Maníaco da Torre: bastidores da história do maior assassino em série de Maringá


Por Ivy Valsecchi
Roneys Fon Firmino Gomes, o Maníaco da Torre. Foto: Arquivo/Oséias Miranda/Via CBN Maringá

2005. A primeira de 13 vítimas, todas mulheres, que seriam encontradas mortas em Maringá nos anos seguintes. Um local específico era escolhido para a desova dos cadáveres: a região da “torre”, assim chamada por conter torres de transmissão de energia, localizada na Estrada da Roseira, zona norte da cidade. Um suspeito e uma última vítima, que permitiu a identificação e prisão de Roneys Fon Firmino Gomes, que já havia, então, se tornado o ‘Maníaco da Torre’. O GMC Online conversou com o jornalista Roberto Silva, 62, responsável pelo apelido que tornou Roneys conhecido e peça fundamental no processo que levou à sua identificação e prisão. Roberto se tornou uma lenda do jornalismo maringaense. Além do ‘Maníaco da Torre’, participou da investigação e produção de materiais de dezenas de crimes cometidos na cidade e também na região.

Roberto Silva conta que, pelo fato de que todos os corpos eram deixados próximos a torres de energia, tudo indicava que os crimes estavam sendo cometidos pela mesma pessoa e que se tratava, portanto, de um assassino em série. E foi após o corpo de Maria Josiane dos Santos, de 36 anos, ter sido localizado, em 2015, que o maníaco foi identificado e preso, naquele mesmo ano, em julho, pouco dias depois do corpo da vítima ter sido encontrado.

“Depois que ele foi preso parou de morrer mulher em Maringá”, conta Roberto.

Roneys confessou seis dos treze assassinatos. Todas as mulheres eram garotas de programa. O Ministério Público (MP), com base na Polícia Civil, pede a condenação dele em todos os casos por homicídio triplamente qualificado com agravante de crime contínuo – veja abaixo trechos da confissão de Roneys cedidos pelo jornalista Roberto Silva com exclusividade ao GMC Online.

O assassino foi condenado em março de 2019 a 21 anos e quatro meses de prisão pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver pela morte de Ednalva José da Paz, de 19 anos, morta em 2010. 

Em dezembro de 2019, o matador em série foi condenado a 23 anos e quatro meses de prisão pela morte de Silmara Aparecida de Melo, de 33 anos, morta em 2012. Em 2020, dois julgamentos foram adiados e Roneys voltou a sentar no banco dos réus no dia 24 de maio deste ano, quando foi absolvido por 4 votos a 3 dos jurados, da acusação do seu terceiro processo por homicídio. O caso em questão era a morte de uma mulher encontrada morta em 2012, mas que até hoje não foi identificada. A absolvição não agradou o Ministério Público que pediu um cancelamento do júri e aguarda o parecer. Apesar da absolvição pelo crime de homicídio, Roneys Fon Firmino Gomes foi condenado a 1 ano, 4 meses e 10 dias de prisão em regime semiaberto por ocultação de cadáver.

O julgamento mais recente ocorreu na última quarta-feira, dia 1º, no qual foi condenado a 31 anos e 11 meses de prisão, pela morte de Roseli Maria de Souza, encontrada morta, asfixiada, em julho de 2014, também debaixo de uma torre de transmissão com as mesmas características do “modus operandi” que Roneys agia, segundo o MP. Roseli foi encontrada 23 dias depois de ter sido assassinada e seu corpo deixado em meio a uma plantação. Foi o quarto julgamento de um total de seis acusações em que ele é réu.

Julgamento de Roneys em Maringá. Foto: Evandro Mandadori

Com julgamentos conturbados, marcados por troca de advogados, prova baseada apenas em confissão (já que não foram encontradas evidências materiais), e laudos de sanidade mental, Roneys tem um novo júri marcado para quinta-feira, dia 9, desta vez, referente a morte de Mara Josiane da Silva, crime que o levou para a prisão.

As vítimas

Quando trabalhava no Jornal O Diário do Norte do Paraná, Roberto Silva mantinha o hábito de mapear todos os tipos de crimes que ocorriam em Maringá. O objetivo, muito além de apenas noticiar os casos, era contribuir com as investigações e ajudar a desvendar os crimes. Foi o que ocorreu com o caso do ‘Maníaco da Torre’. Ele organizou uma lista das treze vítimas encontradas desde 2005 e apenas duas destoavam da “assinatura” que o maníaco empregava em seus crimes. Todas as desovas ocorriam embaixo de torres ou imediações, na zona norte da cidade. “Esse fato me chamou a atenção desde o início dos crimes, o que me levou a denominar o autor – ainda desconhecido – como Maníaco da Torre”, diz Roberto.

O jornalista Roberto Silva, 62, foi responsável pelo apelido que tornou Roneys conhecido e peça fundamental no processo que levou à sua identificação e prisão. Foto: Equipe GMC Online.

A escolha das vítimas era feita de forma aleatória, mas todas eram garotas de programa, conforme Roberto. “Ele disse que escolhia mulheres que estavam sozinhas, mas só pegava em pontos de prostituição na Avenida Brasil”.

Das treze vítimas da relação feita por Roberto, onze tinham a mesma assinatura, ou seja, as vítimas eram todas garotas de programa, encontradas deitadas de costas, em decúbito dorsal, com pernas e braços abertos e próximas de torres de transmissão de energia na zona norte da cidade, sem objetos, roupa, sapato e bolsa. “O assassinato matava e levava tudo das vítimas, talvez para dificultar a identificação, até porque as primeiras vítimas que foram encontradas, os restos mortais eram encontrados em até 30 dias, então já estavam em bastante decomposição, e várias delas não chegaram a ser identificadas”, diz Roberto.

O jornalista relata que, para matar, o ‘maníaco da torre’ provocava a vítima dentro do carro.

“Começava a acusar a vítima de algo ou forçar algum tipo de sexo que ela não queria e quando a vítima repelia já era um motivo pra ele matar. Então ele precisava de um motivo para matar. As vítimas que reagiram às provocações dele, às ofensas, todas foram mortas”.

A vítima Roseli Maria de Souza, do julgamento do último dia 1º, foi identificada um bom tempo depois, pelo esmalte, segundo Roberto Silva. “A manicure que pintou as unhas dela reconheceu pela foto da imprensa os desenhos que tinha feito na pintura da unha. Posteriormente a polícia identificou a filha dessa vítima e através da filha foi feito exame de DNA e realmente confirmou ser da vítima. Mas outras três nunca foram identificadas”.

Roberto conta ainda que uma mulher foi poupada por Roneys. “Uma, segundo ele, ele ficou com pena da mulher, porque no momento em que ele ia matar ele começou a falar dos filhos, e ela foi muito simples, uma menina muito simples, muito educada, que começou a falar da vida difícil, dos filhos que tinha que criar, e isso abalou ele. Ele viu que era uma mãe que gostava dos filhos”.

Uma outra mulher foi salva por um homem. “Ela estava em um local escuro na zona norte da cidade. Ele parou o carro na zona rural e no momento que ele começou a esganá-la ela conseguiu descer do carro e ele foi pra cima dela. Nesse momento passava um senhor que ouviu os gritos dela e correu. A hora que o Roneys percebeu o homem se aproximando ele fugiu com o carro e largou ela para trás”.

Em outra situação, ele chegou a puxar uma faca para uma travesti, na Avenida Colombo. Ela conseguiu descer do carro e ele correu atrás dela. “Essa travesti também foi ouvida pela polícia”, diz Roberto.

A prisão

Roneys tinha certa facilidade de se manter anônimo. Isso porque, de acordo com Roberto Silva, ele usava carros diferentes a cada abordagem. “Ele era vendedor autônomo de carros, comprava e revendia. Então a cada abordagem, a cada vítima, que geralmente ele matava uma por ano, ele tinha um carro diferente, então era muito difícil chegar nele”, conta Roberto.

O jornalista relata que, após o corpo de Mara Josiane, a última vítima, ter sido encontrado, o delegado Diego Almeida, da Delegacia de Homicídios, começou as investigações vasculhando uma câmera de trânsito instalada na Avenida Morangueira. “Ele calculou o horário, porque a vítima foi encontrada na manhã seguinte, então a polícia fez um cálculo da noite que ela teria ido pro ponto de programa até um determinado horário, e começou a vasculhar aquela câmera. Em meio a investigação, um homem procurou a polícia e disse que estava em um ponto onde casais à noite vão com os carros para manter relação sexual, que fica depois da garagem da TCCC, que é uma área de mato, descampado. E o homem disse que viu um carro azul chegando, mas que foi o único carro que chegou e saiu do local logo depois. Só que o carro havia batido em um toco na área de pastagem e esse homem percebeu que o motorista tinha batido o carro, deu ré e foi embora”.

O delegado então mandou uma equipe ao local e no lugar onde havia esse toco que o rapaz citou foi encontrado um pedaço azul de lataria do carro. “Nas investigações das câmeras a polícia então começou a anotar as placas de todos os carros que passavam sentido Iguaraçu, e quantos deles voltavam. Desses carros, só um voltou. A polícia tinha a placa do carro, mas o problema era que a câmera era em preto e branco e o carro era azul. Mas esse carro, o único que voltou, tinha uma cor escura e através da placa a polícia conseguiu descobrir o endereço do dono do veículo. Era a casa do Roneys”.

Então uma equipe da Polícia Civil foi nessa casa onde Roneys morava na época, na Vila Operária. Com base em uma denúncia de que Roneys traficava crack, os policiais disseram que fariam uma revista na casa. Enquanto a companheira de Roneys acompanhava a polícia, um policial identificou o carro azul na garagem, uma BMW e confirmou que o pedaço da lataria encontrado na zona rural encaixava exatamente na parte que faltava no carro.

“A partir daquilo a polícia não teve dúvida de que aquele era o assassino, então pediu a prisão temporária. O Roneys apareceu no dia seguinte na delegacia com uma menina, com quem havia combinado de falar que estava com ele na noite do último crime. Porém, pressionada a contar a verdade, ela desmentiu a história. Ele viu que estava cercado e confessou a autoria de seis crimes”, relata Roberto.

Preso, Roneys tentou fugir duas vezes. “Inicialmente foi um pouco tenso. Ele tentou fuga duas vezes. Na segunda vez ele foi pego no telhado da Penitenciária, conseguiu deixar a cela. Mas depois não houve mais nenhum problema relatado”, conta o jornalista.

BMW que Roneys utilizou para atrair e matar a última vítima. No destaque, o estrago causado na lataria no momento em que ele tentava desovar o corpo na zona rural, próximo de uma torre de energia. Os pedaços de massa/tinta deixados no local serviram como prova para identificar o Maníaco da Torre. Foto: Arquivo pessoal/Roberto Silva.

A confissão do Maníaco da Torre

No dia da prisão, Roneys confessou as seis mortes da lista de treze achados de cadáveres do sexo feminino. No dia seguinte, o jornalista Roberto Silva entrevistaria o ‘maníaco’. “Em entrevista, separado da polícia, apenas eu, ele, o advogado uma irmã e a então companheira dele, ele assumiu a autoria de seis crimes da minha lista. Disse que não lembrava do restante”. De acordo com informações extra-oficiais que chegaram até Roberto, Roneys foi deixado pela companheira porque a agredia durante as visitas na penitenciária.

Roberto conta que a entrevista foi livre de qualquer coação policial. “Eu apresentei a ele uma lista que eu tinha de treze vítimas. Dessas vítimas ele assumiu, espontaneamente, quatro, duas ele disse que tinha dúvidas e as demais ele disse que não se lembrava”.

Na entrevista, Roneys estava bastante calmo e apesar de apreensivo, contou a Roberto que já sabia que seria pego, pois a situação o incomodava muito. “Em momento algum ele reagiu com violência, estava sempre calmo e respondendo todas as perguntas”, diz o jornalista.

Mas, durante a conversa, algo chamou a atenção de Roberto.

“Quando eu toquei no assunto da mãe dele foi muito interessante. Ele tem uma certa rejeição quando se fala da mãe. Eu citei a história da mãe que eu fiquei sabendo, de que o pai havia separado da mãe porque ela tinha tido relação com o cunhado, o irmão do pai, que descobriu e se separou dela. Ela teria virado garota de programa em Campo Mourão, arrumou um amante e esse amante assassinou ela, matou ela a facadas. Nesse ponto eu senti uma forte retração dele. Foi a única hora que ele fechou o semblante e falou que isso não havia acontecido. Mas foi a própria irmã dele que contou essa história antes da conversa com Roneys. Ela disse que isso chocou muito a família”.

Mas ninguém sabia até que ponto isso tinha afetado o Roneys. A história chamou a atenção de Roberto, que quis investigar a fundo. “Me chamava muito a atenção o Roneys largar os corpos perto de torres de energia. Isso sempre despertou minha atenção. Por que esse local? Por que essa retração com a mãe”, questionou-se Roberto.

Veja abaixo o trecho do depoimento do Maníaco da Torre que foi anexado à pronúncia do réu ao júri popular pela morte de Mara Josiane dos Santos.


“[…]. Que diferentemente do que alegou em sua declaração prestada na data de ontem, confirma que no dia 27/07/2015, por volta das 00h00, com seu veículo BMW de cor azul metálico, de placas ABW 6060/PR, pegou a pessoa de MARA JOSIANE DOS SANTOS, a qual estava na av. Brasil, próximo a av. São Paulo, sabendo que estava em local onde costuma praticar prostituição. Que combinou o valor de R$80,00 (oitenta reais), para fazer sexo no interior do veículo, que Mara Josiane solicitou que o interrogado parasse o carro, numa rua próximo onde estavam e que a rua era escura e poderiam manter relações ali.

[…] Que Mara Josiane tirou a roupa que vestia, a qual descreve como um vestido e uma bota de cano médio, abaixo do joelho; que a seguir após estar nua, o interrogado solicitou que Mara Josiane fizesse sexo oral, porém sem preservativo, que Josiane se recusou a fazer sexo oral sem preservativo. Que começaram a discutir, Josiane tentou tirar a chave do carro; que nesta hora viu uma viatura da PM, que temeu a Polícia Militar, pois imaginou que se JOSIANE saísse do carro nua e a Polícia a avistasse, poderia ser preso.”

“Que neste momento, por estar temeroso a estrangulou com suas mãos, que neste momento não pretendia matá-la, apenas desmaiá-la. Que na hora ela ficou se debatendo, tentando se defender, mas o interrogado aplicou bastante força; o que fez com ela desmaiasse. Que quando ela desmaiou o interrogado percebeu que ela já estava morta […] ainda sobre o corpo rezou pedindo perdão pelo seu ato e pela vítima. ”.

“Que sua mãe era garota de programa e foi assassinada na cidade de Campo Mourão quando o interrogado tinha sete anos de idade, tendo o autor deste crime sido identificado, mas nunca sido preso, o que, segundo o interrogado, gerou um trauma que o motivou a assassinar diversas garotas de programa na cidade de Maringá;

Questionado sobre como escolhia suas vítimas, respondeu o interrogado que escolhia aleatoriamente entre garotas de programas que faziam pontos, principalmente, na Av. Brasil na cidade de Maringá; Perguntado se todas as garotas de programa que “pegou” foram assassinadas, disse que não, que com algumas delas se relacionava, pagava e as deixavam ir embora tranquilamente, esclarecendo que a maioria das suas vítimas foram mortas devido ao fato de terem se recusado a fazer o que o interrogado mandava;

Que o método utilizado para matá-las era através de esganadura, geralmente dentro do carro; Esclarece ainda que para não ser arranhado pelas vítimas, não deixando dessa forma vestígios sob as unhas delas, por diversas deitava o banco do carro de forma que dificultasse a reação das mesmas; Que após os crimes serem cometidos os corpos eram levados, na maioria das vezes, para a estrada da Roseira ou suas proximidades, onde eram deixados, geralmente sem roupas, com a barriga virada para cima, dizendo ainda que, em seguida, realizava uma oração para as vítimas pedindo perdão pelo que havia feito;

Que após os crimes cometidos acompanhava tudo pela televisão, geralmente com sentimento de remorso, e, apesar de não saber o nome das mulheres que matava, afirma que todos os corpos de mulheres encontrados na região da “torre” localizada na Estrada da Roseira foram deixados por ele; Disse ainda que no princípio o local preferido era exatamente embaixo da “torre”, mas que com o passar do tempo o local passou a ficar “manjado”, motivo pelo qual começou a deixar os corpos em outros locais […]”.

“No final, minha investigação mostrou que minhas suspeitas tinham motivo”

O que levou o jornalista Roberto Silva a estabelecer ligações com os locais escolhidos para desovas com as motivações de seus crimes? Quando soube de sua história familiar, Roberto resolveu visitar a casa onde Roneys havia ido morar com os irmãos depois que o pai se separou da mãe. “Com muito custo eu consegui achar essa residência no Jardim Alvorada, lá em Campo Mourão. Curiosamente essa casa fica a 200 metros da Avenida das Torres, e o quarto onde Roneys dormia ficava defronte com uma torre de transmissão de energia”.

A casa da avó materna em Campo Mourão, onde Roneys Fon Firmino Gomes foi morar, com os irmãos após a separação dos pais. ficava a 200 metros da Avenida das Torres. Foto: jornalista Roberto Silva, com a esposa de um primo de Roneys/Arquivo pessoal Roberto Silva.

Do quarto onde dormia, Roneys, então com sete anos, avistava, todos os dias, as torres de energia que cortavam o bairro. Foi nesta casa que ele foi informado da morte da mãe, que havia se tornado prostituta e acabou sendo assassinada por um amante.

“Então você percebe que há uma relação sim, mesmo que inconsciente, com a história dele com a mãe e os locais escolhidos para desovar os corpos. Ele só matava garotas de programa e deixava os corpos perto de torres de energia”, diz Roberto Silva.

A 200 metros da casa fica a Avenida das Torres, passagem obrigatória para Roneys, conhecido como Maníaco da Torre, ir à escola. Foto: Arquivo pessoal/Roberto Silva.

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