a tecnologia de um componente que irá ajudar a aumentar a eficiência na extração de petróleo. Neste caso, ela contrata uma instituição de ensino para criar essa inovação. Há riscos envolvidos neste projeto, pois quando pesquisamos, fracassar também é um caminho para encontrar a solução do problema. Quem nos diga Thomas Edison e suas mais de 1000 tentativas para criar a lâmpada.

Se não for financiado, então os clientes são os alunos, na medida que têm acesso a conteúdo de melhor qualidade e/ou o conjunto de agentes que estão no território, empresas e pessoas físicas, que podem livremente baixar o estudo, ler e adquirir o conhecimento (resultado indireto da academia e interessados).

Quem paga por isso? O recurso pode vir por exemplo dos alunos por meio de mensalidades ou por impostos, no caso das instituições públicas.

A premissa de liberdade é muito difundida na academia. Os pesquisadores têm total liberdade de escolher a área e o problema que gostariam de resolver. São também responsáveis pelo resultado da pesquisa, seja em termos de impacto na sociedade e protagonismo. Aqui vale muito aquela máxima, cada escolha é uma renúncia. Na academia existe um path dependence (trajetória de dependência), não é possível ficar mudando de área de pesquisa ao longo da carreira. Se você for mudar de área, então é necessário reiniciar o jogo e começar praticamente do 0.

No mercado privado existe um path dependence também, não tem como atuar hoje em uma área específica e amanhã começar a atender outra. Há recursos e pessoas envolvidas. Demitir um cliente não é algo fácil, é necessário ter muita coragem e postura para fazer isso quando um projeto não está trazendo resultado.

Outra constatação até o momento: os clientes destas duas esferas não são os mesmos. E os produtos ofertados por elas, será que são pelo menos parecidos?

As pesquisas realizadas na academia resultam em algum gatilho, seja em termos de política pública, regulação, mudança de processo ou produto ou inclusive postura de uma empresa privada em termos de como ela deverá atuar no mercado. Elas são realizadas em grande maioria por meio de dados e informações, sejam elas coletadas por meio de bancos de dados públicos e privados, ou criadas a partir de questionários, simulações ou observação.

Buscam em boa parte descobrir parâmetros que traduzam comportamentos médios que podem ser alterados ao longo do tempo através de uma ação exógena. Exemplo, descobrimos que o setor de tecnologia tem aumentado o turnover com a ampliação da política do home office (boa pesquisa a ser realizada inclusive). Após a publicação do artigo, uma empresa ao ler o documento poderá reduzir a disponibilidade de vagas de home office para buscar reduzir o turnover. É um caminho, que não julgo aqui se é efetivo ou não. Mas o ponto é, a ação foi tomada após a descoberta, mas será efetiva de fato?

Se a pesquisa utiliza estratégias metodológicas robustas e considera na análise uma amostra de empresas relativamente grande, a resposta é sim. No entanto, não posso afirmar se o efeito prático será efetivo quando aplico a estratégia individualmente em uma empresa.

As empresas andam no caminho inverso, tentam encontrar soluções efetivas para seus clientes respeitando sua característica específica. A solução que será aplicada estará de acordo com o problema que o cliente está disposto em resolver. Às vezes a solução mais simples e tradicional é a mais efetiva.

Vamos usar o exemplo acima: Imagine uma empresa no setor de serviços que está atualmente com elevado turnover. Ela contrata uma consultoria de analytics para encontrar caminhos para mitigar esse problema. Muito tempo de pesquisa depois, a consultoria de analytics constata que para reduzir o turnover em boa parte é necessário apenas demitir o gestor grosseiro que tem posturas inadequadas. Se ela aplicasse a solução da pesquisa de home office, poderia resolver em parte o seu problema, mas não o principal.

Então, se os clientes e os produtos gerados pelos pesquisadores e empresas privadas são em boa parte diferentes, será que são antagônicos?

Olha, pessoalmente eu acredito que não, penso que a academia pode incorporar em suas pesquisas achados no dia a dia das empresas e vice-versa. Eu acho até que atualmente isso já ocorre na surdina, mas nenhuma das partes está muito disposta em dizer publicamente.

Há muito ego envolvido. É necessária muita humildade para elogiar a grama verde do vizinho.

No mundo corporativo não encontramos soluções diferentes quando trilhamos sempre o mesmo caminho. Somos treinados em boa parte para operar máquinas, mas temos que separar parte do nosso tempo para descobrir como essas máquinas foram construídas e como elas podem ser mais eficazes. A academia pode nos ajudar nisso.

Na academia somos limitados a dados e informações. Precisamos de casos reais para avançar um pouco na fronteira do conhecimento. As empresas podem nos ajudar muito nisso, ao compartilhar seus problemas e ajudar com informações.

Esses dois pontos acima traduzem um dos caminhos convergentes entre empresas e academia.

Dizem por aí que o ódio é parente próximo do amor. Se existe a visão de que academia e mercado são água e óleo, por essa perspectiva, digo que são amantes próximos e íntimos, um pouquinho orgulhosos talvez.

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