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26 de abril de 2024

CENAS DE UM DIVÓRCIO


Por Elton Telles Publicado 08/12/2019 às 16h48 Atualizado 25/02/2023 às 11h05
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Embalada pela trilha sonora dócil composta por Randy Newman, a sequência inicial de “História de um Casamento” traz marido (Charlie) e esposa (Nicole) narrando em off as qualidades e comportamentos corriqueiros de cada um. Enquanto isso, são intercaladas pequenas amostras cotidianas do casal, sejam sozinhos, juntos ou com o filho (Henry) de 8 anos. É uma passagem muito bonita e emocionante porque sentimos o respeito e admiração que eles compartilham um pelo outro, até mesmo quando as falhas são mencionadas. Acima de tudo, é um recorte bastante humano por ser realista e criar conexão direta e identificação com o público. O teto desaba quando percebemos que a troca de elogios sinceros é, na verdade, um exercício dado em uma sessão de terapia para casais em crise, e aí concluímos que Charlie e Nicole, antes apaixonados, estão a dois passos do divórcio.

Esta é uma das várias rasteiras que o diretor e roteirista Noah Baumbach dá no espectador ao longo do filme. O enredo se concentra no desgastante processo de divórcio dos protagonistas, que inicialmente toparam resolver a separação sem envolver advogados, mas as circunstâncias levaram à contratação destes profissionais. A partir daí, muita lavação de roupa suja se inicia para decidirem judicialmente sobre a divisão de bens e a custódia da criança. No entanto, longe de ser um drama de tribunal tal qual “Kramer vs Kramer” (1979), o roteiro de “História de um Casamento” enfoca a adaptação dos pais após o rompimento definitivo e como cada um vai prosseguir a vida com as mudanças acarretadas pelo término.

Não tão profundo quanto “Cenas de um Casamento” (1973), de Ingmar Bergman, nem integralmente trágico como “Namorados para Sempre” (2010), de Derek Cianfrance, a abordagem em “História de um Casamento” passeia entre momentos comoventes e explicitamente engraçados sem errar no acabamento. O peso dramático é frequentemente combatido por um inspirado engajamento cômico, como na hilária cena da visita de uma conselheira social ou o primeiro encontro com os advogados.

É interessante observar que as pinceladas cômicas do filme não são distrativas ou invasivas; elas são intrínsecas à construção da narrativa em um todo, como um elemento crucial que compõe a ambientação e se prolonga até a personalidade de cada figura representada. Por administrar com naturalidade essas duas medidas opostas, a direção de Noah Baumbach se revela bastante acertada. E, claro, o roteiro é magnífico pela trama narrada em si, mas, acima de tudo, pelos diálogos certeiros e excepcionais dos personagens. Um presente para qualquer ator ou atriz é ter boas falas, e “História de um Casamento” cumpre este requisito com êxito.

Por falar em elenco, o deste filme é grandioso. Acostumado a interpretar vilões ou o tipo “esquisitão”, Adam Driver desaparece por completo no papel de Charlie. É devastadora a intensidade emocional que o ator empresta ao personagem, estampado em suas expressões e na modulação de voz quando está sendo irônico, professoral ou em momentos de fúria. É um retrato bastante genuíno, vindo de um ator que rejeita quaisquer artifícios fáceis de interpretação para exteriorizar os sentimentos. A atuação de Driver é superlativa porque ele consegue ser convincente explorando a simplicidade de sua composição.

À altura de seu parceiro de cena está Scarlett Johansson, aqui no melhor desempenho de sua carreira. Como Nicole, a atriz expõe de maneira eficiente a fragilidade e insegurança de sua personagem, sempre na defensiva e ancorada em uma culpa interna que concluímos pelos olhares desviados e pela entonação trêmula da voz. A personagem, entretanto, vai ganhando autoconfiança à medida que o filme avança, e Scarlett ganha mais vida ao mostrar a autonomia auto-adquirida de Nicole. Essa fase que a personagem atravessa no filme é ótima, e a atriz corresponde com muito talento.

As oportunidades de brilhar não ficam restritas aos protagonistas. Em uma curta participação cômica, o veterano Alan Alda, como um advogado pacífico, está espetacular muito por conta do texto, mas também pela sua postura em cena, a fala mansa e todos os adjetivos positivos que gostaríamos de ver em um avô, e não em um advogado de defesa. O seu substituto é personificado por Ray Liotta, advogado feroz e provocador que alterna entre a rabugice e as piadas rápidas e ácidas. Ainda no núcleo jurídico do filme, a excelente Laura Dern se sobressai como a simpática e compreensiva, porém manipuladora, advogada de Nicole. A performance de Dern revela uma atriz com pulsante veia para a comédia, tanto pelo o seu jeito de falar quanto pela expressão corporal adotada. E se tivéssemos que eleger o “monólogo do ano”, Dern venceria quando compara as mães comuns à Virgem Maria.

Por fim, Julie Hagerty e Merritt Wever como a mãe e irmã de Nicole, respectivamente, também merecem distinção neste grupo espetacular de atores pelo afinado timing cômico, que faz toda a diferença na hilária cena da intimação, por exemplo, e irradia a tela quando as atrizes estão em cena.

Com inteligência e de forma acessível, este é um filme capaz de sensibilizar a audiência, levando ao extremo do riso às lágrimas. E a receita é bem básica: ótima direção, atores inspirados e um roteiro sensível e com contrastes bem alinhados. “História de um Casamento” é um triunfo.

Pauta do Leitor

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